quinta-feira, 25 de dezembro de 2008



LAQUEADURA

somos tão pobres de espírito
que nem disfarçamos o mal estar que pelo tempo passa.

Cgurgel

terça-feira, 9 de dezembro de 2008


TOM ZÉ – ESTUDANDO A BOSSA
Por Fabrício Brandão

Em meio ao cinqüentenário tão já anunciado da Bossa Nova, um arauto musical diferenciado rende seus esforços artísticos em torno de seu novo trabalho. É Tom Zé que vem de lá e anuncia todos os seus versos e construções inteligentes possíveis para percorrer o seu Estudando a Bossa. Quem está acostumado a ver aquela sonoridade eivada de múltiplos efeitos rítmicos tão característica dos últimos discos do artista, agora se apercebe conduzido num lugar no qual reinam doses adequadas de lirismo. O cérebro inquieto e brilhante de Tom Zé revela-se aqui na sugestão de uma verdadeira pesquisa musical em torno de momentos e personagens que ajudaram a definir a cara do gênero bossanovista. Sem medo de arriscar, poderia dizer que serve como uma leitura lúcida e bem humorada de aspectos íntimos daquele movimento que se consolidaria até hoje dentro e fora do país. Até parece uma aula de história musical muito bem ministrada pela tão inseparável irreverência do cantor e compositor baiano.
Letras e arranjos aqui estão a serviço de um nível de qualidade e sensibilidade altos. Tom Zé sabe se aproveitar das possibilidades vocais, aliando textos inteligentes a performances vocais femininas precisas. As expressões ricas das vozes de Fernanda Takai, Mônica Salmaso, Tita Lima, Andréia Dias, Márcia Castro, Jussara Silveira, Fabiana Cozza, Marina de La Riva, Zélia Duncan, Anellis Assumpção e Badi Assad vêm se juntar às intervenções de Tom Zé, algo que promove uma sensação teatralizada de diálogos que cortam as músicas. Através desse trabalho dotado de apuros e virtudes abundantes, é que podemos perceber porque o compositor talvez seja um dos raros ícones de nossa música capaz de ser visto com os olhos adequados da originalidade.
Toda uma fervilhante inventividade é exibida em canções como João nos tribunais, O céu desabou, Síncope Jãobim, Outra insensatez, Poe! (com David Byrne), Mulher de música e Brazil, capital Buenos Aires. Do início ao fim, Estudando a Bossa se revela um álbum impecável, sem, no entanto, carregar a pretensão de servir como um tributo à Bossa. Ante o engrossar do coro daqueles que rendem adoração ao gênero, o mais importante aqui é sentir a música pulsando pelas reflexões alternativas de uma mente insistentemente criativa. O resto é pura sonoridade elevada ao belo e alguma boa desconfiança do que poderia ter acontecido se esse baiano da pequena Irará tivesse inventado aquele movimento.

segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

" CASA " - texto Virgínia Wolf

quinta-feira, 27 de novembro de 2008


PAUSA

sou nitroglicerina
quando a situação
me insiste

aqui
nesse povoado de merda
marrecos cagam no quintal

lá em cima
na ribanceira do ócio
todos tagarelam sozinhos

uma procissão
se forma
percebo
entre os seus
eu

caminho
como quem não quer
fazer parte da corrente

e os dias são tão longos
parecem mais
com a minha calma
que de tranquila
nada escapa.

Cgurgel

SELVA

troco farpas
jamais mapas.

Cgurgel

quarta-feira, 26 de novembro de 2008


ÁSPERA

nunca me esquecerei
de tudo que me destes:
como um lança-chamas
que me vestes

assim como uma voz
que de tão distante
me fala de tudo
que sempre sonhei
encontrar

tudo
tão belo
do seu olho
que me brilha

e
um silêncio
tão áspero
quanto o teu rosto
que me pede para ficar

tão tudo
tão pouco
chega dar saudade.

Cgurgel

RETORCIDO ALUMÍNIO

sim
é isso
como negar?
dessa terra de pele
e irredutível olhar
como só a areia do rio
que nos faz promessas e segreda traições
assume

assim
é tudo tão incompletude
uma vaga noção do ar
tudo tão intensamente aprisionado de flores e clarões


naquele morro
vivem pássaros e chuvas
um monte de passos
frutas
retorcido alumínio
tudo tão a cara da manhã que não passa pela porteira dos rios das cobras

mas
veja
eu sei que tudo continuará na mesma direção de sempre
como um frio que atravessou a lua
e foi dormir por sobre os pés descalços da jaboticabeira

depois te falo
agora preciso recolher olhos e dedos
e durma
a cancela por onde seu corpo passou
é tudo invenção dos seus olhos.

Cgurgel

terça-feira, 25 de novembro de 2008


VILEZA

aqui
por entre o lago e a ponte
enfermos se lambuzam

uma viela
tão escura
de alguns morcegos
e tudo podre

tudo tão lampejo
do que o homem vê

um grito ecoa
parece que a noite se foi

agora
só mesmo assim tão tarde
para encarar
essa vida assim tão à toa.

Cgurgel



assim aprendemos com os olhares
os mares dos desejos
e a infinita e preciosa ampulheta
dos nossos braços
ouso:
sim
aqui
e onde meu coração pousar.

Cgurgel

segunda-feira, 24 de novembro de 2008

vício & paixão

domingo, 23 de novembro de 2008


acho que não vôo
e não me sinto livre
sou um punhado de nuvens e afetos
só.

Cgurgel



INTRO MISSÃO


talvez
não sejam nem daqui

mas
aqui chegando

se tornam
mais daqui

do que
propriamente
de fora.

Cgurgel

sábado, 22 de novembro de 2008




AUGE

incendeia-se
assim
quem se quer

fogo
como alma rejuvenescedora
um lago
de penumbras e achincalhes

assim
passa-se o tempo
como uma farândola
de pálpebras, ensaios e provérbios.

Cgurgel

sexta-feira, 21 de novembro de 2008



NÁUFRAGO

uma cidade submersa
de delicadezas e ruínas

como uma esquina
tão vasta e vazia

uma cidade de teclas
de desvarios e terreiros baldios

como um sítio
que descarrila de tanto hirto

áspero náufrago
de tanta inconsistência fóssil
e berlindas céticas

uma lassidão de fogueiras
que de tanta mocréia
impune
hermafroditamente vagueia.

Cgurgel

quinta-feira, 20 de novembro de 2008


RÉQUIEM

por aqui
o vento na coxia do poema
como a balbuciar inverdades e sextilhas

sim
e a rubra noite
que de tão devassa
me deixou nú
catando pão
e o sorriso de uma cancela

assim
o tempo
se vai
como proclamando a sua face
ensanguentada de brasões e estrelas

pois, sim
te mando um beijo
recheado de diálogos e silêncios.

Cgurgel

segunda-feira, 17 de novembro de 2008




habita-me entre teu rosto e teu pecado.

Cgurgel



GLÓRIA


a casa da minha mão
é a casa
onde eu
trafico e transito
ilusões



pode ser de noite
ou de dia
tudo está
na mais perfeita
agonia

a casa da minha mão
é tão pura e infiel
semelhante
quando eu me perco
e eu me acho

nada
como a casa da minha mão

(eu sei)
serei eu
para sempre.

Cgurgel

sábado, 15 de novembro de 2008


NOTHING

fixas
na parede
lembretes

tão suados
de um tempo
tão tarde
assim de
cor

tão de cal
e assim de cão
ao seu redor

tão rápidos
de fugas
assim
como quem vai
e entristece
o silêncio
que da língua
socorre

e da boca
que do céu se põe
tudo não resta
assim como
o silêncio
que por ti
passou.

Cgurgel

sexta-feira, 14 de novembro de 2008



MONOPÉ

o mal me come
e eu refaço
a cada dia
o que me some.

Cgurgel
PITYY & 3NAMASSA - " LÁGRIMAS PRETAS "

quinta-feira, 30 de outubro de 2008



VERTENTE


como só a paisagem
da passagem da rocha íngreme
intime

pela fresta da rocha
que de tão ensimesmada
afine

como a cobrir com seus rastros
o velame que o tempo
que o vento levou
carpine

quem vem lá
ao solar
que não resiste as intempéries do amor partindo?

Cgurgel

quarta-feira, 29 de outubro de 2008



PARTÍCULA DO SER TOTAL

radiografas com teus olhos,
o que tú vês com teus pés?

Cgurgel

terça-feira, 28 de outubro de 2008



O SILÊNCIO DO MURO DO JARDIM


aqui
nesse manicômio
animais são como corvos
que se entrelaçam entre tantas bombas e estopins

tudo tão dilacerantemente
espontâneo espantoso
estampido
desse mundo fudido

tudo tão fundido de uma rosa
que naquela esquina explode
de tudo tão de todos apogeus e cadafalsos
e de tantas chuvas de meteoritos que caem
sobre a janela do meu quarto

e nesse silêncio desse muro do jardim
já nada demais de tão obscuro desaconteçe
como só dessa terra já tão pouca
de tanto adubo para tantos corpos tão porcos.

Cgurgel

segunda-feira, 27 de outubro de 2008




vagueio pelo rio que me banha
ele me abocanha

velejo pelo rio que me cobre
ele me acompanha

navego pelo rio que me despe
ele me estranha.

Cgurgel



céu e mar
sol e lua
nado e nada
sal e solo
onda nua.

Cgurgel



quando eu me banho naquele rio
que um dia a infância levou
é como se fosse a aurora
que um novo tempo chegou
chegou como uma lamparina
que ilumina com o seu olhar
o lugar onde nasci
cresci
e vivi

e por entre as águas que me banho
acalanto com os seus leitos
os sonhos de um menino
que nunca morre
esperto,
igual a um guiné quando corre

e o tempo
como o vento que passa
atravessa
como o curso do seu leito
todas as lembranças
que me fizeram
peixe, cardume e caça.

Cgurgel


o que passo no rio?
o Rio que me pesca?
o que peço do Rio?
o Rio que me basta?
o que posso do rio?
o rio que me caça?
o que pasto no Rio?
o Rio que me acha?

Cgurgel

TORTUOSO

essa veia
via que vela
a fela de uma letra
estendida
pela lâmina
de um olhar torto.

Cgurgel

sábado, 25 de outubro de 2008


COMPLEIÇÃO

gosto de por os pés na areia do mar
gosto de silenciar
gosto de não gostar do que não me diz nada
assim de repente,
gosto de amy e de ingrid betancourt.

Cgurgel

quinta-feira, 23 de outubro de 2008

CEGO OLIVEIRA - " NA PORTA DOS CABAREIS "

domingo, 19 de outubro de 2008


NO TOPO DA COLINA EXPERIMENTAL
Artista de amplos recursos técnicos; criador de toda uma estética originalíssima, a partir da fusão entre noise rock e música erudita de vanguarda; e figura constelar no âmbito da vanguarda novaiorquiana dos anos 70 e 80, sobre o qual exerceu decisiva influência, Glenn Branca é indubitavelmente uma das figuras mais interessantes e inovadoras da música contemporânea. Se há, aliás, um compositor que poderia ser classificado como PROGRESSIVO na mais legítima e genuína acepção da palavra, este é Branca, pois ao contrário dos Keith Emerson da vida, que se limitam a preguiçosamente adaptar / surrupiar trechos de ‘vacas sagradas’ do passado, o genial regente e guitarrista norte-americano forjou um novo estilo ao amalgamar rock’n’roll e música erudita em surpreendente síntese alquímica.
A trajetória de Branca teve início no fértil e irrequieto cenário da vanguarda multimídia nova-iorquina dos anos 70. Em 1976, Branca cria, com Jeffrey Lohn,suas primeiras bandas, as formações no wave Theoretical Girls e The Static. Ambas enveredavam por uma estética relativamente análoga a de outros grupos da cena (DNA, Mars, Teenage Jesus and The Jerks, Don King), ou seja, a incorporação de elementos do minimalismo (Reich, Glass, Rilley) e da drone music (La Monte Young, Tony Conrad) ao nascente punk rock; são já notáveis, todavia, as inusitadas afinações de guitarras, as texturas microtonais e a obsedante massa sonora gerada pela superposição de diversas camadas de guitarras, características que se tornariam marca registrada no trabalho do compositor.
Em 1981, lança sua primeira obra-prima, o álbum The Ascension, onde o escopo sinfônico, ainda que para um ensemble pequeno (4 guitarras elétricas, baixo elétrico e bateria), já se faz plenamente presente: são peças sobremaneira hipnóticas, densas espirais de radiância sonora evoluindo em movimentos cada vez mais obsessivos e inquietantes. John Cage certa vez classificou a música de Branca como 'fascista' e 'histérica' ("I found in myself a willingness to connect the music with evil and with power...If it were something political, it would resemble fascism"). A observação é de certo modo procedente, pois a música branquiana flui através de uma série de crescendos ominosos, sem desenlace ou catarse, de modo a transfigurar uma contínua sensação de apreensão e desassossego progressivos; não obstante, longe de ser um traço derrogatório, trata-se, creio eu, de algo que corrobora para tornar a música de Branca ainda mais admirável em sua busca tantalizante pelo inner void da tensão estrutural permanente.
Lesson No.2 e Structure são Sonic Youth avant la lettre, muito embora sobremaneira mais abstratas, angulosas e glaciais; fascinante exercício de contrastes, The Spectacular Commodity é simultaneamente luz e sombra em insólita convergência de vetores cromáticos dissonantes; Lightfield (In Consonance) é uma daquelas arrebatadoras walkürenritt eletromagnéticas tão características da obra de Branca, com suas trovejantes constelações de clusters circungirando em direção ao Infinito.
Por fim, The Ascension, sinfonia do caos über eletrik por excelência, inicia-se como uma ameaçadora nebulosa eletrostática em lenta mas inexorável expansão, para então entregar-se à mais emblemática das progressões geométricas de radiação hipercinética de todo o opus branquiano, terror e êxtase na mesma galáxia multiforme de estruturas sônicas em glorioso colapso.
Nos anos seguintes, Branca aperfeiçoaria esse formato, compondo sinfonias para conjuntos cada vez maiores (vale mencionar que figuras notórias do rock contemporâneo, como a dupla de guitarristas do SY - Lee Ranaldo e Thurston Moore - iniciaram-se na vida artística justamente com Branca); são obras monumentais e extremamente ambiciosas, onde o artista explora não só os páramos mais abstrusos da música ocidental contemporânea, mas também agrega elementos da música balinesa e indonésia. A partir de 1989, marcando uma guinada em sua obra, o compositor passa também a trabalhar com orquestração sinfônica tradicional, mas sem abandonar suas explosões de energia guitarrística concentrada, e assim desenvolvendo cujo rigor estético e ousadia conceitual nunca cessam de maravilhar seus ouvintes.
(por Kamikaze)

sábado, 18 de outubro de 2008


O LIXO E A MORTE

oh, dulcíssima catedral de merda!
que esbanja oligarquias e milacrias
entre palmares e estivas

onde regas o roubo explícito por todas as partes
tão desmesuradamente órfão de cafunés e academias
entre tantos deslavados porcos e personagens mortos

oh, dulcíssima catedral de merda!
onde medras o medo entre cegos e tão infantis belezuras
de tanta e tão pouca estatura e timidez obscura

onde preces e pressas entre hóstias e fariseus, ronda
tão catacumba de desafios e desaparecimentos tardios
de uma lousa louca e tão desvairada plumagem

oh, dulcíssima catedral de merda!
que de vão em vão em cima ou em baixo é dilúvio
de cada por cada de tudo por tudo é nada

e mesmo que persista o prosseguir da manada
o lixo, o oco, o troco, o salto de um ar cabisbaixo e infecto
fulminará a todos, restos de uma epopéia desumana e covarde.

Cgurgel

sexta-feira, 17 de outubro de 2008



CONTEMPORÂNEA


hoje me desfaleço de sims
tão pouco sentido há para as coisas
um porto que fala da madrugada já morta
de uma porta tão escura

o curtido de uma pausa entre séculos
como o morro que venta e não sossega
uma pétala de tanta destemida arruaça
um mergulho na alma de toda peçonhenta pessoa

e eu calo a boca de quem só pensa
como reformatórios dos seus passos no escuro
uma tão festa úmida de cadafalsos
um medo que de tão estranho, nos cega

e a troça que brotou daquele jardim
é uma coisa assim tão de antes-de-ontem
como réplicas de uma sociedade tão anônima
assim como aquele escorpião que encontrei na calçada

e do meio fio de cabelo
que fala baixinho para o meu cérebro
que não demorará para tudo se aquietar
e dormir o sono de quem precisa
de desatinos e carvões.

Cgurgel


o bichinho do rato sumiu
ele fragmentou livros e presentes
se escondeu por entre lixos e doces
dialogou com a noite como seu lívido sermão

apascentou o bueiro da vazão do banheiro
saciou sua fome como quem vai ao velório de um anônimo

e saiu por ai
como demarcando o seu espaço
e cantarolando que a vida vale a pena.

Cgurgel


TODOS OS OLHOS
Tom Zé
(A crônica de como se fez uma das capas de disco mais premiadas da história da MPB)

Procura-se um motel. Na São Paulo de 1972 isso não é lá tão fácil de encontrar.
O jeito é pegar a rodovia Raposo Tavares e afastar-se alguns quilômetros da cidade para estacionar o Fuscão 1500 bordô ao lado de caminhões que descansam sob a placa "Retiro Rodoviário". O rapaz tem 22 anos, é cabeludo, usa faixa na cabeça e calça boca-de-sino.
A moça tem vinte e poucos, é bonita, loira de cabelos compridos, tem os olhos claros, pinta de hippie e, assim como ele, é fã da Tropicália. Acessórios trazidos: uma máquina fotográfica alemã Praktika sem flash, quatro filmes Kodacolor ASA 100, dois abajures com lâmpadas de 100 W, fortíssimas, e uma caixa de... Bolinhas de gude?
Esses são os elementos usados na composição da foto da capa de Todos os Olhos, álbum do tropicalista baiano Tom Zé, lançado em 1973.
Tempo de ditadura. Toda a produção cultural, letras, músicas e arte-final do LP passam por censores antes de ir às lojas. Apesar da noite no "Retiro Rodoviário" não ser a única necessária para conseguir a foto da capa do disco, um ano depois dela Todos os Olhos vem ao mundo.
Os censores não atinaram para o que seria aquele fundo róseo com uma gema ao centro. Ainda bem. Tom Zé, o artista tropicalista, sabia que a circunferência no centro da capa era uma bolinha de gude. A repousar sobre uma parte verdadeiramente íntima do corpo humano, aquela mais abaixo do final das costas.
A idéia - de assombrosa afronta à censura - foi do poeta vanguardista Décio Pignatari, grande amigo de Tom Zé. Não eram tempos de brincar com a sorte. E toda a equipe de criação do álbum guardou muito bem o segredo.
Por ironia, logo após Todos os Olhos, Tom Zé caiu emum ostracismo e quase encerrou sua carreira. Em 1990, o americano David Byrne, ao pesquisar world music, descobriu o baiano. Produziu, então, o CD The Best of Tom Zé: Massive Hits e lançou-o nos EUA. Seria o início da retomada artística de Tom Zé, em franca atividade e produção até hoje. No encarte desse CD, torna-se pública a explicação do que está na capa de Todos os Olhos.
A transgressão vira troféu. Tom Zé torna-se cult. E o olho, róseo, pode enfim ser entendido como tal. E é uma das capas mais premiadas da música brasileira. Em 2001, quase 200 personalidades da música elegeram-na, na Folha de S.Paulo, a segunda melhor capa da MPB de todos os tempos, atrás apenas do primeiro disco dos Secos & Molhados, também de 1973.
O sutil e vitorioso acinte à ditadura ganha, naturalmente, a condição de capítulo fundamental na história da Tropicália - citado até em uma reportagem especial do jornal inglês The Guardian, em 2003.
E a história seria essa. Seria. Não fosse a revelação sobre o que, de fato, aconteceu naquela noite no "Retiro Rodoviário". O suficiente para que se afirme: o olho de Todos os Olhos não é o que parece.
O protagonista do "Retiro" era Reinaldo Moraes. Ele trabalhava como assistente de estúdio na agência de publicidade E=mc2, que tinha como sócio Décio Pignatari, já um grande nome da poesia concretista. O chefe encomenda-lhe a foto. E tudo fica por conta do assistente. Inclusive providenciar a modelo.
"Queria muito participar desse jogo de afronta, queria muito executar uma idéia do Décio Pignatari, de quem eu era fã", diz Reinaldo, 33 anos depois, já grisalho e não mais o "boy hippie marxista", como se definia. Hoje, é escritor de inspiração beatnik, autor do desbocado Tanto Faz (Azougue Editorial), entre outros.
Aos 22 anos, e diante de tamanha missão, Reinaldo pensa em Vera (nome fictício), uma namorada bissexta, para modelo. Aproveitando um clima de reconciliação, lança um "sabe o Tom Zé?", para introduzir o assunto.
No exato instante, o próprio Tom Zé, nascido e criado em Irará, sertão da Bahia, agonizava com a simples idéia de que se pedisse uma coisa dessas a uma moça:
-- Fiquei apavorado quando o Pignatari me falou que tinham encontrado a modelo. E ele retrucou: "Como é que você quer traseiro sem modelo?".
Vera, fã dos tropicalistas e de seu ripongo namorado Reinaldo, aceita o convite. E lá se vão, Vera e Reinaldo, de Fusca até o "Retiro Rodoviário".
A sessão de fotos. No quartinho mal-arrumado do motel, Vera, empolgada, deita-se de costas na lateral da cama. No chão, as bolinhas de gude. Reinaldo posiciona os abajures na diagonal, de modo que a luz incida diretamente sobre o alvo. A lente é uma de 50 mm colocada no avesso para fazer a função de macro, e fica a apenas 20 centímetros do corpo da garota, já quase de cabeça para baixo.
Começam os problemas técnicos. A bolinha não pára. Cai, rola costas abaixo. Tentam-se novas posições. E mais outras. Nada da bolinha estacionar. Reinaldo descreve o desconforto:
- Ela ficou constrangida, quis parar, mas eu estava obstinado. Continuamos tentando. Foi bem complicado...
A bizarra cena transformou-se em mal-estar. Quando beirava o insuportável, uma das bolinhas parou quieta. Reinaldo descarregou cliques. Consumiu todos os filmes. Testou velocidades, posições da luz, enfim. Fez-se de tudo, menos sexo. Deixaram para trás um quarto cheio de bolinhas pelo chão, sem coragem de se olhar nos olhos.
No dia seguinte, Reinaldo leva o resultado para a apreciação na agência:
- Foi uma atitude poética. Como foto, algumas ficaram ótimas. Mas, mesmo nas melhores, era evidente do que se tratava.
Décio e Marcão, o diretor de arte da agência, ficam desolados. Décio, então, pede nova tentativa ao assistente. E lá vai Reinaldo falar de novo com Vera sobre Tropicalismo... Desta vez, nada de motel. Vão à casa de uma amiga. E, antes que repetissem a luta contra a obviedade fisiológica, uma nova idéia.
Vera tem a boca grossa. Lábios cheios de carne bem rósea. Vale tentar. Ela topa. Prefere. Senta-se no chão com a cabeça jogada na cama e faz biquinho. Uma bolinha é colocada e dali não sai. Os lábios contraídos formam frisos que em muito se parecem com o que devem parecer. Uma única série de cliques basta para, finalmente, realizar a idéia de Pignatari.
Aquele não era tempo de Photoshops, e a imagem é impressa sem retoques. Uma boca se fazendo passar por seu extremo oposto. Simples assim. Nos créditos do LP (reproduzidos em sua reedição em CD) constam: direção de arte de Marcão, fotografia de Reinaldo Moraes.
Vera não quis ver as fotos. Deixou pra lá. Depois de mais outras idas e vindas, também deixou Reinaldo pra lá. Ele soube que ela mora no interior de São Paulo, é dona de uma pensão e não se casou.
Já o autor da idéia, Décio Pignatari, recusa-se a comentar o fato. Interrompeu um telefonema, que atendeu desprevenido, ao ouvir as palavras Todos os Olhos:
- Olha aqui! Eu já falei muito desse assunto e não tenho mais nada pra dizer sobre isso, viu?
Desligou, solenemente, na cara. Procurado outras oito vezes em uma semana, mandou dizer pela secretária que não fala sobre isso.
Já Tom Zé ouve atenciosamente a verdadeira história da capa de disco mais importante de sua carreira. E cai numa gostosa gargalhada:
- Hahaha! Então me enganaram esse tempo todo! F.d.p., me enganaram! Hahaha! ...E que alívio! A moça não precisa mais ter vergonha. E pode se congratular de ter sido personagem de uma rebeldia.
Ainda sob o choque da notícia, pede a capa à esposa, Neusa. Em silêncio, põe o vinil em frente aos olhos, analisa-o como se fosse a primeira vez, e matuta:
- ...É. Agora que você falou, dá pra viajar. Mas a gente não duvidava não... Pode ser uma boca mesmo, hehehe... Pode ser que seja mesmo, hahaha... E até ontem isso aí era oficialmente outra coisa.

(Texto Arquivo Site "Mopho")


em cima
do tempo
que eu tentei encontrar

me vejo em voce
tão seu, seu bamba.

Cgurgel

segunda-feira, 13 de outubro de 2008


MÍNIMA

nesse tempo de ciclones e abismos
a cerca da náu do ser humano
na mão tão frágil que o mundo se encontra
é tudo tão mínima

desse sangue que se espalha no ventre do vento
como lustre que saliva a gosma que escorre da rua
tudo tão pântano de um fétido universo
é tudo tão mínima

das asas dos pássaros que sobrevoam sua própria morte
truculentos tontos tanques que lapidam bizarros catarros e pús
uma vulva de um vale que pulsa e sofre
é tudo tão mínima

desonra maré do ar insano fruto tão lava qual sombra do nada
tanta cicuta da mistura tão fina do seu próprio esqueleto
como arvoredo do medo entre chácaras e óvulos tão mortos
é tudo tão mínima

e do irreversível precipício que ri e chora de si mesmo
nessa romaria de fé descalça e de tão fartos obituários
mosteiros de portos tão decrépitos de lâminas e máscaras
assim eu sigo: como tudo de vida tão ínfima e mínima prece.

Cgurgel

quarta-feira, 8 de outubro de 2008


ABRIGO

assim
reencontro
quando por ti
venero

pois
que entre nós
é tudo tanto

pois
que do teu olhar
forma despudorada
meu canto.

Cgurgel

terça-feira, 7 de outubro de 2008


IGNOMÍNIA

quando o dólar desce
aos borbotões
os guetos fedem

e
aos céus
toda a terra treme

aos crápulas
dos museus sepultos
o junco de uma folha podre

e ao dêmo
o astuto caminho
do seus ascos.

Cgurgel

quarta-feira, 1 de outubro de 2008



FÚRIA

inverossímeis são todos os espantos
dessa guerra podre e carcomida

que invade corações
e sangra seu sangue
na porta do amor ferido

inverossímeis são todos os recantos
dessa terra pobre e esquecida

que recolhe seus prantos
e distribui por entre seus mangues
o horto do seu andor perdido

inverossímeis são todos os encantos
como tantos, milhares, milhões de debilóides cantos
que acolhe seus táteis e infortunados santos

inverossímil
é o que ainda está por vir
nesse porvir qual raça da desgraça humana

em cima do monte
onde tudo há de partir.

Cgurgel

segunda-feira, 29 de setembro de 2008

17 RAMIRO MUSOTTO TEZCATLIPOCA DVD SUDAKA ao VIVO



PEDRA

aquela pedrinha que me destes
catada do fundo do mar
eu a guardo

como se ela fosse uma sombra
que mesmo sem saber quem eu sou
me resguarda de vendavais

aquela pedrinha
agora percebo
ela brilha
igual a uma trilha
onde busco encontrar
meu próprio ser

aquela pedrinha
já não mais se oculta
ela está tão impregnada de mim
que quando eu vou dormir
sonho pensando que sou ela.

Cgurgel

sexta-feira, 26 de setembro de 2008


CURVA DO VENTO

quando eu sorrio pelos meus lábios e lentes
é porque eles expulsam o horror que da terra treme
como um buxixo, um soluço, um espasmo
que a lua tão insana e bandida enrosca

e por entre o cume de um salto no escuro
como habitante onde o sol arde e mata
o arvoredo que urra e varre seus anéis
enternece uma louca e cataclisma sacra semente

e o farejo que dos pés de quem procura, arde
é como o canto e fenda do céu de quem partiu entre dentes
gruta, suma, como uma gangorra que surta e parte
mesmo como o vulto que da sombra da noite, estepe

e o sussurro das pedras que adormecem e sonham
não perdoa o silêncio de uma ave que voa
e sobre as estrelas que as árvores dos bosques disputam
crescem raízes que a própria briza de uma horda expulsa

e assim é como se despedir de arbustos, janelas e luas
e que faz a curva do vento se lembrar de abraços e desculpas
uma longa, delinquente e tão fútil atmosfera
semelhante a uma bomba que estoura os tesouros de quem nunca caiu.

Cgurgel

quarta-feira, 24 de setembro de 2008



MORENO+2, DOMENICO+2, KASSIN+2
Moreno e Domenico participaram de um grupo de músicos bastante influente no cenário independente do Rio de Janeiro, idos dos anos 90, juntamente com Maurício Pacheco (ex-vocalista do Mulheres Q Dizem Sim e atualmente no projeto de Marcelo Yuka, o FURTO), Pedro Sá (ex-guitarrista do Mulheres Q Dizem Sim e atualmente na Orquestra Imperial e na banda de Caetano Veloso) e Kassin (então guitarrista do Acabou La Tequila). Em todos os trabalhos do projetos há referências sobre esse grupo de pessoas que, até hoje, circundam o projeto, como por exemplo a regravação de Eu Sou Melhor Que Você, do repertório do "Mulheres Q Dizem Sim" ou a canção O Sal do Pedro Sá, presente no CD Futurismo.
Moreno, filho de Caetano Veloso, conheceu Domenico, filho do compositor Ivor Lancelotti no colégio, do mesmo modo como conheceu Pedro Sá. Por meio de Pedro, Kassin pôde conhecer Moreno e Domenico. Domenico atuou como baterista no "Mulheres Q Dizem Sim" e em respeitados grupos de música brasileira, como o Quarteto em Cy e o Jobim-Morelembaum, banda que acompanhou a última turnê de Tom Jobim. Kassin, com o fim do "Acabou La Tequila", passou a atuar como produtor, destacando-se no cenário independente.
X+2
O trio, após o lançamento do primeiro disco, "Máquina de Escrever Música", e ter se apresentado no extinto Free Jazz, passou a ser considerado uma novidade na cena musical brasileira. Porém, o trio não foi facilmente digerido e sua atuação nacional restringiu-se ao Rio de Janeiro. Entretanto, o trio passou a adquirir grande prestígio fora do país, como na Argentina e no Japão.
Moreno, Kassin e Domenico passaram a atuar freqüentemente em álbuns da música brasileira, como O Som do Sim, de Herbert Vianna, e Cantada, de Adriana Calcanhotto. Desse modo e, respeitados pelo histórico pessoal dos integrantes, o trio perpetuou uma grande admiração dos músicos nacionais.
O último projeto do trio, além do lançamento de Futurismo, foi o encontro com a cantora e compositora Adriana Calcanhotto, onde usam entre os mesmos o nome de '+3' ou '+ela', apesar das apresentações constarem como 'Adriana Calcanhotto, Moreno Veloso, Domenico e Kassin' e também na Orquestra Imperial.
MORENO +2
Em 2001, o primeiro CD lançado foi "Máquina de Escrever Música", com Moreno Veloso liderando o projeto, o qual tinha como foco dramático a voz e o violão de Moreno. O disco fora lançado pelo selo "Luaka Bop", de David Byrne. Os recurso musicais apresentados, muitas vezes inusitados, surpreendem com tubos não convencionais ou video-games portáteis. Composições de Moreno e algumas regravações como Eu sou melhor que você, de Maurício Pacheco, e I'm Wishing, do filme A Branca de Neve e Os Sete Anões, encontram-se misturadas com timbres de pás de ferro, pela percussão eletrônica e pelo imponderável “theremin”, o "avô" de todos os sintetizadores da atualidade. O projeto ainda se apresentou no extinto Free Jazz (atual Tim Festival), chegando a receber uma vaia - inicial - de um público que não estava acostumado com a estética do projeto. O disco foi incluído no livro 1001 discos para ouvir antes de morrer, do co-fundador da revista americana Rolling Stones.
DOMENICO +2
Em 2003, o projeto teve Domenico a frente. Com "Sincerely Hot", permanece o resgate de elementos da MPB, porém o experimentalismo e a mistura com a música eletrônica aparecem mais pertinentemente. As letras de Domenico destacam-se pelo compromisso com a ironia. Kassin, terceiro elemento do grupo, foi o responsável pela produção de Sincerely Hot, dividida em alguns momentos com artistas como Lenine, Marisa Monte, Bebel Gilberto, Arto Lindsay, Caetano Veloso e Jorge Mautner. Assim como "Máquina de Escrever Música", o segundo trabalho do trio fora lançado no Japão e na Europa, locais onde se apresentaram em inúmeros festivais.
KASSIN +2
Em 2006, com Kassin à frente, sai o terceiro disco do trio (lançado primeiramente no Japão)Futurismo. O trabalho foi o que mais chamou a atenção midiática para o projeto, uma vez que Kassin, como produtor, estava, à época, envolvido com vários projetos musicais, criando assim uma referência para os meios de comunicação. Futurismo chegou ao Brasil no final do mesmo ano pelo selo de Kassin, o "Ping Pong Discos". Com seis faixas a menos do que a versão japonesa e nove a menos do que a versão inglea, "Futurismo" conta com participações especiais, como João Donato, Jorge Mautner, Adriana Calcanhoto, Los Hermanos, Berna Ceppas entre outros.
( WIKIPÉDIA )

terça-feira, 23 de setembro de 2008

RITA PAVONE - "DATEMI UN MARTELLO " - 64'

segunda-feira, 22 de setembro de 2008



CICATRIZ


por onde fores
carregarás ao redor
tua maleta


onde estiveres
serás alvo da cobiça humana
como alce
que destampa e colhe grama

e
ao parares
não te reconhecerás mais.

Cgurgel

domingo, 21 de setembro de 2008


PRESSÁGIO


nuvens
são como nuvens
elas carregam chuva
e tem pensamentos sombrios

nuvens
são como chuva
elas estão no topo do universo
e nos presenteiam com sombras

nuvens
são tão imprevisíveis
assim como a chuva
que vem
e nos molham todos.

Cgurgel

sexta-feira, 19 de setembro de 2008


FUGA

a noite não pensa em ninguém
simplesmente colhe o orvalho dos seus traços
e a rua tão solitária
recolhe os passos por quem nela basta

os vagabundos
só eles
compreendem
o espelho que a noite espalha

é tudo tão pouco
assim
como um felino que por ela trafega
com seus olhos que brilham
iluminando o punhal de um assassino

e a noite
assim tão bela
adormece
e observa
o louco de um ladrão e os seus pertences da alma.

Cgurgel


ENTRE O VAZIO E A NOITE


o vazio
que a alma apresenta
sai em busca de água e descanso

entre os seus desejos
o líquido olhar do rítmo da chuva
que lentamente faz a noite girar

e os equilibristas trôpegos de tanto dançar
já não fazem questão de mais nada

simplesmente
sentam na calçada
e observam a série de medos e desejos
que passam ao seu redor

o vazio
agora
ri de si mesmo
como não acreditando no que vê

e a noite
tão deliciosamente pagã
dorme e sonha com seus anjos.

Cgurgel


QUEBRANTO


eu passo e não silencio
como uma flor que rompe o chão

nem que o corvo anuncie
que tudo é tão fugaz e paixão

também
parece que daqui da minha janela
o que sobra
é o mundo que adormece por entre os seus girassóis.

Cgurgel

quarta-feira, 17 de setembro de 2008



LÚMPEN

somente o íngreme susto com seus girassóis
haverá de nos redimir de feitiços e insônias
pois o corvo que da árvore habita
se alimenta dos seus sonhos e inúmeros sargaços

e aquela nuvem que agora para voce cresce
é mesmo uma coberta de lãs e venerações
como um périplo que se planta tardiamente no seu coração
entre árvores e olhares, como pasto, como membro fiel do seu nevoeiro


e mesmo que passe esse surto como quem assim deseja
uma enorme e inexplicável chuva a tudo inunda
e por baixo dos seus olhos uma face vê tudo e se cala
tão convulsivamente vã de suas lágrimas e cítricas línguas


e comovente, o fogo onde a guerra arde
cobre de ferro e amianto as ondas que do mar expande
como um cais que dorme e acorda vigiando todas as partes do seu paraíso
e do seu território expulsa como seu respiro, a vida e os seus infinitos
quarteirões

e eis que da mata virgem surge
como quem dela sobrevive e é capataz
o dono, proclamador das suas crias, tal qual sangue, saga
tão louco e tão insano verme, obtuário de si próprio e dos seus vendavais.

Cgurgel

LÚMPEN

somente o íngreme susto com seus girassóis
haverá de nos redimir de feitiços e insônias
pois o corvo que da árvore habita
se alimenta dos seus sonhos e inúmeros sargaços

e aquela nuvem que agora para voce cresce
é mesmo uma coberta de lãs e venerações
como um périplo que se planta tardiamente no seu coração
entre árvores e olhares, como pasto, como membro fiel do seu nevoeiro

e mesmo que passe esse surto como quem assim deseja
uma enorme e inexplicável chuva a tudo inunda
e por baixo dos seus olhos uma face vê tudo e se cala
tão convulsivamente vã de suas lágrimas e cítricas línguas

e comovente, o fogo onde a guerra arde
cobre de ferro e amianto as ondas que do mar expande
como um cais que dorme e acorda vigiando todas as partes do seu paraíso
e do seu território expulsa como seu respiro, a vida e os seus infinitos
quarteirões


e eis que da mata virgem surge
como quem dela sobrevive e é capataz
o dono, proclamador das suas crias, tal qual sangue, saga
tão louco e tão insano verme, obtuário de si próprio e dos seus vendavais.

Cgurgel

domingo, 14 de setembro de 2008


JOSÉ ROBERTO AGUILLAR: O DIVINO ARTISTA BRASILEIRO
por Jacob Klintowitz

O ar estava impregnado de palavras não ditas, pensamentos inconclusos, gestos contidos. Também a poeira suspensa que a luz filtrada nos vidros sujos da janela revelava era uma presença sonhadora e opressiva. Olhávamos um para o outro e tudo parecia nos separar. Eu estava com um terno beije escuro, o paletó de seis botões trespassado, camisa branca, gravata italiana de seda em tons de marrom e verdes e o José Roberto Aguilar vestia uma calça de jeans desbotada pelos anos, uma camiseta branca amarelada pelo depósito incomensurável de salpicos de pigmentos, de terra e, tudo levava a crer, alguma contribuição expressiva de mofo. A pele do meu rosto estava lisa da barba recém-feita, um pouco emaciada de inquietas noites mal-dormidas. Em Aguilar o rosto era um mapa de incógnito território, habitado aqui e ali por caprichosos tufos de barba que cresciam onde melhor lhes aprouvessem. Ele estava sentado à uma escrivaninha de tampo arranhado, de longínqua memória castanha, e eu, de pé, indeciso e pouco confiante numa cadeira que lembrava o espólio de uma arruinada família de arrabalde. Tudo parecia nos separar, mas nós nos olhávamos com manifesto interesse. E o José Roberto Aguilar, com aquele fluxo de espontaneidade que o torna divertido, irritante e escorregadio, as frases carregadas de erres, como se tivesse sido transplantado da Alemanha, explodiu: Jacob, você é um clássico!
Acho que este encontro foi em 1999, na Casa das Rosas, São Paulo, centro cultural estadual onde, incrivelmente, Aguilar era o diretor. Mas o ano não parece fazer muita diferença quando tratamos de José Roberto Aguilar, pois ele tem o curioso dom de transmitir a sensação de que o tempo não existe. Bom, em nome da verdade, o Aguilar nunca afirmou isto. Mas precisava?
Contudo, no oceano infinito de enigmas afirmativos que emana de José Roberto Aguilar, há mais este: ele se tornou o representante do Ministério da Cultura no Estado de São Paulo. E isto, não sei por que, mas talvez vocês saibam, evocou na minha mente o seu livro de 1981, “A Divina Comédia Brasileira”.
A capa da “Divina...” é uma chave mágica que abre o entendimento do assunto. Eu creio nisso. É uma fé arraigada que tenho. O fundo da imagem é uma pintura de Aguilar, com um número infinito de cores, texturas e tintas escorridas diretamente da bisnaga ou de uma lata com furos. A tela não tem alto e baixo, lado certo, sentido geométrico ordenador: o suporte inteiro é percorrido por traços, riscos, pingos, massas de pigmentos e obscuras frases cursivas. Lembra até a exaustão a pintura do americano Jackson Pollock (1912-1956), o primeiro a utilizar a lata cheia de tinta com furos e o despejo aleatório de pigmentos numa técnica que ficou conhecida como dripping. Pollock passeava sobre a tela carregando as latas furadas e as tintas caiam sobre a tela. O método furioso de Pollock ao pintar recebeu o nome de action painting. No plano da frente da capa da “Divina...”, os letreiros, a lettera, estão em preto sobre recortes brancos. Estes recortes parecem suportes oriundos de rasgos na tela. A cada rasgão um pedaço de branco. Alguma coisa de apresentação cinematográfica. E, comandando o espetáculo, o próprio José Roberto Aguilar de terno e colete branco, os braços levantados com se discursasse ou cantasse, a boca aberta. E as suas destacadas mãos estão envoltas por uma massa informe negra, alguma coisa preta. No início, pensei que fossem luvas de boxe, mas a lente de aumento revelou que são sapatos. Aí está uma imagem que não passa desapercebida: a roupa branca na antiga tradição do Brasil tropical, a pintura pollockiana apropriada antropofágicamente, a boca enorme e aberta, discursiva, anuncia o evento, canta ou grita. E as mãos calçadas com sapatos. Surreal? Dadaísmo? Ou, mais apropriado ainda, uma barroca esfera glauberiana gigante e girante a nos dizer alguma verdade sobre o ser nacional. Observem como certos mistérios aguilarianos nos levam a responder com delírios.
Deve ser destacado que a imagem de José Roberto Aguilar não só preside a capa da “Divina Comédia Brasileira”, como o José Roberto Aguilar é o próprio roteiro do livro. Nada no seu livro, e nos livros subseqüentes, se passa longe da sua fotografia, do seu gesto, dos seus pensamentos, dos seus desejos, das suas memórias, das suas sensações. E, nem neste livro, nem nos outros que lhe sucederam, ou nas suas pinturas, ou nas suas performances, alguma coisa fica minimamente distante da sua imagem, do seu retrato, das suas emoções. Não há distanciamento reflexivo, mas um emergir infinito. Nunca encontrei nesta minha já longa existência um narcisista mais glorioso do que José Roberto Aguilar.
Neste fluxo contínuo, neste fluir permanente de si mesmo, Aguilar tornou-se pintor famoso, eventual escritor de estilo espontâneo, oceânico e inventivo (espontâneo ? sabe-se-lá o que isto realmente quer dizer), e band leader de um grupo chamado “Banda performática” que costuma produzir sons assustadores.
É possível que o brilhante intelectual Haroldo de Campos, em 1994, tenha percebido quase tudo quando escreveu: “O Aguilar escritor é uma projeção feliz do Aguilar-pintor-escultor-performista. Tem achados que são peculiares à sua verve multimidiática. Tem giros oníricos que brotam, fascinantes, de seu imaginário. Sabe colher o imprevisto e a inovação”. Como era seu hábito, Haroldo de Campos entendeu e sintetizou o cosmo, mas temos que concordar que, também no seu caso, a resposta tem qualquer coisa dos ouros e dos círculos enovelados do barroco.
De uma maneira ou outra, impulsionado por esta lava incandescente que presumimos existir e se expandir, ou fertilizado pela chuva de ouro de Zeus, o fato verificável é que existem poemas e epígrafes de Aguilar que seria uma pena perder. É um bom exemplo este poema surpreendente sobre Jack, o estripador, no qual recolhe o mito moderno, a memória do horror de um matador de mulheres humildes, acrescido da inabalável convicção sobre a fácil e universal luz interior, tão comum na década de 60. Ele merece ser lido. É um poema publicado no livro “Tantra coisa”, editado em 1999.

“Jack, the Ripper

Iluminou-se.

Dentro da mulher

Rasgada

Só tinha

Luz.”
Ou este outro, mistura do poema-piada modernista com a remota lembrança do ritmo do Haiku, do seu melhor período (a partir de 1271), em que o pintor-poeta delicadamente sugere encontros, seduções, entregas. A associação do som do emissor mecânico (telégrafo, lápis, martelo, êmbolo) com a pulsação cardíaca, enriquecida pela idéia do corpo-emissor-receptor, paisagem onde tudo se passará, torna este poema exemplar. É quase um clássico, eu poderia devolver ao pintor-poeta, se a nossa época produzisse clássicos.
“Corpos em código Morse

tique taqueiam

convites”
Para facilitar ao leitor e poupá-lo de correr para a estante, coloco logo, ao menos, dois haikus. Lembro de Arakida Moritake (1472-1549):
“Eu penso: as flores caídas

retornaram aos seus ramos.

Mas não! São mariposas.”
E de Bashõ (1644-1694), o mestre mais conhecido no ocidente:

“Belo ainda na manhã,

O velho cavalo,

Sobre a neve.”
Eu também concordo, não é idêntico, não é exatamente igual, mas a comparação de um artista pop, como é Aguilar, com os mestres chineses e japoneses é irresistível. A extraordinária gravura japonesa, que tanto influenciou na invenção do impressionismo, tratava do cotidiano, da vida das pessoas comuns, das pontes e das paisagens. A crônica do homem no planeta. Desde o cubismo a arte utiliza os objetos cotidianos como assunto e, com a pop art, chegamos numa espécie de entronização da banalidade. Não se pode esquecer que estamos tratando de manifestações estéticas diferentes, mas há em comum este interesse pela simples existência. No caso destes poetas que buscavam a essência do sentimento, a sua vida de andarilhos, de homens na estrada, eles antecedem a atitude da geração beat, a liberdade na estrada, em rota, sem apegos à propriedade.
O que encantou o ocidente na descoberta do haiku é o vislumbrar a poesia em estado puro, despido da descrição e narração intelectual. A poesia como um ato de percepção imediata. Na gravura japonesa, que esteve na raiz da revolução estética ocidental, o aprendizado se passou da mesma maneira, na verificação da visualidade em si mesmo, no ser que é, na ausência da estrutura intelectual. O que interessa nesta associação de Aguilar com mestres de tal porte (já quase me arrependo de ter iniciado esta análise) não é a comparação da qualidade poética ou das imagens, o que seria injusto com Aguilar, exigir tanto dele, mas perceber que o artista também procura a revelação do momento, o inesperado, o fluxo de energia. O que explica muito do processo de sua pintura.
O jornalista Edwaldo Pacote, uma espécie de mestre da simplificação, com a sua qualidade e faro do repórter que circunscreve o factual, disse que “...Aguilar pinta o caos de uma maneira organizadamente desorganizada.” E mais não disse e nem lhe foi perguntado. A crítica de arte Sheila Leirner, em 1981, também estava a procura do entendimento do peculiar método:“A linguagem de Aguilar, no entanto, pelo fortíssimo sentimento de identidade individual, talvez, não se prenda ao conceito. Vulcânica, dionisíaca, crítica, opulenta como na pintura, rompe as amarras do discurso e oferece um jorro delirante de imagens. Na sua convicção anárquica e surrealista, ele é o herdeiro do dadaísmo, o artista sempre criança da “revolução sem revolução”.
Para Aguilar é tudo muito natural, como se pode perceber na sua aventura em “Hércules Pastiche”:
“Me aproximo do bar e pergunto ao garçom:

Quem é aquele homem ?

Ah, responde, ele é

A ORELHA DE VAN GOGH.”
O método Aguilar de criar arte? Evidente, é o sistema Orelha de Van Gogh.
O extraordinário físico brasileiro Mário Schemberg, ativo crítico de arte, colocou José Roberto Aguilar no realismo mágico. E como o realismo mágico contém este elemento de irracionalismo latino-americano como critério de verdade em oposição ao cartesianismo europeu, há nexo no conceito do professor. O instinto redentor em oposição ao planejamento salvador. Não vai muito bem o nosso mundo, não é ?
Eu tenho a intuição de que Mautner é a imagem de Aguilar no espelho. Erudito e visceral, o visível paradoxo de Jorge Mautner o transformou no “gauche” mais famoso do país. É justo que, nesta maré de depoimentos, esteja o dele, feito neste ano de 2005, a respeito do nosso pintor, mesmo que desconfiemos que seja autobiográfico:
“A pintura de Aguilar é um permanente desvelamento de segredos e mistérios que ao serem decifrados criam imediatamente mais enigmas, mistérios, vertigens, iluminações. Em todos os momentos Aguilar borda estrelas do Cruzeiro do Sul em suas telas, sejam ocultas ou manifestas. Percorre a sua obra a mesma vibração da música, da música da alma e das estrelas, a pulsão e a pulsação de todas as dissonâncias transformadas em serena calmaria de amor e paz cheias de vertigem de belezas rodopiantes”.
Fiquemos, para terminar, com as manifestações verbais do pintor. A primeira, engraçadíssima, uma nova versão do tradicional tema do “pintor e sua modelo”, que já nos extasiou em tantos pintores, entre eles o mago Pablo Ruiz Picasso.
“Fora com os intermediários.

O pintor foi chutado

Para escanteio.

O affaire entre a modelo e as tintas

Foi total.”
O segundo poema é uma manifestação sensual de José Roberto Aguilar. Nele o poeta é elegante ao descrever o rio leitoso sobre o corpo feminino nos deixando entrever a chama que terá incendiado aquele cenário e é comovente aos nos apresentar Caronte, o barqueiro das almas, perdido de sua missão de condutor. Eros é maior do que a morte.
“Um rio leitoso

passa

pelo corpo

da moça

enquanto

Caronte

tarado

rema

esquecido

das margens.

VELAME

penso
que o melhor é pensar
pensar nas algarobas que aos poucos fui deixando pelas avenidas
da infância tão próxima de rodas-gigantes e precipícios

penso
eu penso que o melhor é pensar
como habitante ilustre de uma ilha, que sedimentou em mim, a vontade de
colecionar sonhos e retalhos da minha alma impregnada de silêncios e turbilhões

penso
que eu penso que o melhor é pensar
naquele velocípede que me levava em ladeiras e sombras de oitizeiros, como
quem preza pela boa amizade e louva o escuro da noite tal qual sala de estar

penso
que o melhor é pensar e pensar
que me imagino assim, como um viajante que toda vez que abre a sua mala
se recolhe de búzios e cancelas, como uma lança pontiaguda que dilacera
o meu sorriso ingênuo de tanto chorar

eu penso
que o melhor mesmo é pensar no pensar
como homem que vagueia por entre arbustos e florestas, como lupa, que
separa a noite do dia, e não se cansa de acreditar na inviolabilidade
dos seus fantasmas e fantoches do seu próprio serzir.


Cgurgel

sábado, 13 de setembro de 2008



PARÁFRASE

escreves

e uivo
pulsa
incontido

em blocos
palavras
ruínas
como lixo dentro da lixeira

rascunho
estalo
qual o quê
mesmo assim
uma fileira
um fila que dobra o quarteirão

o que eu vejo
escrevo.

Cgurgel


DESAPEGO

eu sei o que pode te fazer bem
eu faço tudo que voce me pedir
eu simplesmente sinto que nós seremos felizes
eu jogo bola na hora que voce vai as compras
eu serei fiel mais do que qualquer outro
eu juro que nada do que voce me disse é verdade
eu cortarei o cabelo do jeito que voce gosta
eu sei que por mais que voce fale, eu saberei te entender
eu nunca vou fazer nada que voce não goste
eu sou feliz porque eu sei que voce me entende
eu subirei na escada para apanhar a lua e te dar
eu te sigo até a esquina
eu sei o que pode lhe fazer bem
eu todo dia rezo para voce ser mais bela
eu digo para voce que eu estou bem, mas eu estou uma merda
eu espero voce como quem sabe o que faz
eu juro que amanhã vai ser diferente.

Cgurgel