sexta-feira, 1 de fevereiro de 2008




CÍTAR LOUNGE
( A ponta da outra parte que liga )


Eu me lembro de quase tudo. Também, naquela época, anos 70, era tudo como uma névoa de sonhos, desejos e fantasias. Uma cor do céu, como nunca tinha sido antes. Noites e mais noites enfeitiçadas. Uma tremenda viagem. Como sempre desejava.
Desde pequeno, que procurava me indispor com a normalidade dos dias. Na primeira vez que provei drogas, eu tinha 11 anos de idade. Aquilo, com o meu convívio, com a minha completa vontade de se envolver com cheiros e "viagens", fez com que, eu repentinamente, o meu inconsciente, revelasse uma indescritível fronteira entre o palpável e o palatável.
Uma mistura de rock, intensidades intimistas e a visão de um novo mundo. Sim, o rock. Uma máquina, um motor, uma fogueira que arde ao meu redor como uma adoração infinita.
Era tudo como um redemoinho que não tinha mais fim. Pó & companhia. Colheitas de infinitas tonalidades. Uma precipitação de devaneios repletos de imagens, como um estopim de mil cores. E da música, como uma intensidade inesgotável de celebrações noturnas e diurnas.
O Led Zeppelin humilhava os passos de uma sociedade indulgente. Tripudiava de uma moral careca e habitante de um planeta servil e hipócrita.
A música, como já disse, o rock, era do que precisava. Ela me abençoava e emitia um passaporte que abdicava de prazo de validade. Notívago, arrebanhava para meu quintal, os delírios e os desbundes de uma época inesquecível.
Foi com Zappa, que alçei voo. Pairei por entre as papoulas de um coração insubordinado, e dos meus passos, que de tão apressados, me fizeram acostumar com a magia de um paraíso alucinado e infinitamente ambicioso.
Rompi, também, com a escravidão de um verbo encalacrado de dúvidas, como querendo refazer o tempo todo, a minha rota. Rascunhos de caminhadas, cogumelos, xaropes, chás, berlotas e cafungadas.
Naquela época era bem mais difícil. Éramos tão poucos, que nos tornávamos guerreiros. Um tapete, uma fumaça, um rumo voltado para as ulrapassagens. Um destino sem limites de experiências e provocações. Uma tribo que revelava, como um átomo que voa, a razão que a fantasia imprimia ter. Como múltiplas escolhas de um barato que nunca termina.
Assim, o suor que escorria por entre a fumaça do ar que se lançava, era como um velocípede tresloucado e endemoniado. Tantas e tantas vezes de tonturas e loucuras. Muitas e muitas vezes só com a emoção, no peito que regia. Uma sinfonia de captações surreais e astrais.
Passávamos dias e mais dias metamorfoseando-nos. Como uma gilete que corta o ar, e alcança, como um Deus, a ponta da outra parte que liga. Um inferno como paraíso de coisas que encontram rítmos, pulsações, energias. Totalmente novas e instigantes.
Como universo, como uma haste que reparte olhares e promessas. Ficávamos cineticamente discípulos do ressoar dos efeitos. Uma curtição celebrada, uma agonia divina, um susto de pés e mãos.
Uma avalanche de festins, uma gangorra de pesos e hélices. Um colar de desígnios e ferrões. Era assim, que se passavam os "insights" e as febres tão requentadas.
Como uma taba que taca talco e se alumia. Um despenhadeiro de tentações, arrebites e pulsações. Uma síntaxe de degráus e réplicas. Tudo como se fosse parte de uma peça ruidosa e pendular.
Eu adoro, sabia, eu cultuo, o "Panis Et Circenses" do "Mutantes". Para mim, é como se fosse uma das músicas mais arrebatadoramente lindas, que já se produziu nessa nossa contemporaneidade. Não consigo, desde depois dos anos 70, encontrar nada igual. Aquilo ali, essa música, para mim, é como um convite, uma gênese de incomparável beleza. Uma exaltação ao arco-íris, aos girassóis dos nossos corações doidos e insuperáveis.
Ainda tinha muita coisa no saco de dormir. Principalmente o King Crimson, onde eu me deixava levar pelo seu som enigmático e hipnótico. Uma colcha de retratos. Um firmamento de uma peste endiabrada e alucinógena. Crimson.
Assim também, a Patti Smith, uma avalanche de poesia e rebeldia. Uma cusparada de belas e memoráveis canções.
Além do Grateful Dead. Jerry Garcia tão a vontade com sua máquina de fazer invólucros das nuvens, como um ingresso apocalíptico e fermento de massas e incensos.
E no meio do caminho o aparecimento de pedras preciosas que rolavam pela ladeira à baixo, como um grupo que condensava a tortilha de rocks, blues, lamentos de uma época; como um projétil tão perdidamente apaixonado pelos trilhos de uma geração que na ponta dos dedos e nos seus infinitos percursos, classificou diásporas, ícones, elementos da era aquariana.
Tudo misturado com ioga e as meninas tão dionisiacamente inesquecíveis.
Tinha também Dzy Croquetes, Judith Malina, Antonin Artaud, Julian Beck.
Tenho vontade sim, de cada vez mais, radiografar junto com as lembranças, o que de encanto ficou. Uma árvore, enorme, um cometa que dispara pelo tempo que meus olhos alcançam, uma colina de florações, caminho que o vento só afaga. Um jardim que sacia o coração de todos aqueles, que abriram os seus diários, como único testemunho do rito primal, do som que manufatura revelações e compassos, e do mais verdadeiro caleidoscópio dos nossos segredos da alma.
Ah! e os Mutantes, os Mutantes ...


Cgurgel

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