domingo, 24 de fevereiro de 2008


SMETAK, TAK, TAK


"Um homem chegado de terras longínquas, aqui plantou raízes, a compor, a tocar, a inventar instrumentos, misto de músico e escultor, de filósofo e profeta, uma das figuras mais extraordinárias da arte brasileira" Jorge Amado


Compor uma biografia de Walter Smetak não é tarefa fácil. Os registros aqui apresentados partem de indicações presentes nos seus textos e em bibliografias publicadas. Anton Walter Smetak nasceu em Zurique, Suíça, em 12 de fevereiro de 1913 e naturalizou-se brasileiro em 1968.

Smetak teve formação clássica. Filho de pai músico, ainda criança aprendeu a tocar zither, um instrumento da família da cítara, muito popular na Baviera, mas acabou optando pelo piano, graças à atração que Bach e Beethoven exerciam sobre ele. Na década de 1930, estudou no Mozarteumde Salzburg, Áustria, e, em seguida, diplomou-se como concertista de violoncelo em Viena.

Em fevereiro de 1937, recebeu um convite para emigrar para o Brasil, contratado pela Rádio Farroupilha de Porto Alegre. Foi professor de Violoncelo no Instituto de Belas Artes do Rio Grande do Sul, trabalhou na Orquestra Sinfônica Brasileira, no Rio de Janeiro, além de passar pela Rádio Nacional, Rádio Tupi, Rádio Guanabara e pelo Teatro Municipal. Em São Paulo, para onde seguiu em 1952, trabalhou no Teatro Municipal e nas rádios Record, Bandeirantes e Sumaré.

Adotou, no Brasil, o ofício de luthier e passou a construir e a consertar, artesanalmente, violinos. Ainda em São Paulo, em 1957, é convidado pelo maestro Hans-Joachim Koellreutter a participar como professor dos Seminários de Música da Universidade Federal da Bahia. Em Salvador, Smetak encontra as vertentes e influências que inspiraram suas pesquisas, teorias e experimentos.

No final dos anos 1950, a Cidade da Bahia, sempre ancorada em práticas culturais tradicionais, recebeu um forte influxo de informações internacionais. Parte substancial delas vinha das vanguardas estético-intelectuais européias, especialmente nas áreas de música, teatro, artes plásticas, arquitetura, dança e cinema. Esse transbordar de culturas tinha como pólo difusor a Universidade Federal da Bahia.

Neste universo, Smetak encontra espaço para fundar e ensinar novos conceitos musicais, ministrando aulas de violoncelo e de improvisação na Escola de Música da UFBA.

No início dos anos 1960, volta-se para a música experimental, numa pesquisa que chamava de “Iniciação pelo Som”, sob o impacto de estudos realizados na Eubiose, corrente teosófica dedicada à ciência da vida − na qual se matriculou em 1949 −, focada na evolução humana, levando em conta os planos espirituais da mente. Nascia uma “nova escola”. Uma investigação sobre silêncio, som e as suas relações com o homem.

Smetak recebe uma sala/galpão na Universidade que, em pouco tempo, transforma em oficina de idéias e objetos. Ele sentia que era preciso criar novos instrumentos, para uma nova música, um novo som. “O que aconteceu talvez é que me interessa muito mais o mistério dos sons que o da música. Tenho procurado diferenciar claramente o fazer som, um meio de despertar novas faculdades da percepção mental, e o fazer música, apenas um acalento para velhas faculdades da consciência.” A partir destes novos conceitos de matéria e espaço, nasceram as Plásticas Sonoras. Para construí-las, Smetak empregou cabaças, madeira, cordas, tubos de PVC, latas e qualquer material que estivesse a seu alcance.

As plásticas sonoras refletem uma antiga e moderna tendência de integrar a música às artes plásticas utilizando também outros recursos, como a linguagem das cores; o amarelo, o azul e o vermelho, representando, respectivamente, segundo ele, planos de uma mente cósmica, sabedoria, atividade e produção.

Em dezembro de 1966, participa da I Bienal Nacional de Artes Plásticas, em Salvador, junto a artistas como Lygia Clark e Franz Krajberg e recebe o Prêmio Especial de Pesquisa.

Smetak exerceu uma influência significativa em toda uma geração de músicos brasileiros, tanto do meio erudito quanto popular. Foram os jovens da geração tropicalista que deram mais ouvidos a esse professor e pesquisador. O improviso, que ele considerava um elemento essencialmente brasileiro, era fundamental na sua criação musical. “Falar sobre música é uma besteira, mas executá-la é uma loucura”, dizia Smetak.

Tentar classificar Smetak em alguma categoria musical se torna tarefa extremamente árdua, e há quem diga impossível. Sem dúvida, é significativa sua inclinação e dedicação ao microtonalismo, mas sua teoria musical envolve toda uma filosofia adquirida em experiências místico-esotéricas unidas a uma visão muito particular do mundo.

Em 1974, recebe o Prêmio Personalidade Global do ano para música da Rede Globo de Televisão. Durante essa fase começa seu envolvimento real com o teatro e acontecem, então, as primeiras apresentações públicas na reitoria da universidade com as peças Vir a Ser e A Caverna. Escreveu também as nunca encenadas A Quadratura do Círculo, O Errotismo do Canhoto e quatro peças para dança denominadas A Corrente, Akwas, Dos Mendigos e Sarabanda.

Nos livros e artigos, expressava suas idéias cósmico-musicais em textos num português aproximativo, entre poético e místico. Manuscritos povoados de símbolos alquímicos e musicais, com textos cheios de neologismos. Para ele, as artes, a música, a literatura são intermediários para estados de consciência superior. “Creio que só a loucura poderá salvar o homem, a loucura santa.”

Não chegou a fazer em vida exatamente tudo o que queria, a doença foi rápida, em 1984, Smetak morria de enfisema pulmonar, em 30 de maio de 1984.

Mas, como dizia ele: “O fim da fala ainda não é o início do silêncio”.

Livros Publicados:
Retorno ao Futuro (1982)
Simbologia dos Instrumentos (2001), patrocínio da COPENE/Fazcultura com o apoio do Governo do Estado da Bahia.

Discografia:
“Walter Smetak”, Philips. Produzido por Caetano Veloso e Roberto Santana. (1973)
“Interregno”, patrocínio da Fundação Cultural do Estado da Bahia. (1980).