domingo, 13 de janeiro de 2008



OS TRÊS REIS MAGOS

Milton Siqueira, libertário, miserável e verdadeiro, produzia versos soltos, alucinantes e cheios de vontades planetárias. Rabiscava em ponta de esquina, dentro de igrejas ou a caminho do mar. Maltrapilho, pedinte vitalício, olhos refratários. Ajuizava e alucinava quem não soubesse do nú e do crú da própria vida. No café "São Luíz", tragava todos os fantasmas, medos e assombrações undeground da província. Atacava com o seu verbo solto, quem lhe apunhalasse desatinadamente. Confessor-mor da dor de quem pede o perdão e de quem trai o próprio sol. Solitário, beberrão e ermitão, navegava com os anjos mentais, atordoando diálogos inter-continentais.
Vagando na noite feito sombra de nós mesmos, não se dispunha ao convívio fácil; gostava mais de besuntar seus cigarros loucos e roucos. Por pouco, em um dia, não extravassou toda a agonia de uma procissão cristã. Costurando corpos e com sua voz gutural, foi fazendo pilheria do que encontrava pela frente. Viveu como poucos. Morreu como todos nós.
Já Walflan de Queiroz, com seu cigarro nutrindo medos, decepções e angústias, abocanhava com seus olhos de amor, o que a gente escondia por trás do papo insano. Sempre na livraria "Universitária", ficava com o olho no além, atravessando a "Rio Branco" como se descortinasse no asfalto pegando fogo e fato, uma nova cordilheira de dândis. Dândis de um aterro minado, cheio de delites vagos, cortes de realidades cósmicas e a cruz divina alicerçando sonhos e dejetos tropicais. Foi com a poesia de Walflan que conheci o submundo da angústia humana.
E Miguel Cirilo? O que dizer do mesmo? O seu "Elementos do Cáos", pressupõe a eterna idade dos nossos gestos. É livro que não finda. Permanece cada vez mais à frente do nosso tempo, essa ilusão dos nossos olhos.
Miguel sofre, como a maioria de nós, do que poderíamos chamar de claustrofobia cênica. Veja ele na rua, na praça ou nos jardins da cidade. Aí sim, temos a exata noção do que podemos sentir de um poeta na mais exata expressão do seu centro: vive como poucos a contradição que o coração requer, enxaguando sábados e domingos.
Com Miguel, o brilho, a razão, o instinto, o desvelo, o espelho e a reinação do mal, são coisas atemporais, e efêmeras, igual a um grito, um espanto no meio da noite.
Com Miguel todos nós somos imortais. Porque, posto que a nuvem do coração humano, bate mais forte quando o perdão e o pecado, moram em uma mesma vala.
Somos barro, todos nós. Sustentado pelas mentiras do passado e pela desesperança do futuro. Igual a um filme interrompido pelo estampido de uma lembrança impessoal.
Com Miguel, a luz dos olhos das crianças, fermentam fé, berros e alegrias circenses.
Sim, porque seus olhos, os das crianças e os dele, como duas antenas, intercambiam fantas, fontes e fintas por entre flores de um jardim imaginário. Soluçam risos, ecos e tempos outros.
Sim, eu sei, que tanto Miguel, tanto Walflan e tanto Milton, são pessoas especiais. Eles (os três poetas), nascem, crescem e produzem o tempo todo, como se fossem máquinas de fiar o avesso do que está ai. Eles estão sempre reinventando tudo. Como o sabor do marinheiro que chega de desvarios marítimos, e preenche com sua simples presença, o que está faltando na boca das pessoas: a sutileza da precisa palavra.
Igual a lua, ao mar, ao vento, e a imensidão dos nossos gestos ao redor do tempo.

Cgurgel

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