quarta-feira, 5 de março de 2008





O SONHO DE UM TEATRO VIVENTE: O LIVING THEATRE
por
Rossella Barrucc



1. O DEBATE ARTÍSTICO-CULTURAL

Neste clima de agitações sociais e tensões políticas, também o debate cultural faz-se áspero e contestador: "Vêm agredidas as instituições teatrais de recente formação. À "cena" pede-se, agora, que levante a cabeça para além da sua angústia estética e recomece a acreditar na própria função social, oferecendo-se novamente qual agente de transformação da realidade." Para fazê-lo, porém, o teatro deve sair do teatro, deve rebelar-se à institucionalização das formas de molde aristotélico, confiar um maior espaço ao corpo humano e fazer com que este último assuma uma prioridade executora sobre a palavra. A palavra é somente uma das componentes do espaço linguístico (aquela menos autêntica), que se pode representar como uma corrente horizontal de uma só dimensão. O corpo, ao contrário, é pluridimensional, tem uma extensão infinita, onde não há interrupções, não há soluções de continuidade. O corpo assumiu a qualidade específica de "agente" teatral, age fisicamente, narra si mesmo e propõe a própria transcendência, com ascensões verbais e sonoras todas próprias. Aqui nasce a necessidade física de uma nova relação entre o espaço teatral tradicional (histórico) e a sociedade, entre ator e espectador, entre ator, música e objetos cênicos, entre ator e ator, etc. A história do teatro nas últimas décadas, a partir dos anos 60, tem sido uma contínua tentativa de operar este salto de qualidade, de deixar um espaço óbvio, inautêntico, para alcançar um espaço sem fronteiras: exemplos são o happening, o teatro da crueldade, o do absurdo, o street theatre, etc..

Todas manifestações, estas últimas, que nascem e se desenvolvem nos Estados Unidos, mas que trazem consigo uma tradição e uma influência absolutamente européias.

2. O TEATRO RADICAL NORTE-AMERICANO

Será, efetivamente, o teatro radical norte-americano quem marcará "o registro" mundial de uma inteira década, não somente por suas próprias produções, mas porque funcionará como compêndio de todos os movimentos anteriores, alguns dos quais irrealizáveis, que darão uma visão pessoal e, por sua vez, porém, influente.

A linha política de Brecht e de Piscator encontrar-se-ão presentes no ativismo teatral, principalmente porque ambos os "diretores" habitavam nos Estados Unidos: Piscator, a partir de 1939 e Brecht, como exilado forçado. A influência de ambos é plenamente reconhecida pelos diretores dos grupos mais significativos e influentes.

Grotowski, inserido nos Estados Unidos na categoria de "guru", de quem tentam assimilar cultura e método, ataca duramente o teatro radical durante o Seminário de Holstebro, no verão de 1969: "Os Norte-americanos não seguem jamais as próprias técnicas, e quando o fazem nem mesmo o podem manter puro.

Aferram-se a qualquer suporte cultural, aprovando tudo, desde o yoga à sensibilização de grupo às drogas. Buscam a segurança no grupo porque não a têm dentro de si mesmos. Misturam a arte e a sociabilidade, os problemas pessoais com os profissionais e, como resultado, o trabalho artístico corrompe-se. Tudo isto faz parte do infantilismo norte-americano."

Com razão ou sem ela, o diretor polonês despreza a profunda influência que o teatro norte-americano exerceu no mundo inteiro. Se, com este, viajavam suas contradições, é também exato estender suas certezas, principalmente aquelas que se referem àquele compromisso artístico inserido como modelo de vida. O teatro radical, "uma fábrica de ação", provavelmente não refletirá a realidade, mas tentará substituí-la, não comentará a vida, mas participará dela.

Todas estas atitudes, como já mencionado, cristalizar-se-ão em ações teatrais que exigirão uma terminologia que as defina, quais o teatro de rua, por exemplo, e o happening, síntese, esta última, de todas as artes.

3. O HAPPENING

Em direção ao happening refluem os lemas de quase todas as linguagens artísticas. O fato é que estes, inseridos em um novo contexto, terminam por dar vida a um sistema isolado.

O protótipo deste novo modelo é constituído pelo espetáculo preparado no Black Mountain College, no North Caroline, em 1952 (indeterminate event), cujo dado saliente parece ser a justaposição de objetos heterogêneos (dança somada ao cinema, somado à literatura, somada à música). A representação é um ajuntamento de sinais: luminosos, acústicos, olfativos. Ou melhor: um parque de diversões repleto de luzes coloridas, colagens, todas ao redor, prolongadas sequências de diapositivos, atores imóveis ou que se movem com passos e gestos codificados (mesmo atuando, com frequência, em ações insignificantes) e fragmentos de frases, palavras que se dissolvem em sons, rumores, silêncios irritantes, e depois exalações de toda espécie.

Fornecer uma definição cabal do happening não é fácil, talvez resulte mais manejável e mais claro ir ao encalço de seus habituais elementos constitutivos: a vasta área tipológica, antes de tudo, fruto de um complexo jogo combinatório onde a obra de arte aparece como adição de uma série de seções destacadas umas das outras ("compartimentos"), que podem também funcionar simultaneamente; em seguida a indeterminação: o que está a dizer que o happening faz-se perspectiva de um acontecimento fortuito, mas somente dentro de certos limites; por fim a busca de uma nova modulação espacial que tem o objetivo de envolver o público na performance.

Em prática, é como se o observador-expectador fosse absorvido pela representação; em alguns casos pode mesmo ser utilizado como material artístico; no máximo, compartilha com o autor e com os intérpretes a experiência da criação estética, no sentido que a ele cabe integrá-la e, em certo modo, concluí-la.

Inútil, por outro lado, tentar decifrar a "mensagem", já que a linguagem dos happeners é ambígua e fugitiva, alógica, e não satisfaz alguma função de tipo informativo.

As diversas atividades não se inserem num contexto narrativo e nem mesmo existe um nexo lógico entre as várias repartições. Seria mais apropriado, então, referir-se ao happening como a um teatro dos sentidos que menospreza o valor semântico da palavra, baseando seu impacto principalmente em fatores visuais e sonoros, em uma espécie de delírio comunicativo. Entre outras coisas é necessário relevar o fato de que a intensidade e a modalidade do processo perceptivo variam de espectador a espectador. Cada participante do happening vive, enfim, uma experiência sensorial absolutamente pessoal.

O happening, diversamente da pintura e da escultura, não é um produto passível de ser transformado em mercadoria: é um rasgão de vida.

Oferece uma fenda da vida real, uma imagem (apenas distorcida) da atividade do mundo por isso dura o espaço de uma manhã, apenas o tempo da representação e não é duplicável. Esboçando uma definição sumária, poder-se-ia dizer que o happening é uma espécie de teatro anti-literário.

4. O OFF-BRODWAY

Enquanto as outras artes cobrem percursos inexplorados (teatralizando-se), o teatro tradicional parece não se encontrar nem mesmo arranhado por este furor iconoclasta.

Naturalmente não é de se admirar: o teatro é uma estrutura caracterizada por uma forma e uma constituição complexas a sua indolência é congênita; durante longos períodos da sua história vem sendo conduzido. Trata-se de "uma espécie de atraso sociológico", como não deixa de sublinhar Julian Beck, futuro líder da vanguarda teatral, referindo-se ao salto adiante feito pela pintura graças a Pollock e a De Kooning. A defasagem que divide o teatro das artes plásticas é abissal, basta pensar na produção novaiorquina, cidade que desde suas origens constitui-se como a fonte geradora que ilumina o cenário americano: comédias musicais e leves, de vez em quando um bom dramalhão, isso é o que proporciona Times Square, espetáculos de evasão com fins especulativos onde a história se repete. O teatro americano, na sua origem, não era nada mais que um business enterprise.

Para encontrar algo de menos estereotipado, é necessário afastar o olhar da Broadway. Nas redondezas periféricas, distante da Broadway, o espetáculo não é somente fogo iridescente produzido para deslumbrar as pessoas; ao menos o teatro não vem desclassificado sistematicamente ao nível de uma mera transação comercial, o que não significa que este seja a única célula sã de um ambiente necrótico; off-Broadway é, ao contrário, uma espécie de limbo continuamente suspenso entre as adulações do business e a chamada Arte, entre a tradição e o novo. As origens do movimento são conhecidas: Princetown, Washington Square, Neighborhood Playhouses, e, sucessivamente, Greenwich Village e o Lower East Side, "moradia" de visionários, rebeldes, extravagantes, revolucionários, enfim, de todos os marginalizados da América.

Joe Cino e Ellen Stewart, nomes atualmente envolvidos por algumas lendas: são eles que abrem a passagem ao Novo Teatro quando, prolongando a tradição das letras da poesia beat, começam a hospedar em singelas coffee-houses fileiras de aprendizes-comediógrafos e de atores em início de carreira. Nestas bandas nem mesmo se sabe o que os regulamentos sindicais significam. Organizar um espetáculo custa uma grande quantidade de dólares: ninguém, desde o comediógrafo, ao diretor, aos atores, é pago: quanto ao público, se lhe interessar, verterá um "óbolo" no final do espetáculo. O caos reina soberano nos antípodas da Broadway.

Eliminada a dissociação entre empresários e teatrólogos, e, por consequência, a idéia fixa do sucesso comercial imediato, os micro-procênios do Village transformam-se no espaço onde vêm experimentadas as novas experiências estéticas.

Os novos teatrólogos parecem invadidos pelo fogo sagrado da experimentação. Não todos, de qualquer forma: em certos casos, o ardente desejo de novidade se detém nas soleiras de um teatro "puro", não a serviço dos ideais do mercado mas tampouco revolucionário ou puramente rebelde.

Quais são os objetivos por trás da New Wave? Quem são os membros fundadores deste movimento cênico? No início dos anos sessenta o panorama parece ainda confuso. O Off-Broadway é um universo variado, onde se encontram mesclados gênios e meias figuras, originais e falsos, pioneiros ansiosos de sondar vias inexploradas e ambiciosos camuflados que consideram as ribaltas underground somente um trampolim por onde se lançarem, uma simples etapa na longa estrada em direção a Broadway.

Difícil orientar-se no interior desta paisagem multicor.

Há quase o sabor do provisório: os staffs denunciam uma incessante mobilidade; as novas peças se sucedem sem descanso. Mas, ao menos, algo parece claro: o fato que o nascimento de uma nova sensibilidade estética procede, desta vez, no mesmo ritmo da emergência de realidades alternativas que tendem a modificar os próprios traços fisionômicos do sistema americano, no sentido de uma progressiva radicalização do quadro político. Não obstante este fato, a evolução ideológica do Teatro Novo (quando existe) é uma realidade lenta e complexa.

A conversão radical, em larga escala, pode-se datar em torno da metade dos anos 60 (contemporaneamente ao aguçar-se da crise no Sudeste Asiático) e, de qualquer modo, não se refere ao conjunto total de pequenos grupos que povoam o mosqueado universo do Off-Broadway. Certamente a nova década vê a aberta crise do liberalismo, mas o espectro da reação do novo teatro ao mal-estar social que atravessa a realidade americana é enorme, oscila entre o pragmatismo radical e a desafeição em relação ao sistema que recusa as mediações ideológicas e a ação revolucionária.

Presumivelmente as causas da futura crise, ao menos de uma parte do novo movimento, devem ser procuradas mesmo nesta falta de ideologia. Quando se derem conta, a um certo ponto, que a escassez de fundos expõe ao risco de uma cristalização do ímpeto inovador, opondo contínuos obstáculos à "viagem", para muitos, os grupos menos politizados, a assimilação às estruturas institucionais parecererá uma passagem obrigatória. A essa altura, as soluções possíveis serão somente duas: demonstrarem-se coerentes consigo mesmas ao custo de fechar as próprias portas (será a solução escolhida pelo Open Theatre de Joe Chaikin), ou então se deixarem cair dentro da armadilha, sob pena de uma mortificação das margens residuais de dissidência.

Quanto aos outros, os radicals, para subtraírem-se ao fechamento ou a um fim inglorioso, seguirão uma estrada diversa: inicialmente resistirão até o limite extremo, mais tarde tentarão a estrada da coalizão através de associações, como, por exemplo, o Radical Theatre Repertory fundado por Ronnie G. Davis no início de 1968. O Radical Theatre Repertory propõe-se a estabelecer contratos, organizar turnês e, em modo geral, promover os grupos que dele faziam parte: Performance Group, Open Theatre, Pageant Players, San Francisco Mime Group, Teatro Camponês, Playhouse of Ridiculous, Firehouse Theater, Bred and Puppet, os grupos do teatro negro Theater Black e Black Troup e, mais antigo entre todos, fundado em 1946 por obra de Julian Beck e de sua esposa Judith Malina, o Living Theater.

5. O LIVING THEATRE

Através do Living Theatre, da sua evolução, seus êxitos, seus insucessos e suas contribuições, pode-se seguir a história do novo teatro norte-americano. Sua existência é a mais longa entre a de todos os grupos, apesar de seus desdobramentos, abandonos, desaparecimentos e renascimentos, porque souberam adaptar-se às exigências de mudanças, porque sua perene busca os faz sempre jovens, porque iniciaram sempre e viram com olhos novos e com renovada força os novos caminhos.

Do texto à improvisação. Da representação à interpretação. Do teatro às ruas. Dos Estados Unidos ao Terceiro Mundo. Como afirmou Peter Brook, "Existem para a representação, e suas representações contêm os movimentos mais intensos e íntimos de sua vida coletiva." Living Theatre, ou seja, Teatro Vivente. A escolha do nome remonta o ano de 1947. Aspira a tornar mais vital a comunicação inter-subjetiva através do teatro. A vida enquanto arte, nesta época, para os dois fundadores, talvez seja somente uma miragem. A escolha de tal objetivo (a vida) favorece, apesar disto, a individualização dos vínculos que, desde a origem, unem Judith e Julian às intempéries culturais dos anos 40, esquivando as glaciações da era consumista.

Em todos os sentidos o Living Theatre funcionou como abertura de estradas aos teatrólogos da New Wave: favorecendo a reviravolta de uma linguagem cênica já degradada e despedaçada, mas também convertendo a angústia mais ou menos reprimida da silent generation em comportamentos claramente contestadores; em seguida coligando os dois fatores: a assimilação da Arte à Vida e a contestação do sistema político.

Quase imediatamente a divergência dos Beck transcende a tácita recusa da civilização do consumo para fazer-se consciência política, ato de desobediência civil (não violenta). Provavelmente, considerando a descendência hebraica de ambos, uma concepção sacra da existência, ultrajada pelas lembranças de anos monstruosos se enriquece, durante o percurso, através de encontros e leituras e culmina na escolha do comunismo e, mais tarde, da anarquia como regra de vida. Mas o caminho a fazer ainda é longo e acidentado.

No início Arte e Política seguem itinerários separados, e, todavia, não tardam a entrever-se os sinais que preanunciam a recomposição da sua identidade dividida. A presença às margens da indústria, ou seja, fora da Broadway, deixa de ser uma necessidade e transforma-se em uma escolha consciente: ou seja, rejeição de uma dramaturgia vazia e suntuosa, mas também desesperada tentativa de subtrair-se à ditadura do dinheiro (e, portanto, aos condicionamentos exteriores). Sob este aspecto, a colocação do grupo em um armazém da centésima rua (durante a primavera de 1954) funciona também como uma indicação de rota: a nova história do teatro americano deverá ser escrita distante da Broadway.

Na fase pioneira encontra-se, sobretudo, uma questão de "forma". Como renovar a linguagem expressiva do Teatro? Alcançar-se-á o objetivo gradualmente, trabalhando febrilmente, em meio a enormes dificuldades financeiras: através da aquisição, e, de grau em grau, da depuração e/ou desmistificação das convenções formais, mas também pela reconversão, inicialmente ocasional e fragmentária, dos modelos estilísticos permutados com outras manifestações de vanguarda.



Multíplices são as linhas diretivas da prática teatral dos Beck: em primeiro lugar a laboriosa busca de uma linguagem sacra alusiva, descarnada sim, mas também combinada de múltiplas tonalidades, que transcenda o plano meramente informativo e seja um autêntico veículo comunicativo. É o sonho longamente almejado de um teatro poético moderno. As mise en scène são meticulosamente pré-orquestradas.

Note-se, em particular modo, a fantasiosa assimilação dos meios expressivos e dos registros estilísticos que visam, sobretudo, reforçar o efeito mágico da palavra remarcando, a cada passo, seu timbre metafísico e solene, lírico e fantástico. Os trajes, o aparato técnico e de iluminação, a cenografia ocupam posição de relevo dentro da técnica cênica, mas nem tudo segue as normas: a cenografia, por exemplo, nas mãos de Julian, revela um insólito grau de adaptabilidade e de transparência.

Invariavelmente cria-se uma série quase ininterrupta de desilusões. A qualidade rarefeita da linguagem, em vez de vitalizar a fruição estética, parece impedir aquela relação envolvente com o público que se encontra entre as aspirações dos Beck. Procede-se ainda às apalpadelas. A história do Living, desde o início, é a história de uma fadigante peregrinação: adentra-se vias solitárias, depois retorna-se sobre os próprios passos e, improvisamente, parte-se novamente em direção de uma nova aventura, sem deixar, jamais, nada de inexplorado; sensíveis às mais variadas chamadas, animados por uma ânsia exploradora absolutamente americana. O esforço de reunião dos modos expressivos tradicionais alterna-se, deste modo, aos acenos parcelares de uma escritura cênica revolucionária que desarranja a estrutura formal ou, até mesmo, a elimina completamente.

Entretanto, nos fins dos anos 50, é necessário registrar também as primeiras tímidas abordagens à improvisação: Pirandello ("Questa sera si recita a soggetto"), Willians ("Many Loves"), Gelber ("The Connection"); a atmosfera de happening (na realidade há, subterrâneo, o truque do teatro no teatro) combina-se com uma organização espacial que rejeita a repartição rígida sala/palco, gerando tensão e favorecendo uma percepção anômala do fato teatral.

5.1 "THE CONNECTION"

Particularmente, "The Connection", do jovem Gelber de vinte e seis anos apenas, parece selar o período experimental colocando-se na prospectiva de modelo de desenvolvimento do teatro novo: uma temática de angústia (a droga: ou seja, o sonho de fuga do American Way of Life) e, ao mesmo tempo, restos inquietantes de uma forma teatral que tende a delinear-se como simples "partitura".

A crueza da linguagem e a intensidade exasperada do fator gestual reforçam a impressão de tranche de vie, de maneira que o espetáculo desenvolve-se inteiro dentro de uma dimensão visionária, quase alucinada. Entre outros, o espaço arquitetônico contribui, em notável medida, para criar este clima de ritualidade onírica; "O teatro propriamente dito", narra Julian, "era pintado de preto, com feixes de listas que se aproximavam passo a passo, convergindo em direção à cena como direto para um foyer, como se nos encontrássemos dentro de uma velha máquina fotográfica Kodak e olhássemos em direção ao exterior através da lente, o olho do sonhador dentro do quarto preto; as cadeiras eram pintadas de cinza escuro, azul, bege, areia e sobre elas grandes números, como se vêem nos circos, com cores brilhantes."

5.2 "THE APPLE"

Segue-se "The Apple" (dezembro de 1961), sempre de Gelber: ainda uma tentativa de fazer o público participar da ação teatral, cujo objetivo fracassa em parte, seja por seu complicado simbolismo, seja pelo abuso de elementos de improviso (improvisados, porém, somente aparentemente, de fato pré-ordenados e, por isso, provocadores).

Imediatamente antes e logo depois de "The Apple", temos duas obras preparadas por Brecht: "Na selva da cidade" e "Um homem é um homem", as quais constituem um capítulo importante da destino do dramaturgo alemão nos U.S.A. e, ao mesmo tempo, revelam a definitiva politização do Teatro Vivente, cuja atenção já está a se concentrar nos temas do poder e de sua lógica brutal, finalizada na manipulação física e/ou mental do indivíduo.

5.3 "THE BRIG"

Finalmente, no ápice da parábola, "The Brig" (a prisão) de Kenneth H. Brown, ex-marinheiro convertido à doutrina anárquica (a estréia se dá no dia 15 de maio de 1963). O teatro novo faz-se revolucionário; transgride as velhas regras estéticas e, ao mesmo tempo, é um ato de rebelião contra o sistema político. "A prisão" oferece, efetivamente, um perfil da não-vida de um punhado de marinheiros no cárcere militar da base americana de Okinawa; versa, enfim, também esta, sobre o tema da despersonalização do indivíduo.

Quanto à linguagem, poderia se observar que esta exercita, quase exclusivamente, a função de mecanismo de propulsão e/ou imobilização da ação teatral, de forma que a peça adquire, durante o seu percurso, uma dimensão sobretudo visual-cinética, a qual, por outro lado, encontra-se intimamente conectada à escolha do dispositivo cênico: uma espécie de labirinto que, por si mesmo, direciona e/ou freia o movimento dos atores. Uma rede de arame farpado cria uma barreira intransponível entre atores e espectadores, espelhando a subdivisão do mundo colocado em cena (guardiães-prisioneiros; carrascos-vítimas).

Prossegue assim até o final, que é o momento de liberação, onde se convida ao grito "acabemos com a barricada" que se transforma, desde então, no slogan (palavra de ordem) do Teatro Vivente. Praticamente cada elemento da representação é conduzido a um estado de paroxismo, de modo a produzir um violento choque emocional que, inesperadamente, catapulta o espectador num mundo quase irreal, que é tangível e parece sintonizado na sua própria dimensão temporal. Aqui nada é deixado ao acaso, é verdade. Todavia o prolongado submeter-se ao desumano regulamento da brig, durante o período dos ensaios, aumenta sensivelmente o sabor do vivido, pondo por terra, na prática, a idéia de teatro naturalístico segundo o qual a cena é somente o "espelho da realidade".

Realismo real e similares são fórmulas de críticos. O fato é que "A Prisão" deve ser lida, desde já, em chave de "Teatro da Crueldade". Descoberto na véspera da inauguração do teatro da Décima Quarta rua, Artaud constitui, de agora em diante, o principal sistema de referência do Teatro Vivente. O evento teatro é elevado à função de cerimonial mágico, cuja "crueldade" (o fato de ser rigorosamente planejado) oferece-se como princípio de catarse emocional (ou seja, exorcizar as forças do mal) destinada, por sua vez, a traduzir-se em comportamento revolucionário.

Que se tratasse principalmente de uma revolução teatral, não há dúvidas. Ainda que se devesse somente ao surgimento, descoberto durante o caminho, de um procedimento criativo, inspirado em critérios de participação democrática, que tende a desmerecer a tradicional figura do diretor como demiurgo e faz com que o ato estético seja, por assim dizer, objeto de uma gestão cooperativa.

Na época de "The Brig" a investigação comum limita-se, na prática, à realização cênica; mas também a última fortaleza, aquela do dramaturgo, encontra-se próxima à ruína. O texto, já em autores como Gelber e Brown, sustenta claramente uma função diferente com relação à tradição teatral: em "Tre Brig" o enredo tem um escasso relevo, assim como o elemento dialógico, sem dizer que certas partes das peças estão reservadas à inspiração improvisadora dos atores.

Moral: numa escritura dramatúrgica engendrada neste modo, não existe mais espaço para o personagem, ao menos, àqueles vistos, segundo os preceitos naturalísticos, como estrutura psíquica complexa presa numa densa trama de relações intercambiáveis. Nestes dramas, ao contrário, o personagem parece dotado quase exclusivamente de um valor funcional: eis porque os papéis são tão facilmente intercambiáveis (os atores fazem, às vezes, a parte do carrasco, outras aquela da vítima).

Entretanto, por trás destas já frágeis cortinas, começa-se a entrever o ator-homem. O esforço dos intérpretes do "The Brig" de se identificarem nas partes, longe de remeter ao estilo de atuação (verossímil) criado por Strasberg, parece ser ditado antes pelo desejo do ator de jogar fora a máscara, fazer cair qualquer proteção, em resumo, revelar a si mesmo.

O Living Theatre, neste ponto, é uma comunidade criativa; ao mesmo tempo a marginalização econômica obriga seus membros a se imporem um regime coletivista que faz com que o grupo se ofereça já como micro-modelo de sociedade alternativa, quase um corpo estranho, a cidade da utopia no seio da civilização afluente. A colisão é inevitável.

Para os renegados do Teatro Vivente tudo isso significa o encerramento do teatro, o embargo, o processo e, naturalmente, a condenação (por não ter pago as taxas e por outros delitos menores).

A Europa, que já lhes dera boa acolhida durante uma turnê anterior (1961), a este ponto representa a única saída.

5.4 O PERÍODO EUROPEU (1964-1968)

Estilhaço da consciência dividida da América, durante a sua nova, rocambolesca aventura, o Teatro Vivente determina seu pensamento, enriquecendo-o de conotações heterogêneas sem, todavia, alcançar uma verdadeira e própria sistematização. No vértice, a Bela Revolução Anárquica Não Violenta, ideal que representa o elemento-chave de sua anti-ideologia e, ao mesmo tempo, o fator de coesão da comunidade; na base, uma acentuada predisposição para descontextualizar contribuições diversas e de toda espécie (da tradição anárquica, do misticismo hebraico e do oriental) e a recompô-los em chave pragmática, traduzindo-os, isto é, em objetivos e invenções estratégicas da luta emancipadora da (idéia de) autoridade constituída.

Por trás da diversidade, e, às vezes, da nebulosidade, transparece nos argumentos, de qualquer forma, nitidamente, a repulsa a um mundo (a sociedade americana) em vias de desumanização, invadido pelo instinto de morte, mas, ao mesmo tempo, também a fé num futuro alternativo. Uma fé reforçada pela constatação de que uma zona liberada já existe: o Living Theatre, vagante fragmento de vida edênica num universo de violência.

Condição indispensável à mudança, segundo a visão profética dos Beck, é que a "vítima" finalmente acorde; a aquisição de uma nova conscientização a impelirá a abraçar a causa revolucionária. Evocar os "demônios" (a sociedade opulenta e seu aparato repressivo), indicando o reino dos céus (um estilo de vida alternativo). Sobre esta temática concentram-se os espetáculos que o Living Theatre apresentou na Europa entre 1964 e 1968: alusiva representação do inferno e lampejos paradisíacos ("Mysteries and Shaller Pieces"); reconstrução em tons apocalípticos do processo de civilização-mecanização e, na sequência final, um jorro de luz ("Frankenstein"); reevocação de uma tentativa, falida porém, de oposição desarmada ("Antígone" de Brecht); enfim, a concretização das possibilidades utópicas, ou seja, a emergência de uma nova organização comunitária modelada sobre a célula do Living ("Paradise Now" Paraíso agora!)

Quatro espetáculos que são etapas de uma longa viagem através da noite até a repentina explosão da aurora. Emblemáticos, de modo particular, dois destes espetáculos: o "Frankenstein" (1965, onde a despreocupação eclética alcança, talvez, o ápice) e "Paradise Now" (1968, apresentado no Festival de Avignon).


5.5 "FRANKENSTEIN"

Em "Frankenstein" os ingredientes são numerosos e de várias naturezas; por acréscimo, incorporados num sistema de símbolos muitas vezes impenetráveis. Sem considerar o fato de a trama não ter um desenvolvimento retilíneo e compor um conjunto bastante desarticulado, caracterizado por várias e, às vezes, impensadas ramificações, bem como por frequentes saltos lógicos, onde a mitologia edênica representa a única diretriz.

Nem sempre, de qualquer modo, as técnicas expressivas do Living estão baseadas exclusivamente no corpo e na voz. Ao menos nos primeiros tempos, a linguagem física utiliza as contribuições dos meios cênicos tradicionais (cenário, aparato técnico e acessórios vários), mesmo se for preciso notar que a estes não vem atribuída nenhuma função unívoca. Assim, a poderosa construção metálica que se ergue no fundo do palco em Frankenstein (rica de reminiscências: de Meyerhold a Piscator), além de elemento cenográfico, é estrutura espacial que consente a fuga, em vertical, da área cênica (em sentido horizontal estende-se em direção à sala); sem contar as implicações simbólicas sugeridas a cada vez pelo conjunto geométrico dos tubos.

Assistindo aos espetáculos do Living tem-se, de todo modo, a impressão de que outros fatores contrabalanceiem, por assim dizer, o escasso afinamento das capacidades do ator: em primeiro lugar a marcação. Em prática o espetáculo, mais que nos encantar através da sugestão da paisagem visual, atrai-nos pela ritmicidade que o permeia. O sistema de oposições existe em diversos níveis: gestual (abstração-delírio; estaticidade-dinamismo; congestão-descongestão de aglomerados físicos), sonoro (rumor-silêncio; uníssono-solo), luminoso (clarão-obscuridade) e, também, espacial (unificação com/ separação em relação ao público; horizontalidade/verticalidade). O movimento rítmico alude visivelmente ao binômio sociedade igualitária-sociedade autoritária (harmonia/desarmonia).

Certamente tudo isso pressupõe um complexo plano de acomodação e exige , sob o ponto de vista da realização cênica, uma perfeita coordenação entre os membros da trupe. Fato, este último, que constitui a prova mais evidente do grau de solidariedade alcançado pelo coletivo com o passar dos anos. Que o teatro possa ofender os gânglios vitais do sistema neo-capitalista: é esta a grande ilusão dos Beck.

5.6 "PARADISE NOW"

Chega-se, assim, a "Paradise Now", o espetáculo que prevê uma saída operativa, a criação de um novo mundo, um mundo suspenso entra o arcádico sonho de uma civilização pré-maquina e a aspiração a uma sociedade modelada sobre a realidade estética. Estamos no ano de 1968, "o ano em que morre a cultura"; a ocupação do Odéon, segundo Julian (que participa dela), é "grande teatro": ação-revolução com valor emblemático: profanação do Templo da Arte.

"Paradise Now", segundo os Beck, deveria deixar uma profunda marca no processo revolucionário corrente, acelerando o ritmo de desenvolvimento da Nova Sensibilidade. Existe um game plan, um esquema de base, realizado pela soma de setores planificados (baseados em um texto) e de setores, ao contrário, deixados ao acaso (cerca de um terço do espetáculo). Pode-se prever que, a cada noite, qualquer coisa de diferente aconteça, o sopro vital respira no teatro. A existência de um arranjo formal garante, de qualquer forma, contra alterações de rota bruscas demais.

"Paradise Now" é mais que um espetáculo (como anota no próprio diário um membro do Living). Enquanto tal, exige uma extraordinária mobilização de recursos. O que não significa, todavia, um largo emprego de meios comunicativos, e sim a potencialização da força expressiva do ator, chamado, neste caso, a absorver uma tarefa excepcional. Mas, através de quais vias? Recorrendo a "catalisadores ilógicos" (Julian): utilização de alucinógenos, prática de yoga e meditação, liberação dos impulsos eróticos, etc.. A própria estrutura do evento, de vaga matriz mágico-religiosa, serve para operar o encantamento, imprimindo ao espetáculo um ritmo crescente: Rito/Visão/Ação, um ciclo que se repete oito vezes, tantas quantos são os degraus da prodigiosa escada pela qual se ascende ao jardim do Éden.

Inicialmente os intérpretes representam os "mistérios"; dançam, cantam e/ou salmodiam, recitam invocações mágicas (o círculo é a posição-chave deste momento e sublinha seu caráter oculto e fechado). Vêm, então, construídas as metáforas visuais e/ou sonoras do renascimento (às vezes literalmente, formando cachos de corpos). Entretanto, ao longo da estrada, acumulam energia mental e física até alcançarem a temperatura crítica: o êxtase, o transe xamanístico. No ápice da visão, as irradiações difundidas pelos atores-bruxos deveriam ser tais de modo a provocar, por contaminação mágica, a transformação, ao mesmo tempo espiritual e corpórea, do espectador em iniciação.

A estas alturas, Ação: momento de comunhão, zona promíscua. Quebradas todas as barreiras espaciais, temos a participação mística, enlevo coletivo, Teatro Livre. Este é o tempo de agir, atores e espectadores constroem, juntos, o novo modelo de realidade. Ao menos enquanto dura o arrebatamento estático. Depois disto, o noviço fica abandonado a si mesmo e o intérprete retoma o próprio difícil caminho que o conduzirá até a soleira de uma nova Ação.

"Paradise Now" é uma longa peregrinação, uma "viagem dentro e fora", um itinerário imaginário e real através de uma estrutura labiríntica da qual somente o ator possui o mapa.

"O teatro está na rua", gritam os intérpretes no fim do espetáculo; depois, todos juntos, atores e espectadores, dirigem-se à saída. Um gesto simbólico e, contemporaneamente, uma indicação operativa: escapar à captura da sociedade repressiva (da qual o edifício teatral reflete a natureza excluidora e separatista) e caminhar em direção à conquista do mundo novo. Na prática, ir à procura de novos espaços, espaços abertos e não diversificados onde, finalmente, seja possível derrubar os critérios convencionais da comunicação. Até aqui temos a descrição de uma representação-modelo. Na realidade, raramente o espetáculo culmina na invasão do ambiente urbano e sempre, de qualquer forma, a sua incidência sobre o real parece distinguir-se por uma nota de transitoriedade e de equívoco e o impulso revolucionário, na verdade, extingue-se, na maioria das vezes, no estreito período de uma Ação realizada no interior do teatro.

Na utopia dos Beck entrevê-se uma fenda: o hiato (irrecuperável) entre a catarse emocional e a metamorfose da consciência. Apesar disto não se pode negar o fato que "Paradise Now" tenha aberto uma rachadura no establishment. As lutas com a municipalidade de Avignon, que terminam por exigir a retirada do grupo do festival e as perseguições suportadas, a partir daquele momento, em toda parte, testemunham sua carga subversiva. Simples representação da revolução e ato de protesto (não violento), "Paradise Now" constitui, de qualquer modo, um episódio significativo de história da cultura pós-bélica, sobretudo porque nela parece refluir quase todo o patrimônio espiritual da contra-cultura americana dos anos sessenta. Analisando o espetáculo, o que impressiona imediatamente é o sincretismo do Teatro Vivente, sua propensão a receber e fundir elementos de diferentes matrizes. Assim, ao lado de evidentes sugestões de tradição anárquico-comunista, registram-se corpulentas extrapolações da cultura hebraica que, por sua vez, se ligam a referências às doutrinas budistas e hindus, segundo a direção acentuadamente orientalista própria da Outra América.

Com "Paradise Now" conclui-se um ciclo: encontramo-nos na última estação da viagem em direção à vida (a nova vida, compreenda-se). Efetivamente, "Paradise Now" dá a impressão de conter qualidades mágicas até quando utiliza a contribuição criativa do público: o que acontece em surpreendente medida nas noites quentes de Avignon.

Mais tarde, quando a chama revolucionária se extinguir ou o espetáculo for projetado sobre fundos diversos do ponto de vista sócio-econômico e cultural, "Paradise Now", privado de um seu elemento essencial (a participação do público), se esfacelará perdendo toda a sua força mágica. Por razões contingentes, portanto.

As responsabilidades, porém, recaem, em boa parte, sobre o próprio Living: caminhar como um vagabundo, se por um lado oferece uma sensação inefável de liberdade ("o prazer do exílio", como a chama Julian), por outro prejudica a possibilidade de uma maior e mais profunda verificação a nível local e, portanto, de um diálogo construtivo entre os intérpretes e o auditório.

Reconhecer, como corajosamente fazem os Beck, a existência de uma situação de regressão significa, por outro lado, reconhecer a impossibilidade de realização de um sonho utópico, ao menos através destas vias; em outras palavras, reconhecer que o espetáculo paradisíaco corresponde, neste ponto, a um estado de purgatório.

O Living Theatre anuncia a própria dissolução em janeiro de 1970, quando se encontra em Berlim. Julian e Judith, chefes carismáticos, pretendem, com tal ato, cancelar a imagem do Teatro Vivente enquanto grupo de teatro radical elevado à categoria institucional e, portanto, já fatalmente consagrado à integração ao sistema. A dispersão do coletivo equivale à ruptura da aliança de soldagem com o establishment.

Para além de suas motivações contingentes, a decisão tomada pelos Beck reflete, todavia, a profunda reviravolta ideológica amadurecida nos EUA, quase contemporaneamente ao clamoroso retorno do grupo (em setembro de 1968). Através de uma série de representações tormentosas, o Living conscientiza-se, dramaticamente, da impossibilidade de uma levitação paradisíaca por meio do ato estético, mesmo se extraordinário.

O Teatro Vivente atravessa então uma fase involutiva, parece o resíduo de uma outra era que (presumivelmente) não mais retornará: coisa do passado, espectro irrequieto daquele que foi, um dia, um Teatro Vivente.

6. CONCLUSÃO

A história do Living Theatre, a vida e a morte deste grupo teatral, é a história de tantos outros, também estes gente de teatro: músicos, bailarinos, ativistas políticos e teóricos que pensavam poder mudar o mundo.

Desde os anos 50 até 1975, aproximadamente, houve no teatro americano uma explosão de energia experimental. Porém, mais tarde, muita ou toda esta atividade (as experimentações, o superar os confins e as convenções, a atividade política, os questionamentos, a multiplicidade das escolhas de mise en scène, o compartilhar a criação primária) cessou. Muitas atividades progrediram, mas a direção do movimento, da atividade coletiva geral, ficou perdida. À grande explosão seguiu a entropia.

As razões deste declínio experimental são diversas. Antes de tudo, o fim do ativismo. As mudanças pelas quais se lutava, especialmente durante os anos 60, eram radicais demais, inalcançáveis, perigosas. De modo que as pessoas reagiram com a "novo conservadorismo". Contemporaneamente, desenvolveu-se uma suspeita crescente em relação aos artistas que vivam fora dos confins, fora das restrições da sociedade. A política do governo que impunha agravos econômicos, o rendimento de contas anuais, a formação de sociedades não baseadas nos lucros (toda a burocracia do New State Council) tendiam a seduzir os artistas.

Depois, segue uma concentração econômica em conseqüência da inflação. E uma nação amendrontada pela erosão da base industrial da economia. Como, de regra, acontece em circunstâncias deste tipo, na América Puritana os artistas são vistos como luxos, extras. Assim, mesmo com o aumento dos subsídios, houve escassez de dinheiro para investimentos.

A tudo isto se juntou uma política de ajudas baseada em critérios geográficos/demográficos, sem levar em consideração a capacidade ou a audácia da experimentação. Este é um dilema cruel, porque contrapõe as elites da experimentação aos ideais populistas. Além do mais, muitos artistas são dependentes dos subsídios. O teatro comercial não vê com bons olhos a experimentação e, por outro lado, é impossível fazê-la com os próprios fundos. Deste modo, aceita-se o compromisso necessário para receber a ajuda do New State Council. Criou-se, então, uma espécie de previdência artística, que não pode ser salutar para a experimentação.

Enfim, temos a falência da transmissão de consciência para uma nova geração de artistas. Este é o pior aspecto do todo, evidenciado pelo fato de que a maior parte dos líderes da experimentação têm, agora, de 40 a 60 anos, ou mais. A "velha" geração não foi capaz de produzir técnicas de ensinamento para os jovens artistas. Por esta única razão o trabalho dos últimos trinta anos pode ser considerado estéril. Também o pensar uma ação coletiva no interior de uma sociedade tão invadida por mitologias, rituais e ações individualistas é uma tarefa difícil que exige votos de isolamento, separação, autonomia forçada. E colocar em prática estas idéias, fazendo teatro num ambiente totalmente pobre, é ainda mais difícil.

Isto é o que aconteceu ao Living Theatre, mas, hoje, a utopia, o anarquismo e a ideologia não bastam mais para motivar estes homens de teatro. É, novamente, o business a oferecer a motivação.

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