quinta-feira, 31 de julho de 2008



MADRUGADA DE TERÇA: ENCONTRO DE POETAS NO RIO

“Eu quero fazer poesia. Quero uma experiência diferente.”
Para quem só sabe declamar seu número de CPF, saiba que no Rio de Janeiro existem grupos e mais grupos e coletivos e pessoas que passam as madrugadas de terça-feira na livraria Letras e Expressões, no Leblon, declamando poesia. É o Corujão da Madrugada, regido pela batuta de João Luiz de Souza, com quem o Repique foi falar para saber mais.

Luiz, conta um pouco do Corujão da Madrugada.
O Corujão é uma oficina de experimentação e de formação do prazer da leitura, no espírito de comunhão de nossas origens portuguesa, indígena, africana, em que as pessoas se sentam para ouvir histórias, e transmitir cultura oral. É um espaço que dá o pulso do que as pessoas estão lendo e escrevendo. É revezamento a noite inteira.

Quais são os grupos mais representativos?
Os Voluntários da Pátria, Ratos de Versos e Revista Confraria do Vento.

Como começou?
O Corujão tem um histórico que é o inverso de tudo o que acontece. A gente começou em São Gonçalo, depois Niterói, daí fomos para o Rio de Janeiro – sempre acumulando, Ipanema e depois Leblon no quarteirão que não fecha, que fica aberto 24hs.
Ou seja, fomos da periferia, uma zona de trabalhadores, para uma área de classe média alta, a despeito de todas as opiniões em contrário: “como vocês vão fazer poesia num lugar que só tem gente querendo se exibir?, onde estão os paparazzis, ali tudo é muito frívolo, IPTU mais caro da cidade, novela do Manoel Carlos, etc”. Mesmo assim quis experimentar a reação desse público, que parece, não precisam de nada.
Levei porrada de todos os lados. Mas apresentei o projeto na Universidade Salgado de Oliveira e eles me deram carta branca.

E lota?
Começamos da meia noite às 6 da manhã – que é um horário relativamente calmo. Em três meses não cabia mais no café, tivemos que mudar e ocupar toda a área de cima – público, mesa de som, caixa de som, quando a gente abre o microfone não tem menos de 40 pessoas inscritas a fim de declamar poesias próprias ou de autores de sua afinidade – conhecidos ou não, que apresentam poetas do Maranhão, do Recôncavo Baiano, por exemplo, que eu não conhecia.

Me impressionou quando vi como vocês formam um grupo articulado. Não sei dizer se tem disso aqui em São Paulo.
O Rio tem tradição poética. O Rio nunca deixou de ter sarau. Andaram caídos, mas agora, nos últimos quatro anos, as pessoas sentem necessidade de se encontrar. E aproveitam a poesia, que é um canal que mexe muito com a alma e com a emoção. A poesia transgride. E ali é um lugar em que você pode ser o protagonista. As pessoas se aproximam, acabam até namorando.
Até saiu uma nota no jornal dizendo que era um lugar em que solteiros e solteiras podem se dar bem. Porque a poesia seduz. Até o tímido acaba falando.

É um sucesso.
O grande segredo é a continuidade. É não interromper. Nos encontramos toda terça-feira, toda terça-feira tem Corujão. Até na terça gorda de Carnaval, na semana de Natal e Réveillon; se faz chuva, quando uma tragédia abala a cidade, a gente faz acontecer. Não é mais um evento, é um movimento.

E quais os temas que mais aparecem?
Tem muita denúncia social, muito poema ligado a liberação sexual, muito poema ligada à vida urbana. E culto muito presente a poetas como Fernando Pessoa, Manuel Bandeira, Rimbaud, Baudelaire, Carlos Drummond, Cecília Meirelles... É um lugar onde se aprende muito, porque as pessoas são muito obsessivas por certos poetas e acabam sempre contando um pouco sobre a vida e a obra do poeta.

Como é o público?
Tem desde verdureiro até banqueiro, atores e atrizes de novela, cinema, teatro.
Vem gente de todos os lados: gaúchos, pernambucanos, de Curitiba vêm muita gente, de São Paulo vem também. Tem gente que chega desavisada e gente que já chega sabendo que vai ter o Corujão e quer se aplicar um pouco de poesia.
Hoje estamos recebendo muitos turistas, gente que nem fala português e quer declamar um poema do lugar de onde vem. Então acontece de um croata declamar em uma língua que ninguém entende, mas todo mundo se emociona e bate palma no final.

E o projeto das bibliotecas? É fruto do Corujão, não?
De um ano para cá, a gente achou que tudo ia muito bem e estava muito bom, mas só para a gente. Então resolvemos distribuir a alegria e montar uma biblioteca em São Gonçalo com livros doados pelos freqüentadores.
Depois, o Marcelo Yucá e o delegado Orlando Zaconni me procuraram porque queriam montar uma biblioteca dentro da carceragem de Nova Iguaçu, na 52ª, no meio da facção do Comando Vermelho e da ‘Amigo dos Amigos’ – outra facção rival. Lá eu digo que os livros são a única coisa que compartilham
A terceira experiência foi em um hospital. E daí não parou mais. Hoje são mais de 25 pontos.

Quem quiser doar livros, mande e-mail para: a.cultura@nt.universo.edu.br

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