terça-feira, 29 de julho de 2008


OS ATENTADOS DE JOMARD MUNIZ DE BRITTO
Por
Bruno Nogueira - Recife

Jomard Muniz de Brito - Uma qualquer Recife

Uma qualquer Recife cidade sitiada
é a escuta PSI,
a escritura psiu de seus arquitetos da mais sutil
urbanidade ao redor dos favores
da SANTA CASA DE MISERICÓRDIA.
Restauram apenas fachadas em cores vivas,
reinventando a cidade-cartão-postal-global
em sua dignidade tão degradante, sufocada,
turismo mimético do Pelourinho e advertências.
Uma cidade, além das dúvidas e suspeições,
é o conjunto de seus buracos. Imanentes e
galácticos. Cartesianos e dionisíacos.
Gilbertianos por todos os séculos.
- Jomard Muniz de Brito

Sofri meu primeiro atentado poético quando voltava de casa para o trabalho. Confesso que só conhecia aquela figura, que passava todos os dias caminhando nas transversais da principal avenida do centro do Recife, a Conde da Boa Vista, tempos depois. Bermuda, meias longas, cabelos brancos sempre penteados para trás, óculos de armação grossa e escura. Jomard Muniz de Brito sempre passava com sua pasta, com várias folhas impressas – ou eram xerox? – com algo de sua autoria. Não entrega a qualquer. Depois que soube disso eu tive até orgulho.

Não lembro muito bem sobre o que era o então atentado. Isso porque, daquele fim de tarde até hoje, quando vim a conhecer todos os detalhes sobre o que considero ser o maior livre-pensador em circulação na capital, perdi a conta de quantos tantos outros recebi. Sobre o Papa, sobre as eleições, Caetano Veloso, o 11 de setembro e o que mais fosse notícia. Jomard sempre desenvolveu seu fraseado com uma das construções mais inteligentes de palavras que já li. Sempre de maneira despretensiosa, divertida, aparentemente sem compromisso. Sua presença é sempre certeza de uma inquieta pausa na correria (sub)urbana para muita reflexão.

E ele está sempre presente em todos os lugares.

Em tantos, que me permiti o prazer de não entrevistá-lo formalmente, mas de descobri-lo. Com 70 anos completados há poucos meses, uma das primeiras coisas que descobri é como é fácil cair no clichê de recitar ofícios quando o assunto é Jomard Muniz de Brito. Professor da Universidade Federal da Paraíba, ainda insistente aluno da Universidade Federal de Pernambuco, poeta, ator, diretor, escritor, crítico de cinema e de música, cineasta. A lista cresce o tanto quanto a paciência do ouvinte permitir. Das salas de aula, aos porões da ditadura militar, gosto de pensar em Jomard como o perfeito antagonista a outro famoso paraibano, o escritor Ariano Suassuna.

O que o segundo propõe de tradição, o primeiro oferece de modernidade. Ariano condenou o manguebit, Jomard freqüentou o festival Abril pro Rock. O dualismo mais divertido que já observei, antes de descobrir que ele foi nosso principal representante do tropicalismo. Qual seria minha surpresa, tempos depois, pesquisando, ler que o hoje secretário de cultura já deu dois murros no jornalista Celso Marconi, justificando que “era para Jomard, mas já que ele não está aqui, leva você mesmo”. Bingo. Estava mesmo certo.

“Filho da pernambucana Maria Celeste Amorim Silva com o paraibano José Muniz de Britto, nasci na Rua Imperial, bairro de São José, em 1937. Sou híbrido de nascença, mas errante por opção antiprovincial. Mas foi o escritor José Rafael de Menezes que me levou a ser professor titular da UFPB”.
Em entrevista ao Jornal do Commercio

Seus atentados poéticos nasceram de uma proposta editorial para publicar um livro. Funcionam como uma coletânea de trabalhos, mas que nunca pararam de ser gerados após o dito chegar às prateleiras. Já haviam sido anunciados em 1997, quando na ocasião de um disco, Jomard começava a discorrer sobre uma “filosofia pop”. O termo, entenda como quiser, é o melhor filtro para observar as passagens de Jomard Muniz de Brito. Autor também de “Contradições do Homem Brasileiro”, que foi recolhido pela ditadura, que forçou sua aposentadoria sob o argumento de que ele influenciava negativamente a mente dos jovens. Se é que você me entende...

“Ele dizia que, sem o mínimo consenso de humor, a tragédia brasileira seria muito mais insuportável”, lembra, evocando o ex-caixa do Banco Econômico, na Bahia. Jomard apressa-se e corrige a frase: pede para tirar consenso. “Não gosto, de jeito nenhum. O pensamento homogêneo, único, o politicamente correto, tudo isso vem do nosso capitalismo tardio e onipresente”, fala o homem que acumulou vários rótulos ao longo de sua existência: tropicalista, iconoclasta, agitador, maluco, marginal e até baiano. Tudo por causa de sua conhecida e íntima relação com figuras como Glauber Rocha e Caetano Veloso, entre outros.
Em entrevista ao Jornal do Commercio

Observar esse trânsito de Jomard em tantas camadas intelectuais – da vernisage ao show de rock, da mesa de debate a mesa de bar – é perceber o quanto o tempo não passou. Ou, mais grave, o quanto tempo ainda precisa passar. Este “último dos Dandis”, como já foi citado, ressurge sempre apresentado por um novo sorriso de quem percebe os trâmites do pensamento, mas não se importa em revelar. A modéstia é sempre seu maior charme. A maneira como ele a consegue expor – nos fazer perceber que ele está sendo modesto - é sempre um irresistível convite a seus atentados poéticos.

“Nós, ainda intelectuais, precisamos perder ou dispensar tanta arrogância de salão ou de televisão. Confiar menos na potência de cantos e cátedras. Suspender afãs de julgamento. Trapacear com as linguagens estabelecidas. Cultivar a ironia socrática nos aforismos nietzscheanos. Cortes epistemológicos arrebentando o núcleo das complexidades.”
Em entrevista a Revista Trópico

Palavras que, importante reforçar, não tomam apenas forma escrita. O atentado de Jomard é visual, auditivo e como mais ele conseguir expressar. Em tempos em que a vida e a função do CD está em questão, ele fez o que é mais recomendado para compreender essa história. Gravou um, junto com a banda Comuna, e disponibilizou inteiro na Internet. Seguiu com a história. Abriu uma conta no MySpace e no Youtube. Uma metáfora perfeita para avisar que Jomard Muniz de Brito abriu as portas de sua produção, para todos aqueles que estejam interessados em também descobri-lo.

“Amador, como um contra-burguês, tal diz Roland Barthes; e um amador, como um incompetente, tal diz o senso comum”, explica. “Comungo a anti-ambição de ser um cineasta profissional. Minha única atuação profissional foi lecionar”
Em entrevista ao "Jornal do Commércio"

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