sexta-feira, 24 de abril de 2009


... E SATÃ EXORCIZA OS "MODERNINHOS E "BONZINHOS" DA MPB

Na verdade, a capa já tenta nos pregar uma peça. A galinha de macumba ensangüentada e os símbolos demoníacos apontam para um disco de trash metal ou coisa parecida, impressão que a trovoada percussiva que abre o CD , típica de uma banda desse gênero, tenta prolongar. Mas logo a seguir, um número que mistura mais repiques de bateria com uma dissonante melodia executada em instrumentos de sopro, teclados e com um grito oco e demoníaco que permeia a faixa (que leva o nome de “Teletransputa”) já diz o que o SATANIC SAMBA TRIO vem propor.
O grupo de Brasília, formado por Hideki (cavaco, harmonium, teclados e software), Munha (baixo e regência), RC (guitarra, violão e viola), Lupa (bateria e ‘todo tipo de percussão’) e Marcelo Vargues (trompete, trombone piccolo, e regência) –todos músicos formados e de educação musical erudita- chuta o pau da barraca, pois “Misantropicália” (selo Amplitude) faz jus ao título e nos traz, em pouco mais de 30 minutos, uma avalanche de referências musicais que se inspiram principalmente no tropicalismo de Tom Zé (ouça “Dança das Quiumbas”).
Esses blocos mais pesados aparecem porém em medidas homeopaticamente divididas entre espaços de música minimal, trechos esses que, por sua vez, fundem sons de um rugido satânico e uma simulação de um ritual de exorcismo com vários e quebrados ritmos de pandeiro, além de cavaquinhos, frases de cello e demais efeitos. Um exemplo disso está na faixa “deus odeia Samba-rock” (sim, a palavra deus é propositalmente escrita com letra minúscula, ao contrário do nome do gênero musical). Seria uma “limpeza” dos detritos deixados pelo Tropicalismo na MPB ou uma busca nas tripas da arte musical da essência humana mais profunda que inspira a sua criação? Os dois, provavelmente.
Deixando um pouco de lado as referências musicais do grupo, o fato é que a sua música desperta uma espécie de viagem ao centro do inconsciente, como se lá no fundo de nossas mentes morasse um monstro feroz, mas que vive atualmente domado e anestesiado pelo incessante bombardeio midiático que faz da música popular mais um xarope para dominar as infecções da alma do que propriamente a tradução de suas angústias, e que ao ser flagrado sem disfarces se assemelha ao diabo, neste caso um bicho indomável que pode descobrir o tecido da cilada e rompe-lo violentamente.
Durante toda a execução do disco, algo dentro de nós parece procurar um sentido mais familiar que poderia se refletir na música, algo como uma melodia ou uma frase rítmica um pouco mais constante, o que não acontece (exemplos mais nítidos estão em “Canção Para Atrair Má Sorte” atos 1 e 2, “Gafieira Bad Vibe”). Alguns minutos de uma caótica execução instrumental que mescla samba-rock com microfrases jazzísticas e polirítmicas e novamente somos jogados às ‘trevas’ de nossa consciência, como se essas partes mais intensas fossem um vômito seguido de um mergulho num purgatório de emoções e sentimentos obscuros. Afinal, não seria esse o papel da verdadeira arte? Trazer à tona as emoções mais puras, virgens da pérfida ilusão do mundo externo? Eles querem te irritar, fazer com que você dê um berro! Solte as feras, meu irmão. É isso mesmo.
O SATANIC SAMBA TRIO é uma promessa dentro da música brasileira. Um aviso bastante cínico de que há vida inteligente por trás do consenso mercadológico. Uma necessidade se quebrar as regras estabelecidas sempre se faz presente, mas aqui ela aparece exorcizar a banalidade e a fugacidade das fórmulas fáceis até mesmo do que se considera ‘boa música’, no caso a herança deixada pelo Tropicalismo. Uma espécie de ‘purificação’ para valer.
A brincadeira com o Diabo sugere mais uma bem humorada gozação em cima das delirantes e melosas evocações ao “amor”, ou se preferirem, ao politicamente correto e à idéia de justiça social muitas vêzes disfarçados sob a égide do bom mocismo modernoso dos pop-roqueiros e do puro jogo de interesses da indústria da musica. O grupo de Brasília parece propor, através da música, que se destruam todas as bases e que se comece lá de dentro de nós outra vez. Que em muito do que nos assusta e incomoda pode se esconder também a inovação e a criatividade. Que sejam libertados nossos demônios e que se desnude a idéia de bem, como pensou Nietzsche.

Marcelo Sanches

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