segunda-feira, 7 de janeiro de 2008




A PENUMBRA DE UMA SAUDADE DE QUEM NUNCA PARTIU


as vezes eu reluto muito. as vezes eu sou muito rápido. rasteiro. arqueiro de fonemas e trilhas.
assim, com a poesia que apareceu em mim, quando ainda subia no pé de cajarana e via o mundo lá de cima.
eu sei tá tudo enxame. de palavras, olhares e gestos.
como um trem que descarrila e vem como se fosse o ontem que ninguem lembra mais.
como o mar que o sol se esqueceu de se aquecer. como as plantas, as suas lombrigas e a enorme vontade de amar.
como um pássaro que voa e se espatifa por cima de um desejo.
como aquela árvore onde ainda manhã contávamos sonhos e a vontade de sempre procurar por mistérios e beijos.
e da rua, como sendo hóspede de segredos e sussurros.
daquela enchente de lembranças, frutas e lençois.
como um pano que veda açudes e a vontade de se jogar naquele corrimão de lendas, parlendas e sendas.
sim, eu colho gravetos e impossibilidades.
eu gasto meu tempo como se fosse o pescoço de uma imensa náu. como se fosse o espinho que se dilacera e remove com o seu rosto, a matilha de curvas e esquecimentos.
eu burlo o último suspiro do sol. eu me valho de antiquários, e vou ao sabor do que me leva da correnteza do amanhã.
separo tudo do que me contém, inspiro a folha de um jabuticabeiro que de tão escondido se recolhe ao redor de medos e paredes.
a noite tão imensamente órfã, ladrilha ao redor de rios e espelhos o que ficou no semblante de quem nunca soube o que é viver.
e do que a língua do mundo falou sou só o que me resta ver:
a penumbra de uma saudade de quem nunca partiu.

Cgurgel

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