quinta-feira, 27 de dezembro de 2007


UMA PASSÁRGADA DE ABRAÇOS E SAUDADES


Carlos Gurgel


Estive ausente de Natal por 15 dias, participando de encontros com a poesia.
Primeiro, em Bento Gonçalves , RS, de 1 à 6 de outubro, no XV Congresso Brasileiro de Poesia, onde conheci poetas brasileiros, chilenos, peruanos, mexicanos, alemães, canadenses. Ao todo, 176.
Diariamente tínhamos compromissos com recitais, debates, mostra de vídeos, música latina, programações em auditórios.
Uma das programações mais interessantes, foi quando me integrei aos saraus em escolas públicas. Lá, uma platéia entusiasmada e receptiva, estava sempre atenta aos gestos e palavras dos poetas convidados. Por 3 vezes dela participei.
O organizador do evento, Ademir Bacca, gaúcho, incansável defensor de um espaço que congregue e celebre versos e visões, acolheu a todos, com sua fidelíssima maneira de ser, acompanhando passo à passo, todas as atividades, com ânimo e satisfação pelo que se propôs a realizar.
Assim, revi amigos poetas: Artur Gomes, Wilmar Silva (agora, Joaquim Palmeira), o impagável Dalmo Saraiva, Glaúter Barros, Bilá Bernardes, poetas iluminados pela chama da sedução e pelo labirinto das lanternas verbais.
Conheci a minha incentivadora gaúcha, Cacau Poeta, que me fez acreditar que é possível sonhar com mais platéias e desejos. Mais ainda: Luís Edmundo, de alteRosa poesia, Barone, Lúcia Gonczy, meiga e solidária, Jiddu Saldanha, Luiz Prôa, poeta carioca, agitador cultural, incansável descobridor das alegrias que sedimentam amizades e leitores. E do Ronaldo Werneck, Cataguases, MG, um poeta porreta e paladino de conquistas das moças que bailam por entre seus versos e lentes. Da Marynês Bonacina, de uma doce e inquebrantável beleza. Do ícone Hugo Pontes, poeta visual, experimental, vanguardista. De Walnélia Pederneiras, leve como uma pluma, forte como um poema para sempre ser lembrado. Do Alex, jovem poeta gaúcho, que se faz declamar com seus eus e sangues. E da incomparável menina bela e musicista, a chilena Mariana, com seus dezoitos anos e um violino que apaixona e se perpetua.
E andei pelas ruas de Bento, maravilhado com a beleza das suas mulheres, como um caleidoscópio de infinito hipnotismo e sinfonia.
Convivi com suas noites frias e incessantes. Com suas rodas de poesia, lançamentos de antologias e descobertas de promessas e reencontros. Como uma grande casa que abriga nuvens e céus, e de uma luz que se esconde por trás da esperança. E dos abraços e das saudades. Do chimarrão e da vontade de não calar. De delírios e silêncios. Atmosferas de palcos e risadas inquebrantáveis.
E quando no último dia, onde plantamos uma árvore, e cada poeta, depositou entre suas raízes, o seu chão. O meu, foi um pouco da terra da casa de Cascudo, com o crivo de Ana e Camilo.
Assim foi Bento. Bendita e sortida. Cidade real dos nossos verbos mundanos e borrifados pela atmosfera de uma terra acolhedora e querida.
De lá fui rever o Rio, onde, hóspede do poeta Tanussi Cardoso, sempre atencioso e colecionador de honras e elogios, proclamei por 8 dias, a disposição de participar de saraus, e perceber a intensa cena cultural carioca. Participei, ao lado de Cairo Trindade e Denise, do Tavinho Paes, Luiz Proa, e de uma levada de outros poetas, do "Sarau Doidão", no "Bar do Adão". (Já está no You Tube).
E também do "Barteliê", vizinho do "Antônio’s", em Ipanema, um culto de confissões e amor pela palavra; aconchego de um apartamento recitativo, e trem das letras que embala a noite onde nos tornamos crianças e defensores da liberdade de expressão genuína do espírito de uma cidade que continua linda. Assim como Dora Alvarenga, uma poetisa quântica e insofismavelmente brilhante.
E da minha conversa com Xico Chaves, poeta e ilustrador dos melhores. Ele, principal assessor da presidência da Funarte, onde me falou de um projeto que privilegia obras e toda sorte de engenhos literários.
Ainda do meu acompanhamento pela cena cultural da cidade, fui expectador de dois espetáculos inesquecíveis, inseridos na programação do projeto "riocenacontemporânea".
O primeiro, "My Arm", do diretor e ator inglês Tim Crouch, onde, por uma hora, nos sentimos levados por uma atmosfera de confissões e comoventes imagens de crença na vida e na sua irretocável sensação de espantos e paixões. Ele, o ator, no início do espetáculo, pede a platéia, objetos pessoais, relógio, caneta, isqueiro, gravata, chaveiro, colar, cinto, fotos, onde; aleatoriamente, esses objetos assumem personagens no seu monólogo tórrido e sensivelmente glamourizado por uma interpretação impecável e visceralmente contemporânea. Porque ele, o ator, fala da vida de uma pessoa que permanece com o braço levantado por 30 anos. E o que isso provoca de mudança na sua vida.
Do outro espetáculo que assisti, ele, é como se fosse o testemunho de que tudo que assistira antes, na minha vida, morresse como um mar revolto de penumbras e incompletudes.
Falo do grupo "Vertigem", de SP, com seu espetáculo, o "BR3". Para viabilizar sua execução, foi necessário o esforço conjunto do Corpo de Bombeiros, da Polícia Militar, de comunidades, de estaleiros, do Exército, da Marinha, da Aeronáutica, Secretarias do Estado do Meio Ambiente e Transporte, além do Pólo Náutico da UFRJ.
O espetáculo, todo ele, se passa na parte mais poluída da Baía da Guanabara e dura 3 horas. Durante esse tempo, ele metamorfoseia-se, encalacra-se em baús, tesouros, máscaras. Utiliza-se de andaimes, restos de navios, margens da Baía, pilares da ponte Rio-Niterói, construções antigas e mortas. Um arrebatamento. A platéia é convidada para ocupar o espaço de uma embarcação, que se presta como palco móvel, onde acompanha hipnotizada todo o seu ritmo frenético. O desenrolar de pequenas canoas repletas de atores e atrizes, serve como um contraponto, ao que se oferece como diálogo na embarcação principal, onde seus personagens centrais atuam. São diálogos que acontecem por sobre a água fétida. São cena fellinianas. Grotescas. Impagáveis. A concepção do diretor do espetáculo, o mineiro Antônio Araújo, se revela como dionisiacamente monumental, indescritível. Inesquecível, tonitroante, quixoteante, hipnótica.
A cena final, em um casarão da época de Dom Pedro I, é como uma seita. Toscas falas, azedume de fé e sacanagem.
Assim, essas minhas intensas impressões que agora proclamo. Como grão de um chão de prefácios e prelúdios, elas locupletam-se. Como incêndios e urros. Poesia e magia. Furor, e a imensidão da vida como invadida fosse por evoluções e manhãs incendiárias e acolhedoras.
Como deve ser o caminho de quem procura por pérolas e portas. Uma rubra víndima do meu coração que pulsa.

Cgurgel

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