quarta-feira, 2 de janeiro de 2008


POESIA EM DISPUTA: O SLAM POETRY NO BRASIL

Paulo Scott



Tenho certeza de que você nunca ouviu falar em slam poetry. De onde vem minha convicção? Simples, antes de escrever esse artigo liguei para sete dos poetas mais antenados do país e perguntei se tinham idéia o que significava a expressão. Apenas um disse ter uma vaga idéia.

Trata-se de um evento onde poetas, em performática, lêem ou recitam suas poesias num esquema diferente dos tradicionais saraus; no slam poetry, o que está em pauta é a competição. Poetas disputam os votos de um júri escolhido na hora, entre as pessoas que estiverem na platéia.

Reza a lenda que a idéia foi implementada no ano de 1984, no bar Get Me High Louge, em Chicago, por Marc Smith, mas só ganhou notoriedade a partir de 1987, quando as competições começaram a se intensificar, até que em 1990 ocorreu o primeiro National Slam.

Pode haver regras, limitações temáticas, de palavras ou expressões e de tempo; mas o estilo livre prevalece. Geralmente, os candidatos realizam suas atuações com base num texto já ensaiado, mas os finalistas deverão improvisar a partir das sugestões dadas pela platéia; daí sim sairá o vencedor. Como se vê é nítida a influência da cultura hip-hop sobre a slam poetry, não é à toa que até hoje, a maioria dos poetas mais conhecidos desse novo gênero são aqueles que assumem o estilo rapper (embora haja os que o evitem).

Na última sexta-feira, fui convidado para assistir o que, segundo seus promotores, os poetas gaúchos Fábio Godoh e Marcelo Noah, deveria ser o primeiro slam poetry do Brasil. Infelizmente, por razões técnicas (parece que o formato do evento não era bem o aprovado pelo Solar dos Câmaras, um espaço público que abriga recitais e eventos mais comportados do que o pretendido pelo Fábio e pelo Marcelo), o evento não se realizou; ou melhor, se realizou em parte, já que os poetas executaram suas performances na calçada do próprio espaço e o prêmio foi para Luiz Carlos Sadowisck.

Na minha opinião, mesmo na informalidade, o slam aconteceu.

Outros eventos do tipo estão programados para janeiro de 2007, com a promessa de ocorrer sob condições menos adversas e registro em DVD.

Fábio Godoh disse que a idéia surgiu durante a gravação do CD "Trinta em Transe" (Porto Alegre: Loop Discos, 2006), que reúne trinta dos poetas mais expressivos da literatura gaúcha contemporânea, disse também que para as próximas edições do evento ele e Marcelo Noah ainda estão buscando uma expressão que não seja essa, slam poetry, mas algo em português.

Hoje, com toda a tecnologia disponibilizada a baixo custo, há, na Inglaterra e Estados Unidos, poetas que sequer cogitam de publicar, querem é gravar (ou filmar) suas poesias e veicular na rede, em CD, DVD e por aí vai. Curioso. Uma geração de poetas que não se preocupa com livro, preferem a oralidade e a imagem (o que não deixa de ser uma potencialização da egotrip que marca todo artista) ao texto escrito.

Aproveitei o tema e pedi a opinião de dois poetas que, na minha opinião, têm na oralidade uma espécie de exuberância de seus textos: o carioca Chacal e o paulista Marcelo Montenegro. Chacal me disse que não condena, vê nessa experiência um retorno à celebração da oralidade, aproximando (não é por outra razão que a idéia nasceu nos primeiros anos do rap) a poesia do que já era a poesia do rap. Claro, ele faz questão de frisar, é preciso perceber o caráter de brincadeira da slam poetry, porque não é possível julgar se algo é melhor ou pior, o que conta, na verdade, é o momento: naquele momento e para aqueles juízes, há um vencedor ¿ mas nada disso pode ser levado tão a sério.

Já Marcelo Montenegro ressalta toda a qualidade que ainda se mantém no espaço da poesia (o caótico, a transgressão da linguagem) e que a torna quase o único (porque último) espaço artístico de plena liberdade, dispensando por completo a possibilidade de ranking, de competição. Submeter a poesia à competição é condicioná-la, é enfraquecê-la.

Confesso que não pretendo submeter nenhum dos meus textos a qualquer tipo de competição, embora seja um entusiasta dos encontros poéticos que subvertam a pasmaceira dos saraus de formato mais clássico e outros rococós do gênero, mas admito que o slam poetry pode ser um modo eficiente de aproximar as pessoas da cultura da poesia (isso que segue campo de meia dúzia).

O fato é que a poesia está agregando as novas tecnologias, isso já acontece desde o final do século XIX (registre-se que todos os poetas que ouvi são artistas que misturam texto com outras mídias já há muito tempo). Se haverá competição, ou não... seo negócio é a sério, ou não... bem, cada um que escolha o que fazer da sua arte. Não tenho dúvida que a poesia (embora poesia seja tudo e esteja em todo lugar) continuará sendo um bicho de sete cabeças, um rótulo estranho para a maioria dos brasileiros, letrados ou não, executada em espacho chic ou na calçada.


Paulo Scott, escritor e professor universitário, criou os projetos PóQUET: ruído & literatura e Na TáBUA, combinando, a partir da literatura, outras mídias.

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