domingo, 23 de março de 2008




MOBILIÁRIO

gosto da palavra que desencadeia.
gosto de quem se lembra dos mínimos detalhes.
gosto de uma fuzarca.
gosto do ponto que parte.
gosto de animais e árvores.
gosto de uma lembrança silenciosa.
gosto de sermões e limonadas.
gosto do fruto de uma saliva.
gosto de ontens e do que ficou pela metade.
gosto de alfarrábios e eletrochoques.
gosto de escadas e tótens.
gosto de rabiscar e me procurar.
gosto de passear por entre sítios e espinhos.
gosto de me esquecer.
gosto do fogo que me inspira tropeços e segredos.
gosto de uma fábula.
gosto de uma imundície de promessas.
gosto de sorrir para uma pobre vergonha.
gosto de sumir por entre portas e chácaras.
gosto de tudo que me faz decifrador de prenúncios e pronúncias.
gosto de atalhos e alambiques.
gosto de empáfias e empadas.
gosto daquela chuva que molha meus pés e sumo.
gosto de tudo que grita.
gosto de qualquer coisa que imita.
gosto de marchas e passos.
gosto de sinos e sax.
gosto de uma frenética diáspora.
gosto de tudo que me esconde.
gosto de chá.
gosto de tudo que esgana.
gosto da gota serena.
gosto de avenidas e o ruído de fábricas e padarias.
gosto de um riacho que leva os restos de tudo que se perdeu.
gosto de almofadas e mandiopãs.
gosto do ciclo da rua.
gosto do cúmulo do óbvio.
gosto do ofício das bestas.
eu odeio.

Cgurgel

6 comentários:

Moacy Cirne disse...

Gosto de poemas como o seu: poemas que dizem de sua poeticidade através de palavras aparentemente comuns. Um abraço.

ON THE É (nada do que não era antes, quando não somos mutantes) disse...

Obrigado, Moacy, pelo seu elogio. É de pessoas, assim, como voce, com tanto chão e estrelas, que precisamos cuidar. Nessa contemporaneidade que voa e rebrilha como um pássaro ferido.
abs
Cgurgel

Lola disse...

"Gosto do cheiro de terra molhada... Que vem de longe... Antes da chuva chegar..."

Não odeio nada...
Lola

ON THE É (nada do que não era antes, quando não somos mutantes) disse...

Lola,
Fiquemos assim: somos distintos e irmãos.
bjj
do
Cgurgel

midc disse...

gosto de gostar de coisas como poemas de cgurgel

ON THE É (nada do que não era antes, quando não somos mutantes) disse...

Mário,
se eu soubesse que voce viria, teria preparado um angu. daqueles rarefeitos. que só os desesperados de alma, degustam e contemplam. voce não imagina o meu prazer, de saber de voce por entre essas minhas entrelinhas raquíticas e vagabundas.
de pé, a palavra dada, e o poema que caminha por entre a voz e o dom da noite que não dorme.
abração
Cgurgel