sexta-feira, 4 de janeiro de 2008


ELEFANTE SEM MEMÓRIA


Quando eu nasci veio um anjo danado e disse: Vai com seu pai fazer a feira todo final de semana no mercado da Cidade Alta.
Parecia um mercado persa, por fora e por dentro. Foi lá que tive minhas primeiras impressões musicais. Explico: na volta, papai sempre pegava corrida com um motorista de apelido "Catana", onde invariavelmente, durante o trajeto do mercado para casa, ficava dando grunhidos que eu curtia assustadoramente. Em frente ao Mercado existia a Cantina "Lettieri", onde se vendia "Mandiopã", lembra-se? Foi da Redinha que vislumbrei o incêndio do Mercado.
Durante a infância pintou uma velha muito louca vendendo carimã acompanhada de um cortejo cachorral. Dizem que foi o cachimbo dela que incendiou o morro do Tirol, ali pelas imediações da Escola Doméstica. Aos domingos assistíamos sessão matinal no "Rio Grande": eu, papai e Luís Carlos Guimarães. Em frente ao "Rex" um imenso troca-troca de gibis e todo santo dia lá ia eu com vóvó assistir a missa na "Santa Terezinha". Cresci com a neura de ser padre.
Esse morros do Tirol eu conheço todos. Quando era pequeno, caçava preá, veado e coelho com o Imes, amigo meu da "Conselheiro de Brito e Guerra".
Uma coisa que sempre me lembrarei: as quermesses realizadas na atual "Cidade da Criança" (antiga Lagoa "Manoel Felipe"), usando um termo do amigo Litz Madruga: era supimpa! Lembro-me dos saraus que meus pais realizavam todo final de ano na casa da "Ezequias Pegado" onde compareciam Luís Carlos Guimarães, Sanderson Negreiros, Berillo Wanderley, Newton Navarro, Celso da Silveira, Mirian Coelly, Dailor Varella, Walter Berbe e outros artistas da cidade.
Participei da queima de livros na praça Kennedy patrocinada pelos poetas-processos da cidade. Participei das primeiras reuniões do Cine Clube Tirol,. Participei do "Disclub", um clube do disco fundado por Pataruga, Cacá, Zizinho, Edson e Edinauro, todo sábado à noite no "Atlântico". Lembro-me do "Música & Dialógo", programa da "Rural", capitaneado por Rejane Cardoso, onde levava prá rodar os discos joplinianos, hendrixininos e outros mais. Naquela época eu tinha a maior discoteca de rock da cidade.
Todas essas lembranças fazem parte das reminiscências de um tempo que insiste, quando nos aproximamos dos episódios de uma província que abriga nuvens e sombras. Telúricas luas como protegendo as caminhadas ao redor dos nossos próprios sonhos.
E que refaz, com os olhares que oferecemos ao poemas, a nascente de uma outra manhã. Trampolim de revelações e promessas. E da cidade, que ainda nos quer próximos de histórias e raízes. Como deve ser para quem sempre iluminou os seus quintais.

Cgurgel

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