quinta-feira, 31 de julho de 2008



MADRUGADA DE TERÇA: ENCONTRO DE POETAS NO RIO

“Eu quero fazer poesia. Quero uma experiência diferente.”
Para quem só sabe declamar seu número de CPF, saiba que no Rio de Janeiro existem grupos e mais grupos e coletivos e pessoas que passam as madrugadas de terça-feira na livraria Letras e Expressões, no Leblon, declamando poesia. É o Corujão da Madrugada, regido pela batuta de João Luiz de Souza, com quem o Repique foi falar para saber mais.

Luiz, conta um pouco do Corujão da Madrugada.
O Corujão é uma oficina de experimentação e de formação do prazer da leitura, no espírito de comunhão de nossas origens portuguesa, indígena, africana, em que as pessoas se sentam para ouvir histórias, e transmitir cultura oral. É um espaço que dá o pulso do que as pessoas estão lendo e escrevendo. É revezamento a noite inteira.

Quais são os grupos mais representativos?
Os Voluntários da Pátria, Ratos de Versos e Revista Confraria do Vento.

Como começou?
O Corujão tem um histórico que é o inverso de tudo o que acontece. A gente começou em São Gonçalo, depois Niterói, daí fomos para o Rio de Janeiro – sempre acumulando, Ipanema e depois Leblon no quarteirão que não fecha, que fica aberto 24hs.
Ou seja, fomos da periferia, uma zona de trabalhadores, para uma área de classe média alta, a despeito de todas as opiniões em contrário: “como vocês vão fazer poesia num lugar que só tem gente querendo se exibir?, onde estão os paparazzis, ali tudo é muito frívolo, IPTU mais caro da cidade, novela do Manoel Carlos, etc”. Mesmo assim quis experimentar a reação desse público, que parece, não precisam de nada.
Levei porrada de todos os lados. Mas apresentei o projeto na Universidade Salgado de Oliveira e eles me deram carta branca.

E lota?
Começamos da meia noite às 6 da manhã – que é um horário relativamente calmo. Em três meses não cabia mais no café, tivemos que mudar e ocupar toda a área de cima – público, mesa de som, caixa de som, quando a gente abre o microfone não tem menos de 40 pessoas inscritas a fim de declamar poesias próprias ou de autores de sua afinidade – conhecidos ou não, que apresentam poetas do Maranhão, do Recôncavo Baiano, por exemplo, que eu não conhecia.

Me impressionou quando vi como vocês formam um grupo articulado. Não sei dizer se tem disso aqui em São Paulo.
O Rio tem tradição poética. O Rio nunca deixou de ter sarau. Andaram caídos, mas agora, nos últimos quatro anos, as pessoas sentem necessidade de se encontrar. E aproveitam a poesia, que é um canal que mexe muito com a alma e com a emoção. A poesia transgride. E ali é um lugar em que você pode ser o protagonista. As pessoas se aproximam, acabam até namorando.
Até saiu uma nota no jornal dizendo que era um lugar em que solteiros e solteiras podem se dar bem. Porque a poesia seduz. Até o tímido acaba falando.

É um sucesso.
O grande segredo é a continuidade. É não interromper. Nos encontramos toda terça-feira, toda terça-feira tem Corujão. Até na terça gorda de Carnaval, na semana de Natal e Réveillon; se faz chuva, quando uma tragédia abala a cidade, a gente faz acontecer. Não é mais um evento, é um movimento.

E quais os temas que mais aparecem?
Tem muita denúncia social, muito poema ligado a liberação sexual, muito poema ligada à vida urbana. E culto muito presente a poetas como Fernando Pessoa, Manuel Bandeira, Rimbaud, Baudelaire, Carlos Drummond, Cecília Meirelles... É um lugar onde se aprende muito, porque as pessoas são muito obsessivas por certos poetas e acabam sempre contando um pouco sobre a vida e a obra do poeta.

Como é o público?
Tem desde verdureiro até banqueiro, atores e atrizes de novela, cinema, teatro.
Vem gente de todos os lados: gaúchos, pernambucanos, de Curitiba vêm muita gente, de São Paulo vem também. Tem gente que chega desavisada e gente que já chega sabendo que vai ter o Corujão e quer se aplicar um pouco de poesia.
Hoje estamos recebendo muitos turistas, gente que nem fala português e quer declamar um poema do lugar de onde vem. Então acontece de um croata declamar em uma língua que ninguém entende, mas todo mundo se emociona e bate palma no final.

E o projeto das bibliotecas? É fruto do Corujão, não?
De um ano para cá, a gente achou que tudo ia muito bem e estava muito bom, mas só para a gente. Então resolvemos distribuir a alegria e montar uma biblioteca em São Gonçalo com livros doados pelos freqüentadores.
Depois, o Marcelo Yucá e o delegado Orlando Zaconni me procuraram porque queriam montar uma biblioteca dentro da carceragem de Nova Iguaçu, na 52ª, no meio da facção do Comando Vermelho e da ‘Amigo dos Amigos’ – outra facção rival. Lá eu digo que os livros são a única coisa que compartilham
A terceira experiência foi em um hospital. E daí não parou mais. Hoje são mais de 25 pontos.

Quem quiser doar livros, mande e-mail para: a.cultura@nt.universo.edu.br

terça-feira, 29 de julho de 2008


MÚSICA, ARTE E PSICODELISMO NA AREIA
( NATAL, ANOS 70 )

Mais cedo ou mais tarde as mudanças chegariam. Nos anos sessenta a concentração de banhistas se deslocaria de Areia Preta até a Praia do Forte, com suas piscininhas naturais e a imponência do Forte dos Reis Magos guardando o lugar. Para lá se dirigiam as famílias, crianças com pás e brinquedos de areia, casais de namorados que caminhavam de mãos dadas sob o olhar de todos.
A Praia do Meio, na sua condição de ser do meio, deixava que viessem a ela as classes mais baixas: quem descia das Rocas ou tomava o ônibus no Alecrim ou Cidade da Esperança. O pessoal de uma praia não invadia as areias da outra, cada um consciente de seu espaço.
Com os anos setenta, novos ventos sopraram naquele pedaço de praia. A revolução mundial dos costumes refletia por aqui. Contracultura, movimento hippie, baseados, tudo isso vinha aportar também em nossas praias. Filmes como Easy Rider e Woodstock eram exibidos na Sessão de Arte do cinema Rio Grande, discos dos Beatles e dos Rolling Stones evaporavam das prateleiras. O comportamento jovem passava a ter outro relevo. Tudo era determinante, as roupas que se usava, aquilo que se comia e, claro, a praia a qual se frequentava. Segundo o músico Luiz Lima, que viveu ativamente essa época, " no início da década de setenta, começou a acontecer uma transformação nos ares e nos lugares da cidade, em toda parte a moçada começava a se dividir. De um lado ficavam os ‘caretas’, de outro, nós, os ‘malucos’ ".
Para os caretas, tudo continuaria igual, já os outros precisariam de mais espaço para estravazar sua arte e inconformismo, distante da área militar e família da Praia do Forte. Foi aí que se descobriu a Praia dos Artistas.
A praia deixava de ser um lugar destinado apenas a caminhadas ou banhos de sol e mar, tornando-se porto para o deleite do corpo e da mente, aproveitado ao longo de todo o dia e também durante a noite. Logo começaram a surgir bares, barracas, quiosques, boates, espaços culturais, que se estendiam da Praia dos Artistas até a Praia do Meio, que se tornaram cartão de visita de Natal e grande opção de quem quisesse conhecer a noite da cidade.
As areias ganhavam o colorido das batas indianas, camisetas explodindo em motivos psicodélicos, e o brilho dos corpos ao sol rivalizava com o brilho das lantejoulas ao luar. Arte e cor eram trazidas por uma grande leva de estudantes universitários, pretensos artistas locais, que tinham na Praia dos Artistas seu ancoradouro. O país atravessava uma fase de ditadura e opressão, talvez por isso, o ato de criar se fizesse tão necessário.
Bares como o Tirraguso, o Artmanhas, a Casa Velha se enchiam de rostos jovens. Eram atores, dançarinos, artistas plásticos, poetas ensaiando o que ia ser a época de ouro da cultura da cidade. Todos fazendo uso daquele espaço para mostrar o que sabiam. E não parava por aí...o tinham as barracas toscas da Praia do Meio, ainda na areia, como a famosa "Barraca da Marlene" para quem queria sentir o mar perto. "Era nas barracas que nos reuníamos para compor as melodias da banda Gato Lúdico, eu, Jaime Figueiredo, Carlos Lima e Claudio Damasceno. Lá vivíamos noitadas acompanhados do violão, dos mixes de cachaça com cerveja e tiragosto", lembra o arquiteto e artista plástico Vicente Vitoriano.
Na época, a praia possuia dois espaços culturais: a Galeria do Povo e o Artelier. Também abrigando o primeiro restaurante macrobiótico de Natal, onde o pessoal ia se liberar das toxinas consequentes dos excessos noturnos com os pratos do proprietário Véscio Lisboa. Na segunda metade dos anos setenta, surgiu o Festival do Forte, idealizado pelo músico Luiz Lima, o artista plástico Sandoval Fagundes e o escritor Carlos Gurgel.
"O festival acontecia na terceira lua de cada mês e era um momento de muita música, muita poesia e muita loucura, depois disso, nunca houve nada em Natal tão contundente para nossa cultura como o Festival do Forte", recorda hoje Gurgel, com os olhos cheios de nostalgia. Yuno Silva, estudante de Comunicação, era criança nesse período, mas lembra de quando era levado pelos pais junto com o irmão para curtir o festival, "Os moleques ficavam pulando naquela casa de armar no meio do Forte. Era incrível, sendo criança, ver de perto artistas como Chico César, Aguillar, Chacal, Jards Macalé...são tempos que não voltam mais.
Durante os anos setenta e oitenta, a praia dos artistas era um lugar concorrido durante toda semana. A jornalista Cione Cruz diz que " a partir das quintas feiras, íamos à praia de dia para tomar sol e à noite exibíamos nosso bronzeado nos bares e boates de lá". Havia ainda uma turma que fazia da praia dos artistas a sua casa, gente que chegava de manhã, depois da aula, de mochila nas costas, trocava o calção de banho e ia jogar frescobol nas areias ou surfar naquelas ondas. Um bom exemplo desse tipo de frequentador era o jornalista Flávio Rezende, assíduo jogador de frescobol, "chegava por volta da 11, 12 horas, depois das aulas do curso de Comunicação da UFRN e ficava até às 18 horas". Nos anos oitenta se intensificou também a prática do surf, daí vieram o campeonatos ao bar caravela, transmitidos nos alto falantes. "Sinto saudade do rock muito alto que tocava durante os torneios, dos amigos sem hora pra ir embora, as paqueras na beira da praia e os beijos na boca apaixonadíssimos, que até deixava a gente meio fraco..."
Com a ida dessas décadas, foram-se também a grande maioria dos frequentadores do lugar. A maturidade e as ocupações iam distanciando pouco a pouco os antigos. E a falta de segurança inibia a formação de uma nova geração de praieiros. A reurbanização e construção dos quiosques de cimento, ao invés das barracas, não foram suficiente para assegurar a reestruturação da área.
Natal acontecia agora bem longe dali. As diversões eram outras, as praias também. A burguesia ia de carro até os distantes litorais norte e sul, procurando aquilo que já não se via mais no urbano: segurança, tranquilidade. O desfile de beleza nas praias urbanas, as paqueras no calçadão, davam lugar a um outro tipo de oferta. O "quem me quer" adquiria outra feição com a explosão do turismo e a procura dos estrangeiros pelas mulheres locais.
MARIZA - MEU FADO MEU



OS ATENTADOS DE JOMARD MUNIZ DE BRITTO
Por
Bruno Nogueira - Recife

Jomard Muniz de Brito - Uma qualquer Recife

Uma qualquer Recife cidade sitiada
é a escuta PSI,
a escritura psiu de seus arquitetos da mais sutil
urbanidade ao redor dos favores
da SANTA CASA DE MISERICÓRDIA.
Restauram apenas fachadas em cores vivas,
reinventando a cidade-cartão-postal-global
em sua dignidade tão degradante, sufocada,
turismo mimético do Pelourinho e advertências.
Uma cidade, além das dúvidas e suspeições,
é o conjunto de seus buracos. Imanentes e
galácticos. Cartesianos e dionisíacos.
Gilbertianos por todos os séculos.
- Jomard Muniz de Brito

Sofri meu primeiro atentado poético quando voltava de casa para o trabalho. Confesso que só conhecia aquela figura, que passava todos os dias caminhando nas transversais da principal avenida do centro do Recife, a Conde da Boa Vista, tempos depois. Bermuda, meias longas, cabelos brancos sempre penteados para trás, óculos de armação grossa e escura. Jomard Muniz de Brito sempre passava com sua pasta, com várias folhas impressas – ou eram xerox? – com algo de sua autoria. Não entrega a qualquer. Depois que soube disso eu tive até orgulho.

Não lembro muito bem sobre o que era o então atentado. Isso porque, daquele fim de tarde até hoje, quando vim a conhecer todos os detalhes sobre o que considero ser o maior livre-pensador em circulação na capital, perdi a conta de quantos tantos outros recebi. Sobre o Papa, sobre as eleições, Caetano Veloso, o 11 de setembro e o que mais fosse notícia. Jomard sempre desenvolveu seu fraseado com uma das construções mais inteligentes de palavras que já li. Sempre de maneira despretensiosa, divertida, aparentemente sem compromisso. Sua presença é sempre certeza de uma inquieta pausa na correria (sub)urbana para muita reflexão.

E ele está sempre presente em todos os lugares.

Em tantos, que me permiti o prazer de não entrevistá-lo formalmente, mas de descobri-lo. Com 70 anos completados há poucos meses, uma das primeiras coisas que descobri é como é fácil cair no clichê de recitar ofícios quando o assunto é Jomard Muniz de Brito. Professor da Universidade Federal da Paraíba, ainda insistente aluno da Universidade Federal de Pernambuco, poeta, ator, diretor, escritor, crítico de cinema e de música, cineasta. A lista cresce o tanto quanto a paciência do ouvinte permitir. Das salas de aula, aos porões da ditadura militar, gosto de pensar em Jomard como o perfeito antagonista a outro famoso paraibano, o escritor Ariano Suassuna.

O que o segundo propõe de tradição, o primeiro oferece de modernidade. Ariano condenou o manguebit, Jomard freqüentou o festival Abril pro Rock. O dualismo mais divertido que já observei, antes de descobrir que ele foi nosso principal representante do tropicalismo. Qual seria minha surpresa, tempos depois, pesquisando, ler que o hoje secretário de cultura já deu dois murros no jornalista Celso Marconi, justificando que “era para Jomard, mas já que ele não está aqui, leva você mesmo”. Bingo. Estava mesmo certo.

“Filho da pernambucana Maria Celeste Amorim Silva com o paraibano José Muniz de Britto, nasci na Rua Imperial, bairro de São José, em 1937. Sou híbrido de nascença, mas errante por opção antiprovincial. Mas foi o escritor José Rafael de Menezes que me levou a ser professor titular da UFPB”.
Em entrevista ao Jornal do Commercio

Seus atentados poéticos nasceram de uma proposta editorial para publicar um livro. Funcionam como uma coletânea de trabalhos, mas que nunca pararam de ser gerados após o dito chegar às prateleiras. Já haviam sido anunciados em 1997, quando na ocasião de um disco, Jomard começava a discorrer sobre uma “filosofia pop”. O termo, entenda como quiser, é o melhor filtro para observar as passagens de Jomard Muniz de Brito. Autor também de “Contradições do Homem Brasileiro”, que foi recolhido pela ditadura, que forçou sua aposentadoria sob o argumento de que ele influenciava negativamente a mente dos jovens. Se é que você me entende...

“Ele dizia que, sem o mínimo consenso de humor, a tragédia brasileira seria muito mais insuportável”, lembra, evocando o ex-caixa do Banco Econômico, na Bahia. Jomard apressa-se e corrige a frase: pede para tirar consenso. “Não gosto, de jeito nenhum. O pensamento homogêneo, único, o politicamente correto, tudo isso vem do nosso capitalismo tardio e onipresente”, fala o homem que acumulou vários rótulos ao longo de sua existência: tropicalista, iconoclasta, agitador, maluco, marginal e até baiano. Tudo por causa de sua conhecida e íntima relação com figuras como Glauber Rocha e Caetano Veloso, entre outros.
Em entrevista ao Jornal do Commercio

Observar esse trânsito de Jomard em tantas camadas intelectuais – da vernisage ao show de rock, da mesa de debate a mesa de bar – é perceber o quanto o tempo não passou. Ou, mais grave, o quanto tempo ainda precisa passar. Este “último dos Dandis”, como já foi citado, ressurge sempre apresentado por um novo sorriso de quem percebe os trâmites do pensamento, mas não se importa em revelar. A modéstia é sempre seu maior charme. A maneira como ele a consegue expor – nos fazer perceber que ele está sendo modesto - é sempre um irresistível convite a seus atentados poéticos.

“Nós, ainda intelectuais, precisamos perder ou dispensar tanta arrogância de salão ou de televisão. Confiar menos na potência de cantos e cátedras. Suspender afãs de julgamento. Trapacear com as linguagens estabelecidas. Cultivar a ironia socrática nos aforismos nietzscheanos. Cortes epistemológicos arrebentando o núcleo das complexidades.”
Em entrevista a Revista Trópico

Palavras que, importante reforçar, não tomam apenas forma escrita. O atentado de Jomard é visual, auditivo e como mais ele conseguir expressar. Em tempos em que a vida e a função do CD está em questão, ele fez o que é mais recomendado para compreender essa história. Gravou um, junto com a banda Comuna, e disponibilizou inteiro na Internet. Seguiu com a história. Abriu uma conta no MySpace e no Youtube. Uma metáfora perfeita para avisar que Jomard Muniz de Brito abriu as portas de sua produção, para todos aqueles que estejam interessados em também descobri-lo.

“Amador, como um contra-burguês, tal diz Roland Barthes; e um amador, como um incompetente, tal diz o senso comum”, explica. “Comungo a anti-ambição de ser um cineasta profissional. Minha única atuação profissional foi lecionar”
Em entrevista ao "Jornal do Commércio"

segunda-feira, 28 de julho de 2008



TRAÇA HUMANA

em pé
arfamos em debilóides círculos
como circos cicuta
amorfinando céus e degraus

em pé
cálculos são desfeitos
tão tijolos de uma mesma cargamassa
de forma que arquemos e nem rogamos

à media luz
pensamos que somos párias
em colchete debandada entre cóis
e o mu(n)do todo à zunir

de bruços
lufamos da mísera humana
tão estrilo de uma feérica fúnebre
saltamos ar e nem restamos

deitados
somos tão postas e enrodilhados
parecemos espécies tão macas e arlequins
uma montanha de estilos vazios e alfinins

deitados
nada ficamos a dever
como direito tão troco do oco
pouco do muito que pelo meio nem lembramos.

Cgurgel


AI DO MAR


névoa que de nada me leva
me lave e me voa
entre o mar sargaço
e a onda que me bolha

onda que de nada estepe
urra entre o arrecife e o ali
como pele que flana ecoa
por sobre o meu corpo e o latim

e os borralhos que estão no fim do grão
se espraiam na esteira de troncos e galhos solteiros
manhã que do mar de uma praia deserta
nado que do ar que do fim recolho.


Cgurgel

domingo, 27 de julho de 2008



PRIMEIRO CONCURSO VIRTUAL DE POESIA "TRADIÇÂO PLANALTO"

A Tradição Planalto Editora, irá promover seu primeiro concurso literário, com o intuito de incentivar a produção literária e abrir espaço para a divulgação de novos valores nessa área. A primeira edição abrirá espaço para a categoria poesia, na qual poderão ser inscritos poemas inéditos escritos em língua portuguesa. As inscrições estarão abertas entre os dias 01 a 31 de agosto, e poderão ser feitas através de e-mail ou pelos correios, havendo premiação para os 10 primeiros colocados.


ELE, EGBERTO
por Edson Wander
Gismonti: do Brasil para o mundo, sem alarde.Egberto Gismonti anda sumido do cenário musical brasileiro. Pelo que aferi da conversa recente que tive com ele por telefone, por ocasião de um show aberto num shopping de Goiânia, parece um sumiço voluntário. Ao menos do Brasil, já que ele mantém uma agenda requisitada no exterior.

Achei-o meio amargurado, fruto provavelmente de um descaso do complexo midiático-industrial-fonográfico, em que pese ele dizer fugir disso como o demo da cruz hoje em dia. Deve ser a mesma amargura que acometeu Tom Jobim no fim da vida, de resto bem compreensível. Noutros momentos, Gismonti me pareceu até meio xiita, já que tem se recusado a ter os discos dele e do selo dele, a Carmo Discos, distribuídos no Brasil.

Mas é sempre interessante ouvir um cara como ele. Leiam e tirem suas conclusões:

Nos anos 70 e 80 você teve uma produção intensa no Brasil. Isso continua? Como está a sua carreira em termos de produção de show, de música etc?
Na realidade, você está falando uma coisa que provavelmente chegou a você. É o seguinte: nos anos 70, 80 e 90, ou seja, praticamente nessas três décadas aí, eu fiz 60 discos. Quem faz 60 discos, tem de parar para pensar e não fazer bobagem daí para a frente. Sessenta discos já é coisa demais! É número de disco para três ou quatro pessoas. Então, o que aconteceu nos últimos quatro anos é que não saiu disco meu.

O último foi aquele com Charlie Haden?
Não. Esse foi lançado porque esse show de Montreal em 2001 foi muito bonito e tal. Aí lançaram. O último que por coincidência também é um show de Montreal, mas foi com Zeca Assumpção e Nando Carneiro, que até passou na tevê fechada, volta e meia eles reprisam.

Isso foi em que ano?
Isso foi há três ou quatro anos. Foi o último a ser lançado. Só que nesse período de espera eu estou gravando muitas apresentações sozinho, com orquestras, para poder fazer um lançamento mais interessante.

Você está falando de DVD?
Não, não. DVD não. Nisso eu não tenho o menor interesse por enquanto. Também não tenho interesse só em fazer disco mais. Tenho interesse nesse lançamento próximo, que vai ser uma caixa com quatro ou cinco discos, não é só ter uma caixa e não é só compilação. Compilação eu tive várias. Mas não é isso. Agora posso me dar ao luxo de ser o co-produtor de uma caixa de quatro ou cinco discos com a ECM Records. Por que eu quero ser co-produtor? Porque eu vou realizar um sonho de quatro, cinco ou seis anos, que é fazer uma caixa com discos e vendê-los baratésimo para pessoas que na realidade construíram a minha vida profissional. Não é barato de custar R$ 20, é barato para custar R$ 7 ou R$ 8 cada disco. A minha intenção é essa, porque passados todos esses anos, depois de fazer tantos discos, o meu objetivo não é mais fazer discos simplesmente. Eu tenho discos demais, tenho filmes demais, trilhas demais, o que me interessa agora é mexer com outros departamentos relacionados à música. Como em anos passados eu mexi com as questões dos direitos dos fonogramas.

Você fala da recuperação dos direitos da sua obra e a parceria com a ECM Records?
Sim, consegui muita da coisa da EMI e outras gravadoras. E isso já abriu possibilidades de uma outra história. E agora eu quero abrir um troço que está me custando muita discussão nos últimos tempos. Porque as companhias pelo mundo afora, os editores, não aceitam que o disco seja vendido tão barato. Então, para conseguir que o disco custe muito barato, eu tenho de ser o co-produtor disso, porque não é justo eu pedir ao outro que gaste dinheiro e não ganhe dinheiro. Então, eu tenho que ser o co-produtor para fazer com que o disco caia de preço. Meu próximo passo é esse. E não estou fazendo isso daí para ser bonzinho com ninguém, é porque quem faz uma carreira durante trinta e tantos anos como eu estou fazendo, com tantos discos, tantas coisas, é porque teve apoio de gente pra diabo. É uma maneira de agradecer às pessoas. Se eu pudesse dar de graça, eu faria. Vai ser o primeiro passo bacana da Carmo como parceira da ECM, porque antes a Carmo produzia os discos e a ECM distribuía. Agora não. Agora é uma produção ECM-Carmo, as duas empresas juntas.

Muitos falam no preço como um dos fatores do cataclismo da indústria do disco, será?
Não sei, mas de graça eu não posso dar, porque eu não tenho fábrica de discos. Não sou fonógrafo. Eu preciso ter o mínimo. Eu não sei se você sabe, mas existe um negócio chamado preço de venda. A fábrica vende para os lojistas por um preço "x". O lojista cobra 100%, 150% em cim ado preço. Se o disco custa R$ 30, R$ 35 na loja, é porque custou R$ 15 para o lojista. Aí, depois de fazer todos os cálculos, eu concluí que o disco hoje, pagando direito a todo mundo, mas não tendo tal lucro-vendas, pode ser vendido nessa faixa de preço. Porque eu não quero deixar de pagar direito a ninguém, do compositor, do fotógrafo, músico etc -, mas acho que o disco pode custar uns R$ 8 ou R$ 9 que paga todo mundo.

E o que será o repertório dessa caixa?
Tem muita coisa nova; tem um disco que fiz de piano-solo no Teatro Cólon, na Argentina, que ficou uma beleza; tem dois discos gravados em Cuba, orquestra não sei de quê; tem disco de dueto com meu filho tocando dois violões, enfim.

A mudança de ambiente tecnológico, a era do MP3, interferiu na sua produção musical?
Não, em nada. Tem um disco meu gravado no início da década de 80, final de 70 para 80, um disco chamado Alma, que dentro do disco vieram as partituras todas impressas em computador. Quer dizer, eu já uso computador há 20, 30 anos. E-mail para mim é um negócio que tem quinze anos de idade. Como eu trabalho com a ECM Records, que é uma companhia que tem muita ligação com a tecnologia, talvez você se lembre que eu fiz um disco chamado Trem Caipira, que vinha um carimbo na capa dizendo assim, "Primeira Gravação em PCM Digital". Quer dizer, o MP3, eu sei disso há dez anos. Hoje em dia você compra o MP3 por dez merrecas, em qualquer esquina. Mas eu já conheço isso há muito. E para mim não passa de mais um instrumento que a tecnologia disponibilizou para facilitar a vida das pessoas.

Mas hoje o tráfego digital das músicas é mais intenso e livre
A única coisa que eu diria é que se faça uma compressão de melhor qualidade. Faça uma compressão de 128 kbps e não de 60, porque estão desrespeitando até a qualidade da música. Se você comprime para 60, 70 kbps, você perde toda a câmara de harmônicos e aí não adiantou nada o cara gravar bem. Quer piratear, pirateie, mas faça direito (risos).

A este respeito, há estudiosos que afirmam que para a música de concerto, o MP3 é uma tragédia. Concorda?
Não concordo. Há diferentes níveis de compressão em MP3, eu não sei que tipo de computador as pessoas usam, mas se você usa um computador melhorzinho um pouco, você tem a opção do nível de compressão. O nível de compressão é que determina a qualidade final de audição.Eles falam exatamente isso: do que jeito que se comprime hoje é prejudicial para a qualidade do que se ouve.É porque a maioria das pessoas usa uma conecção lenta, aí não convém ficar mandando coisas com mais de 700, 800 kbps. Uma coisa bacana, um disco bem comprimido, vai ter cerca de 15 a 18 megas. Isso daí, o nego não pode ficar enviando e baixando. Quando você entra na iTunes, por exemplo, no negócio da Apple, você baixa, paga, e vem com 256 kbps, que é o dobro do necessário para você converter isso em 40 mil hertz e colocar num CD, é muito bom. Ai você pode avaliar melhor o que está gravado, qualquer tipo de música. O que eu acho de piano digital? Piano digital está ótimo se o piano for bom. Tem piano digital que você dá para criança e tem piano digital que o nego pode carregar para onde quiser e tocar bem. O que é o violão? Violão, se você tiver um violão mais ou menos, está ótimo. Se você tiver um violão melhor amplia seu alcance sonoro, claro. É igual a qualquer outro objeto utilitário para para nossas atividades profissionais. O que você acha de um carro faltando três rodas? Está ótimo? Só que é um carro que não vai andar. Eu não sou contra nada não, eu tenho é contra coisa ruim. O cara comprime muito mal. eu de vez em quando me dou ao luxo de entrar nesses lugares para dar uma olhada. Às vezes eu olho, digo "cassete, os caras estão comprimindo a 60, 70 kpps, que porcaria de qualidade". Mata a música. É nessas horas que penso, pôxa para quê que levei essa orquestra desse tamanho para gravar? Por que a gente ensaiou tanto dentro de casa para ouvir essa porcaria de som aí? O problema é só esse.

Você acha que a mídia CD vai morrer?
Eu não sei. Acho que nisso aí tem muita previsão fácil. É chutódromo puro, porque quem pode saber? Acho que a pergunta melhor seria assim, "vai existir música?" (risos). Porque na levada que está aí, o cara que quiser tocar um piano, um violão, vai estar dentro da sala de um museu.

Você se destacou inicialmente como pianista e depois foi para o violão. Como essa passagem?
Eu não sei. De fato, o violão apareceu profissionalmente para mim mais tarde. Acho que uma explicação possível é familiar. O meu pai era um árabe que chegou de Beirute junto com a família dele ao Brasil; e minha mãe é italiana. Quando eu comecei a estudar música, meu pai fez questão que eu estudasse piano, porque Beirute naquela época era um lugar aristocrático, aí tinha que estudar piano. E a minha mãe, mais para a frente, como italiana típica que era, dizia "piano está muito bem, mas cadê a guitarra para a serenata?" Ela falava guitarra se referindo ao violão. Aí eu comecei a mexer. E você sabe que o negócio é se você pega uma criança de 6, 7 anos de idade e começa a falar três línguas com ele, quando ele tiver 10, fala as três línguas e não sabe que tem diferença de uma para outra. Música para mim foi assim. Comecei a estudar e a tocar dois instrumentos ao mesmo tempo. Hoje em dia eu tenho consciência de que violão não tem nada a ver com piano e vice-versa.

São instrumentos que têm linguagens próprias. Até para criar...
Sim, é o que eu estou comentando. Como esse troço me foi mostrado muito cedo, sem preconceito, ficou muito assim "toque piano, que é o melhor instrumento que há no mundo" e minha mãe veio e falou "não é nada, toca violão, porque é o melhor". Aí eu toquei os dois.

As poucas vezes que você cantou sua música não ficou ruim, por que não explorou mais esse lado na carreira?
Você é que está falando que ficou legal, agradeço, mas eu não achei não. É que eu não queria entrar num departamento em que não me sinto à vontade. Às vezes as pessoas comentam comigo assim 'ah, mas até o fulano tá cantando agora', se referindo a algum músico não acostumado com o canto. Mas aí eu respondo que quando eu toco violão, não se diz que 'até eu estou tocando violão'. Eu não faço quando eu não dou conta direito. Eu quis experimentar e experimentei algumas vezes. Achava que estava bom, mas quando passavam seis meses, um ano, eu dizia 'opa, esse troço tá muito ruim'. Volta e meia eu encontro uns malandros por aí que dizem 'pôxa, era tão ótimo'. Eu respondo 'então, tá bom. Você achou, mas eu não achei não'. Era um negócio que quando eu ia gravar um disco instrumental, eu gravava em três, quatro dias. Já para botar voz eu levava 20 mil vezes a mais. Aí eu concluí 'não, esse negócio tá errado'.

Quando você começou, a música instrumental no Brasil tinha um espaço que acabou. No entanto, há uma produção independente hoje que tem facilitado a produção desse tipo de música. Como avalia isso?
Para quem produziu a quantidade de coisas que produzi, sem a própria gravadora, sem a própria editora, e vive muito bem obrigado, não está melhor nem pior. Está a mesma coisa. O que eu acho e falo sempre para os meus filhos é que hoje, para se começar uma carreira, é muito mais difícil do que há trinta anos, não tenha dúvida. Na realidade, a facilidade de antes é porque os chamados produtores, as gravadoras, estavam se instalando no Brasil e precisavam correr atrás dos artistas. Então você encontra na década de 70 uma turma da minha geração que estava começando nessa época. Vamos pegar aí João Bosco, Milton Nascimento, eu, todo mundo que começou nesse período, e se você espremer, vai ver que todos nós começamos gravando três, quatro, cinco discos, que não venderam nem 15 cópias, nem para nossas famílias vendíamos (risos). As companhias faziam contrato para fazer quatro, cinco discos. Elas precisavam arriscar. E estavámos despontando numa época em que música popular era cantada por Elis Regina, composta por Tom Jobim, uma outra época de música. Hoje em dia mudou muito o conceito da coisa e aumentou muito a produção, é verdade. Mas significa que quem vendia um número muito pequeno de disco, continua proporcionalmente vendendo o mesmo tanto, só que mais espalhado e pode significar até um aumento em alguns casos. A turma que gosta da música mais sofisticada continua gostando e ajuda a disseminá-la aos poucos. Casaram, tiveram filhos e vai por aí. Falo isso porque a música que faço pode ser definida naquele dito popular de grão em grão a galinha enche o papo. Eu gravo um disco hoje, ele sai em 40 países. Não vende muito não, mas vede 300 mil cópias. Ou seja, está dentro daquela margem que você produzia antes para um país só.

A nova geração de músicos do gênero instrumental tem um ambiente melhor para produzir?
Olha, não sei. Recebo muito disco, muito demo por aí e poderia responder que o que está acontecendo na música é algo que está acontecendo de maneira geral na cultura. Todo mundo tem um acesso imenso à informação, mas o que está sendo esquecido é que informação sozinha não quer dizer nada. A única coisa que tem sentido é quando a informação é sedimentada dentro de cada um e se transforma na própria cultura de cada um. Não adianta nada você ter acesso a todas as livrarias do mundo por meio de um navegador qualquer, porque as informações vão continuar lá. Quando se tinha pouca facilidade para chegar à informação, valorizava-se muito mais isso. Eu me lembro que na minha época eu custei a tocar profissionalmente. Quando eu queria uma partitura de algum músico, eu corria atrás e copiava. Para copiar você precisava saber escrever música. Hoje você baixa não sei de quê, faz um xerox aqui, usa um scanner ali. Então, hoje a facilidade é grande demais, mas as pessoas não sabem o que fazer com ela. Evidentemente tem exceção, mas boa parte do material que recebo, me parece um mergulho muito rasinho ainda. Não tem como aproveitar.

Então é o velho problema da formação?
Pode ser. Eu sei que na época em que eu tinha 20 anos, que é a idade da moçada que está me mandando material, a gente tinha como referência Tom Jobim, João Gilberto, Pixinguinha, Villa-Lobos etc. A referência era essa. E a hora que queria aprender uma música, tinha de correr atrás da partitura, aprender a tocar música tinha que ir para o show porque não tinha esse negócio de gravador para ficar gravando, muito menos pendrive para carregar daqui pra lá e assim por diante. Mas, de novo, acho que o problema é mais amplo. Esse negócio da facilitação pode ser comparável a qualquer coisa. Antigamente, tinha-se muito menos acidente de carro, claro, pois tinha menos carros, mas eles não corriam tanto. Eu ouvi uma notícia ontem dizendo que em São Paulo morre um motoboy por dia. Um motoboy por dia! Aí pensei 'pô, mas que coisa horrorosa!'. Depois meditei assim 'mas como criticar o motoboy se nós todos queremos que o serviço chegue rápido?'. Quer dizer, nós estamos numa sociedade muito contraditória, muito maluca. E o mesmo se presta para música, literatura. Entre meus amigos escritores o comentário geral é que está todo mundo tendo idéias ótimas, mas neguinho não está sabendo escrever. Você vai ler os blogs é uma brincadeira. Nem corretor gramatical neguinho está usando. Eu acho que o que acontece na escrita, está acontecendo em toda forma de expressão artística, seja música, seja pintura etc.

Você tem revelado novos músicos pelo seu selo. Quais são os últimos e com que tiragem?
Os discos da Carmo saem em cerca de 30 países, distribuídos pela ECM Records. Não temos a pretensão de grandes tiragens, nunca tivemos, então temos uma cota mínima. E eu sei que um disco da Carmo, quando o artista é totalmente desconhecido, vai poder atingir essa cota. A Carmo já passou a ter um significado, mesmo que pequeno, dentro do mercado europeu, por exemplo. Essa cota significa oito, nove mil discos. Então a gente prensa sete, oito mil discos, distribui e vê a reação nos primeiros seis meses. Se for muito boa, manda fazer mais cinco mil e por aí vai. Nossos últimos lançamentos são a Silvia Iriondo, uma cantora argentina excepcional. Tem um músico francês, que se chama Bernard Bernard Wystraëte, que tem um disco de flautas, instrumental; tem o disco de um dueto australiano, de violão e flauta doce, que é um absurdo, eu nunca vi ninguém tanto como esses dois aí. É violão popular e flauta, só que usa flauta doce. É um negócio danado de interessante. E temos também o brasileiro Quaternália (quarteto de violões).

Você é tímido na sua divulgação ou preferiu se voltar ao mercado externo?
Nem uma coisa, nem outra. O fato é que eu não tenho o menor interesse, nunca tive, em participar de mídia nenhuma. Não tenho interesse. Qual é a razão? É simplesmente por não ter, não é porque eu acho que a mídia é isso ou aquilo. Você poderia perguntar, 60 discos e por que não tem um DVD? Eu podia ter 10, mas não tenho nenhum porque eu não gosto de DVD também. Tenho várias fitas de vídeo gravada na década de 80, de shows, que os caras me aporrinharam tanto que foram lançadas algumas. Agora querem transformar em DVD e eu não concordo. Não estou a fim.

Tem algumas coisas suas no Youtube
Eu sei, tem um monte delas. Toda hora me avisam e eu vou lá. Tem um troço, inclusive, que tá dando uma briga danada, que é um show junto com Charlie Haden que colocaram lá uns 45 minutos dele, quase todo o show. Tem um monte de coisas assim, mas eu não tenho timidez nenhuma. O que me interessa está voltado para outras coisas. Eu comprei os direitos de comercialização de todos os meus fonogramas. Só que para fazer isso, eu tive de estudar direito autoral durante dois anos e meio. Então, eu gastei dois anos e meio, quinzenalmente, tomando aulas com dois advogados. Depois fui para o Xingu, passar três dias dentro de floresta para ter contato com os pajés e saber um pouco sobre esse lado brasileiro. Esse é o meu interesse. Por exemplo, qualquer pessoa que faça cinema e tivesse feito filmes com a participação de Marlon Brando, Al Pacini teria soltado foguete. Eu não soltei foguete nenhum. Qualquer pessoa que ganhasse um Grammy por disco, teria soltado foguete, eu não soltei. Estou falando de coisas que tem 15 anos. Não tenho o menor interesse. No Brasil, já ganhei seis vezes melhor trilha de cinema. Ninguém sabe disso, porque eu não tenho o menor interesse que saibam. Eu já estou satisfeito. Não gosto de ficar nessa badalação.

Tem recebido novos pedidos para trilhas?
Não param de fazer. Os últimos filmes que fiz foram Estorvo e Gaigin 2 . Tinha recebido também O Redentor, mas aí só sugeri a música do Carlos Gomes e acabei não fazendo porque não teve trilha original. E continuo fazendo, mas sem nenhum alarde. Aliás, não tem timidez. Ninguém que faz 60 discos, 30 filmes, 27 trilhas de cinema etc tem timidez. E só não gosta de ficar convivendo com a chamada mídia. Quero que entendam isso.

Mas você nem seu selo têm sites, por que?
Porque não gosto disso. Não tenho e não quero.

E a Carmo não tem distribuição no Brasil...
Não, não quero também. No Brasil está dando muita confusão, tem muita safadeza com esse negócio de disco e eu não quero me aborrecer. Eu quero viver feliz. É só isso que eu quero agora. Depois de gravar tanto, de viajar tanto, só me interessa ficar feliz.

Seus shows no exeterior continuam frequentes?
Reduziu porque eu não preciso mais passar um mês fora do Brasil em cada viagem, eu passo dez dias, faço praticamente as mesmas coisas que eu faria antes e pronto. Vou me divertindo da maneira que tenho vontade.

quinta-feira, 24 de julho de 2008


UNIQUE


talvez
pela pele te reconheça
como uma manhã que me deixou em falso
carcomendo uma leve brisa
de um casaco que a lua me abrigou

talvez
como uma lógica tremida
eu vou pelo tempo que me cega
como infortúnio de um bailado úmido

mesmo que pela pele te reconheça
seremos ossos expostos ao céu
boca tão deliberadamente beligerante
cantochão que banho no barro da rua

nessa terra
entre troncos e barracos
me tropeço por entre nuvens e tensão
fratria de soluços e arpejos

e mesmo que a mata
me salve de meledicências e fetiches

serei teu
pelo resto das minhas vindas.

Cgurgel