segunda-feira, 31 de março de 2008




PATRÍCIA GISELLI
Montes Claros - M.G.

sábado, 29 de março de 2008




O VÍCIO SEGUNDO UM BEAT

por Luiz Rebinski Junior ( jrreb inski@yahoo.com.br )

Dentre os escritores da chamada Geração Beat, William S. Burroughs foi o que mais se preocupou em explicar o fascínio que as drogas geram na mente humana. Burroughs, até o momento de sua morte, em 1997, aos 83 anos, foi uma espécie de guru para diversos escritores, cineastas, músicos e seguidores da contracultura. Muito dessa idolatria deriva do modo com que o escritor, nascido nos Estados Unidos, abordava temas até então considerados tabus e subversivos para a sociedade norte-americana dos anos 1950.
Junky , um de seus livros mais conhecidos e cultuados, é uma mostra do radicalismo experimental da escrita de Burroughs. Há muitos anos sem edição no Brasil, Junky é parte de uma caixa, composta por mais dois títulos – Os Paraísos Artificiais e Confissões de um Comedor de Ópio , de Charles Baudelaire e Thomas de Quincey, respectivamente – que a editora Ediouro colocou na praça e que traz o sugestivo nome de Intoxicações . O livro, que narra as experiências de Burroughs com narcóticos, recebeu uma edição de primeira, com prefácio do escritor Joca Reiners Terron e que resgata textos de Allen Ginsberg que falam sobre a obra.
Escrito no início de 1950 e publicado três anos mais tarde pela editora Ace Books , o livro teve uma trajetória bastante conturbada. Muitos mistérios e desencontros cercam o nascimento da obra, que teve, diz a lenda, a sua primeira versão extraviada. Só para se ter idéia, até o ano de 1964 Junky não tinha sido publicado com o nome do autor, mas sim com um pseudônimo de Burroughs.
Narrado em primeira pessoa por um tal Bill Lee – alter-ego de Burroughs–, Junky é um passeio pelo submundo norte-americano em plena ascensão do Macarthismo e da paranóia comunista desencadeada pela direita do país. Bill é um vagabundo que conta como entrou para o mundo das drogas e se tornou um viciado. Com um excepcional entendimento de causa, Burroughs mostra com detalhes a rotina dos viciados para conseguir a tão desejada e necessária dose diária de droga.
Levando ao pé da letra a idéia de que não se pode fazer literatura experimental sem que haja uma vida igualmente experimental, Burroughs vai fundo no universo underground para realizar sua obra. Sempre atrás de uma receita médica que autorize a compra de substâncias, Bill e sua corja vão até o inferno para obtê-las. Antes que a fissura chegue, Lee utiliza todos os meios – legais ou não – para que o organismo não sinta falta daquilo a que já está tão acostumado. Os roubos e as trapaças são os expedientes mais comuns para conseguir barbitúricos, heroína, cocaína e todos os tipos de alucinógenos.
Junky , com sua terminologia específica e detalhes científicos da composição das drogas, tinha tudo para se tornar um mero diário da rotina de um viciado, não fosse o modo pouco peculiar da narrativa empregada por Burroughs. Acreditando ser a linguagem – e a forma – um meio mais poderoso do que o próprio conteúdo – no caso de Junky , o vício –, o escritor consegue dar vida a um tipo de literatura que fugia do estilo consagrado da narrativa linear e seqüencial que vigorava na literatura de então. Bill, ao melhor estilo on the road , em cada capítulo do livro perambula por lugares pitorescos e que aparentemente não têm conexão nenhuma com os últimos acontecimentos da narrativa. Se em um dado capítulo Bill Lee está roubando carteiras no metrô de Nova Iorque, nas páginas seguintes pode estar em uma fazenda do sul dos Estados Unidos tentando fugir da paranóia provocada pelo vício. Esta particularidade de Burroughs, aprimorada mais tarde com a idéia do cut-up , em que o escritor leva às últimas conseqüências a intertextualidade e interatividade textual, é o que confere a Junky o status de obra inovadora. Incorruptível na sua concepção de realidade, Burroughs levou até o final da vida o seu projeto de questionamento político e literário.
A leitura de Junky hoje pode suscitar o debate a respeito da descriminalização das drogas. Na verdade o cenário do tráfico de drogas nos Estados Unidos narrado por Burroughs é bem diferente do que acontece hoje no mundo. Em Junky o traficante não se diferenciava do viciado. A figura consagrada hoje do traficante milionário, que acumula bens materiais de alto valor e que comanda uma grande rede de negócios, não é exatamente a mesma que Burroughs descreve. Há 50 anos o traficante era aquele que vendia para sustentar o vício e nada mais. Não sonhava em ganhar rios de dinheiro e sim em um dia encontrar um saco de heroína para “viajar” pelo resto da vida. Pode parecer ingênuo ou mesmo romântico em demasia, mas era o que acontecia, pelo menos é o que Burroughs nos faz acreditar com seu relato.
O escritor norte-americano não acreditava que se drogar diariamente podia consistir em um delito. Para Burroughs, a droga leva o indivíduo a um estilo de vida. Um viciado poderia a ter emprego e família, mas sua rotina era incompatível com o dia-a-dia das pessoas que não compartilhavam do estilo drogado de ser. O escritor achava que, mais do que desfrutar dos prazeres proporcionados pela droga, o viciado tinha que entender como as substâncias funcionam no organismo humano, e quais são as suas complicações. Pois bem, se o vício é um estilo de vida, é preciso saber de forma minuciosa o funcionamento daquilo que, para o drogado, é sua razão de viver.
Junky termina com Bill Lee indo para o sul do continente americano em busca de experiências com o ayuasca, uma planta alucinógena usada a milhares de anos pelos índios. Tal experiência foi narrada anos mais tarde no livro The Yage Letters (1963). Apesar do forte estereótipo do homossexual-drogado-beat que paira sobre a persona de Burroughs, o escritor trafegou com estilo pelos mais variados gêneros da literatura, do western à ficção-científica.
O livro, que teve Allen Ginsberg como seu grande incentivador e admirador, foi a estréia de Burroughs na literatura. Antes de narrar as aventuras de Bill Lee, o escritor não tinha datilografado uma linha sequer. Diferentemente de Ginsberg e Kerouac, seus amigos de letras, Burroughs, antes do lançamento de Junky, era um desconhecido no cenário literário. Enquanto os expoentes da Geração Beat estavam gozando o sucesso proporcionado pelo arrebatador interesse pelo movimento nos círculos literários, que abalara os Estados Unidos, Burroughs, aos 30 anos dava seus primeiros toques na máquina.
Nascido em uma família abastada do meio-oeste dos Estados Unidos, William Burroughs foi um desajustado social, indo logo cedo, aos 15 anos, para Nova Iorque em busca da liberdade que sempre sonhara. A personalidade inconformista do jovem Burrough seria mais tarde o retrato da obra do velho e experiente Burroughs. É interessante notar que, assim como Charles Bukowski, outro outsider das letras, a literatura de Burroughs é pautada na experiência do homem Burroughs, do viciado, do gay e do visionário. Se o escritor tivesse seguido outro caminho, mais convencional, certamente livros como Junky e Naked Lunch (Almoço Nu) não existiriam.
Criador de gêneros da literatura pós-moderna, como o cyber-punk, e adorado por gente das mais diferentes áreas da criação cultural como Tom Waitts, David Bowie, Patti Smith, David Cronenberg e Kurt Cobain, com quem fez parceria, Burroughs foi mais um dos visionários surgidos no início dos anos 60 que ajudaram a moldar a estética da arte contemporânea.
Sua vida conturbada – Burroughs matou a própria mulher em um acidente com arma de fogo – foi um ingrediente fundamental na sua escrita. Livros como Junky e Almoço Nu , sua obra maior, surgiram para confrontar costumes e colocar a contracultura em lugar de destaque. Mais do que um movimento comportamental, a geração de escritores encabeçada por Burroughs, Gary Snyder e Kerouac deixou um legado literário importante, que se tornou fundamental para entender as transformações sociais, políticas e comportamentais da última metade do século 20. Junky é parte fundamental dessa recente história.



MUNDO CÂNON


deixa que teus braços
me recolha
por entre o frio
que deste mundo expulso

deixa que essa brisa
do podre
me inunde

e que como pérolas
espalhe furor e língua infame

deixa
que por entre o seu olhar
eu vague
como um papel cingido
de embrulhos e medos

deixa
que por mais que me queiras
eu sou da rua nua
onde dejetos
e defeitos
disputam
o sangue que escorre
por entre vidraças
e bueiros

e mesmo assim
abandonado por ti
serei
como um lixo
amealhando
por dentro do sol que me destes
a beleza
de uma boca faminta.

Cgurgel

quinta-feira, 27 de março de 2008




SANTO BEAT

aqui sentado sou testemunho de um salto
formigas me comem
e a relva
tão espessa
e lúgubre
pasta
como passam as coisas e os seus chacais

nessa lua
e nessa intensa estrada
já de muito
o que alicerça sonhos e desbundes
são como explosões de portões febris e blindados
o cume de uma revoada de
sonhos e arrepios

(nascemos
e somos
e fomos )

como asas
que se multiplicam
ao redor do ar dos nossos olhos
trespassados de colares e sangues

uma corrente
de sândalus e tanques
como sementes que borrifam
almíscar e néctar tão súbitos

um flandre de enormes garras
e gorros de néon

como uma esfinge
uma estrada que some
um provérbio que de tão límpido e arrebatador
chora
na sombra de uma árvore
que nos abriga
de ópios
sócios
e lacáios limbos

na lamparina que das nossas mãos fincou
rasantes vôos ainda insistem
como a nos riscar linhas turvas
cânticos
frios de uma estação
de resistentes casacos e chinelos

como se no barco traseiro do cáos
pousasse uma nova armadilha do tempo

como a ti volver
restos e rostos esquecidos?

só mesmo a chuva fina
que cai sobre a minha janela
para me fazer dormir de novo.

Cgurgel
SOU CEM
Jiddu Saldanha & Carlos Gurgel

terça-feira, 25 de março de 2008




ANTI-MONOTONIA


vagas
aqui e logo ali
rebocando como um alce
a ausência da tua vida

livras
como um traste
o lastro de uma estrela
que te resta

ecoas
por entre parênteses mortos
como se fosse uma sombra
de si lesma

poupas
como uma troca de grutas
o ânimo de tudo que não partiu
semelhante ao próximo que te furtas

lambes
como um azougue do qual curvas
o bagaço de uma pilha de nervos
onde ampara as amarras da fúria

e cortas
como membro dos seus dedos tortos
todas as vísceras das ilhas dos portos
o que só a ti tem para se dar:
o azedume do seu porco sofrer.

Cgurgel

segunda-feira, 24 de março de 2008



ELA É DA PÁ VIRADA !

“A Dani Gurgel é tudo de bom! Sua sala de visitas é uma sala de ensaio! Sendo sua mãe a grande pianista Debora Gurgel, Dani nasceu em berço de boa música. Ela é formada em fotografia e sua especialização é o registro de shows, ou seja música sendo produzida ao vivo. Pelo fato dela ser cantora e saxofonista, a Dani Gurgel vê a música pelo lado de dentro, o que a possibilita captar fotograficamente o clímax de uma performance com a luz e enquadramento poético- perfeitos. Suas fotos surgem em sincronia plena com a música produzida no palco.
Extremamente profissional. “Au concours“. Como cantora e instrumentista ela também não deixa por menos: revela novos compositores, encabeça projetos e acaba de lançar um compacto-impacto! Com arranjos jazzísticos, vocalizes complexos, solos e convenções com apuro técnico. Esta menina raçuda vive me impressionando! Eu tenho um carinho especial por ela, pois além dela cantar duas músicas minhas, ela relizou um dos registros fotográficos mais belos que tenho. Salve Dani Gurgel!” (Depoimento da cantora Giana Viscardi)

O trabalho musical e fotográfico de Dani Gurgel

Nascida numa família de músicos, aos quatro anos ela já descobria seu primeiro instrumento. E foi de instrumento em instrumento (flauta doce, piano, flauta transversal, saxofone, baixo) e participando de bandas de colegial e faculdade, tocando na ULM, na Domus, no Clam, que ela foi desenvolvendo parcerias musicais e se formando como artista.
No grupo Quincas, ela, Vinicius Calderoni e o Tó Brandileone testavam suas composições para o público do Café Piu-Piu, sempre lotado. A decisão pra assumir-se como cantora foi aos poucos amadurecendo. O processo foi acelerado pelo convite do grupo Triálogo, da pianista Debora Gurgel, que requisitou a voz da Dani Gurgel na gravação das parcerias musicais entre elas.
“E não é que, depois de quase vinte anos passeando de instrumento em instrumento, eu descobri que a minha era cantar?”
Cantar e também compor. Algumas composições são “filhas de mãe solteira” como ela mesma diz, feitas integralmente (letra e música) por ela. Algumas com parceiros, e muitas com a Debora Gurgel.
“Uma vez fizemos um mutirão de letras pra músicas dela pra forçá-la a entrar num concurso que não admitia composição instrumental. Nessas que surgiu Da Pá Virada, em cima de uma música que ela [Debora] tinha feito para mim e para a minha irmã alguns anos antes”.
Paralelo ao seu desenvolvimento musical, a menina da pá virada cultivou uma outra paixão, com a qual ela se identifica, e que hoje a identifica profissionalmente tanto quanto a música: a fotografia. Enquanto tocava sax barítono em big band aos treze anos, ela já começava a fotografar, também profissionalmente. Fez cursos de especialização na área (Panamericana, Senac, Leica...) e cursou a faculdade da Escola de Comunicação e Arte da USP (ECA).
Teria ela que optar entre a música e a fotografia? Ela resolveu fazer as duas coisas ao mesmo tempo. Contrariando a lógica matemática, decidiu ser 100% cantora e 100% fotógrafa, e fotografar dentre outras coisas, ou principalmente, o universo musical: shows, retratos dos músicos, dos instrumentos, capas de discos etc...
“Todo o meu trabalho acadêmico, inclusive, é calcado na relação entre os dois. No meu trabalho de conclusão de curso, abordei a fotografia de música em tempos digitais. Falei das mudanças na maneira de se produzir e consumir música, fotografia e as duas relacionadas. Nesse assunto estou me preparando pra começar o mestrado”.
Acostumada a fotografar apresentações musicais dos outros, Dani Gurgel admite que apesar de boas fotografias tiradas por terceiros de apresentações suas, ou mesmo fotos pessoais comuns, ela se sente sempre tentada a fazer auto-retratos.
Seu disco, que deve ser lançado ainda no primeiro semestre, está sendo produzido em parceria com Debora Gurgel e Thiago Rabello, o mesmo que gravou e mixou o compacto feito em 2007, com função de CD demo ou pré-disco, lançado na rede como tem sido comum na era digital.
“Quero evitar aquela fórmula pronta que é muito seguida de ter um Chico, um Edu Lobo, um João Bosco, um Gil... Se pensarmos com calma, a Elis cantava músicas deles quando eram quase desconhecidos, e não consagrados como hoje. Ela é minha grande referência (sem comparações, por favor), que olhava para os lados e não para cima na hora de fazer o trabalho dela. Eu quero gravar os compositores da minha geração, com o pessoal que acredita no meu trabalho, e não um pacote pronto”.
O repertório está fundamentado no projeto com novos compositores, convidados a apresentar suas canções na voz de uma nova cantora (que também é compositora), a própria Dani Gurgel. A relação da cantora-fotógrafa com os novos compositores, e com uma perspectiva autoral de carreira pode ser percebida em sua trajetória até aqui. O projeto Novos Compositores, realizado em 2007, com compositores atuais apresentando seus trabalhos, fundamentará o primeiro disco dessa artista polivalente.
DANI GURGEL - "Mares de Lá "

domingo, 23 de março de 2008




MOBILIÁRIO

gosto da palavra que desencadeia.
gosto de quem se lembra dos mínimos detalhes.
gosto de uma fuzarca.
gosto do ponto que parte.
gosto de animais e árvores.
gosto de uma lembrança silenciosa.
gosto de sermões e limonadas.
gosto do fruto de uma saliva.
gosto de ontens e do que ficou pela metade.
gosto de alfarrábios e eletrochoques.
gosto de escadas e tótens.
gosto de rabiscar e me procurar.
gosto de passear por entre sítios e espinhos.
gosto de me esquecer.
gosto do fogo que me inspira tropeços e segredos.
gosto de uma fábula.
gosto de uma imundície de promessas.
gosto de sorrir para uma pobre vergonha.
gosto de sumir por entre portas e chácaras.
gosto de tudo que me faz decifrador de prenúncios e pronúncias.
gosto de atalhos e alambiques.
gosto de empáfias e empadas.
gosto daquela chuva que molha meus pés e sumo.
gosto de tudo que grita.
gosto de qualquer coisa que imita.
gosto de marchas e passos.
gosto de sinos e sax.
gosto de uma frenética diáspora.
gosto de tudo que me esconde.
gosto de chá.
gosto de tudo que esgana.
gosto da gota serena.
gosto de avenidas e o ruído de fábricas e padarias.
gosto de um riacho que leva os restos de tudo que se perdeu.
gosto de almofadas e mandiopãs.
gosto do ciclo da rua.
gosto do cúmulo do óbvio.
gosto do ofício das bestas.
eu odeio.

Cgurgel

sexta-feira, 21 de março de 2008

Not I

LOURENÇ BARBER

quarta-feira, 19 de março de 2008

SAFRI DUO - "Samb Adagio"




UM POR TODOS, TODOS POR UM


Por Alê Duarte

O diretor Todd Haynes tem intimidade com a música pop. São dele a biografia sobre Caren Carpenter encenada com bonecas Barbie e o ótimo "Velvet Goldmine", sobre o movimento glam rock no ínicio dos anos 70. O diretor também costuma recusar discursos e narrativas fáceis, bem como ousar e experimentar maneiras diferentes de se contar uma história. Sem cair nas armadilhas que uma cinebiografia convencional pode armar, Haynes nos presenteia com um filme surpreendente e, desde já, um marco no modo do cinema retratar um ícone da música. Antes de ser um filme inspirado na vida de Bob Dylan, "Eu Não Estou Lá" (em cartaz a partir de 21/03 em salas de todo Brasil) é uma produção que se embriaga da obra do músico e compositor.

Para começar, o diretor utiliza nada mais nada menos do que seis atores completamente diferentes para viver o que ele chama de “aspectos da vida e da obra de Dylan”. Realidade, ficção, músicas e letras se confundem em uma narrativa fragmentada. A cronologia pouco importa e várias histórias se embaralham para retratar uma trajetória só: os caminhos de um artista pop na Inglaterra dos anos 60, um documentário sobre um cantor de folk desaparecido no começo da mesma década, um garoto negro que atravessa as ferrovias dos Estados Unidos em um cenário que lembra os anos 30, um "Billy The Kid" perdido no velho oeste, um jovem Arthur Rimbaud deslocado no tempo diante de uma entrevista coletivae um ator em crise no casamento. Cada um desses diferentes personagens representa aspectos reais, inventados ou inspirados no trabalho do músico, mas nenhum se apropria de seu nome.

Se em "Velvet Goldmine", David Bowie proibiu o uso de suas canções para a trilha sonora, "Não Estou Lá" tem o trunfo de poder contar com várias das músicas de Dylan. Entre os atores, merece destaque a comentada atuação de Cate Blanchett como Jude Quinn, em uma perfeita caracterização do Dylan do meio dos anos 60. O papel, inclusive, lhe rendeu indicação ao Oscar de Melhor Atriz Codjuvante e ainda o Globo de Ouro na mesma categoria. Outra marca da produção é o fato de ter uma das últimas e boas atuações do ator Heath Ledger (de "O Segredo de Brockeback Mountain"), morto recentemente. Ele é Robbie Clark, um famoso ator à beira do divorcio -- recorte que representa a crise conjugal de Bob Dylan com sua mulher Sara, nos anos 70.

Misturando tramas, personagens, passado e futuro, "Não Estou Lá" monta, de forma ousada, um perfil cinematográfico de um homem que já é um clássico da cultura pop dos séculos 20 e 21.



JUDIAÇÃO

tripudiar
é como recortar
a mão que segura a outra

uma fonte
que separa o coração
de quem nunca sabe a razão
do rito que me destes

um fragmento
do ritmo de um gesto
que vai se espalhando
por sobre lentos restos

tripudiar
é como estabelecer silêncios

como o pólen
de um pano
um lacre
que se preste

tripudiar
não mais
do que a fronte
justo um beijo
uma peste.

Cgurgel

terça-feira, 18 de março de 2008




MORRE O ESCRITOR DE FICÇÃO-CIENTÍFICA ARTHUR C. CLARKE

Morreu no Sri Lanka, na madrugada desta quarta-feira (terça-feira, 18, no horário de Brasília), o escritor de ficção científica Arthur C. Clarke, autor de "2001: uma odisséia no espaço". A informação foi confirmada pelo agente do escritor. Clarke estava com 90 anos e morreu em decorrência de problemas respiratórios, afirmou o agente Rohan de Silva.
O autor britânico escreveu mais de 80 livros, além de 500 artigos e contos, incluindo "A sentinela", que inspiraria "2001: uma odisséia no espaço". Lançado em 1968 e adaptado para o cinema por Stanley Kubrick, "2001" trata de questões como os perigos da tecnologia, a exploração espacial e a evolução humana. A obra teve três continuações: "2010: odisséia dois" (que também ganhou para versão ao cinema em 1984), "2061: odisséia três" e "3001: a odisséia final".
Outras obras importantes de Clarke incluem "Encontro com Rama", de 1972, e "The fountains of paradise", de 1979. Uma adaptação para o cinema de "Encontro com Rama" está em produção, sob direção de David Fincher, de "Clube da luta".

Olhos no futuro

Clarke, que em muitas ocasiões era visto usando uma cadeira de rodas, vinha lutando contra problemas provocados pela poliomielite desde a década de 1960. Nos últimos anos de sua vida, ele dizia que embora seu corpo estivesse preso a uma cadeira de rodas, sua mente continuava a passear pelo universo tanto quanto na época em que ele era um jovem fascinado pelo espaço, nos anos 1920 e 1930.
Na década de 1940 ele previu que o homem chegaria à Lua até o ano 2000, idéia que foi descartada como bobagem por especialistas. Quando Neil Armstrong pisou na Lua, em 1969, os EUA disseram que Clarke "forneceu a motivação intelectual essencial que nos levou à Lua".
"Nos próximos 50 anos, milhares de pessoas vão fazer viagens orbitando a Terra e, depois, até a Lua e além dela. As viagens e o turismo espacial vão tornar-se tão corriqueiras quanto as viagens a destinos exóticos em nosso próprio planeta", disse o estudioso em entrevista à agência Reuters.
Clarke foi ao Sri Lanka pela primeira vez na década de 1950 para fazer mergulho. Na ocasião, ele se apaixonou pelo país, onde se radicou em 1956.

Últimos desejos

Em dezembro de 2007, o escritor listou três desejos para o seu aniversário de 90 anos: que o mundo adotasse fontes de energia limpas, que a paz fosse estabelecida no lugar onde ele vivia, o Sri Lanka, e que fossem apresentadas evidências de seres extraterrestres.
"Eu sempre acreditei que nós não estamos sozinhos no universo", disse ele na época, em um discurso para um pequeno grupo de cientistas, astronautas e oficiais, na cidade de Colombo, no Sri Lanka. Os humanos estão à espera de que seres extra-terrestres "nos chamem ou nos dêem um sinal", disse o escritor. "Não temos como adivinhar quando isso vai acontecer. Espero que aconteça antes que seja tarde demais."
Clarke também é creditado como um dos pioneiros no uso do conceito de satélites de comunicação, falando deles em 1945, anos antes de a tecnologia ter sido inventada. Ele se juntou ao jornalista Walter Cronkite como comentarista da expedição lunar da Apollo no final do anos 60.

domingo, 16 de março de 2008




FUGA

foges bem
pára
bem longe
daqui

recolhes
como um pássaro remido
o couro que dos teus pés
pousas

contas
como só as tuas nuas preces
soam
o tempo
que ficastes no ar

flanas
como as folhas das manhãs
onde tudo abrigas
o vento que te recortas
do curso dos leitos

e louvas
por entre o silêncio da noite
o canto
que te enganas
por te deixar
assim
passar.

Cgurgel

quinta-feira, 13 de março de 2008



JANELA DO MUNDO

por aqui o tilintar das palmas dos coqueiros como a me dizer que vale levar adiante sonhos e manhãs. a ingrata e inglória sobrevivência sobre a terra dos homens. e sobre o fermento, que corre solto, ao redor das fisionomias gastas de tanto, e tantas, sem ar.
acho que isso, rende o respeito ao sol e ao mar que me torna transitório de passos, alguns à deriva, outros à esquerda. penso, que viver, é como sacrificar atos e noites.
como não se voltar para a janela multiplicada de silêncios, de rascunhos, de alpendres e transitórios percursos?
soa, no mais tardar do dia, uma lástima de lágrimas. uma ventania que rouba das nossas mãos, um punhado de jóias. um néctar, como se fosse um verbal genocídio.
uma papoula que vai se intrometendo por cima dos nossos pensamentos tão vãos.
e de uma leve e imprevisível asa. testemunha do que deixamos pela casa abandonada de tanto se dar.
de uma varanda. de um vale. de uma cachoeira de estrelas e luas.
de uma fortuna de olhares que vão abandonando vestes e listas e mais listras dos que ficaram pelo meio do caminho. abandonadas pelo próprio ser, mais do que, dos seus rastros.
é de uma hora sem fisionomia que nos reconheçemos. é de uma fábula torta que falamos. é de uma idiotice e verossimilhança que respiramos, como embarcação tão frágil e obsoleta.
do ar, como uma prisioneira canção. do seu lívido espectro, como uma sombra de arrepios e desgastes d'alma. uma corrente de girrassóis que confundem nossa paciência, e somem. se perdem pelo meio da selva que nós próprios se damos.
é mesmo como uma serpente que nos presenteia com seu pescoço negro e sanguinário. como uma escalada de templários e santos gastos. uma vastidão de silêncios e vazios.
mesmo assim, somos como uma viagem que recolhe o paraíso que tanto sonhamos, uma aventura que não clama por simplicidades ribeirinhas.
ferrolho de tudo do que se perdeu. uma câmera de ar. um besbilhotado azedume dos nossos perdidos sorrisos. e de uma deslumbrante e devastadora poesia inacabada.
como prédios que esvoaçam sexo e tênues alertas.
como uma descalça imundície desse mundo tão declaradamente impróprio e fugaz.
como uma vela que encobre com o seu pavio, os milhares de restos de uma humanidade tão cúmplice de atalhos e procissões tontas.
não sei bem, não sei bem mais o que ver. o que vivo, é o que percebo do fim.
como um lúgubre lustre. uma partilha de acácias podres. uma palavra que já não tem alento.
de um todo que rodopia em mim, o sótão de escuros e escarros.
que a manhã, (se virá), será toda testemunha do que calo.

Cgurgel

terça-feira, 11 de março de 2008



CARROSSEL DE CINZAS

eu acho chão
um grão de terra
que me cobre como cinzas

eu jogo o barro
como que nele dorme
profano
e
profundo

uma valsa
no meio da sala
do corredor
do todos que se sentem
na casa
onde acontecem coisas

eu sei do curso da areia
que me joga na cara
o cantochão
de raízes
e impurezas

e nessa terra
que um dia há de me comer
o que dessa semente brota
são como
frotas do fel

um céu da boca escancarada
de tanta injúria
enxadas de lamas
fulanas bestas da grama

um enorme quintal
tão ou mais desejado
do que um átrio gueto

blasfêmias
soltas ao ar
como um mar de lama
todo em chamas.

Cgurgel
ELISA LUCINDA - "A FÚRIA DA BELEZA "

domingo, 9 de março de 2008



1ºCONGRESSO DE POETAS DEL MUNDO - BRASIL - NATAL/RN - 2008

Por: Luis Arias Manzo*

Os Poetas del Mundo, se reúnem no país do futuro, assim como o chamou Stefan Zweig, e não obstante disso já faça mais de sessenta e cinco anos, seu vaticínio ainda cobra vigência hoje mais que nunca. Por isso nada mais significativo e simbólico que nosso Primeiro Congresso de Poetas del Mundo se leve a cabo neste país, o país de Luis Carlos Prestes, como solo nomeá-lo. O mundo nos reclama.
O poeta é um ente especial, tem o dom de fazer da palavra algo belo que transcende o sentido simples quando ela está desnuda. O poeta a veste de uma maneira que a faz forte, espetacular, bela.
Para os tempos que vivemos é necessário que o homem consiga entender-se através do diálogo, mas o ruído dos canhões impede que nos escutemos, então se necessita imperiosamente que a voz ultrapasse o retumbar das armas, e o poeta sabe disso.
Vivemos atualmente o processo de morte de uma etapa degenerada e o nascimento de uma NOVA ERA, em que o poeta tem um rol determinante de coisas em que intervir. O poeta não pode ficar atrás, o poeta deve ir à primeira fila, se não o faz, é que não é um verdadeiro poeta, em todo caso, não é um verdadeiro Poeta del Mundo.
Como algo concreto neste combate pela vida e pela paz, fixei-me na árdua tarefa de unir os Poetas de todo o mundo que abraçam os ideais de liberdade, justiça e igualdade, e em conseqüência, criei o “Movimento Poetas del Mundo” fixando-me um ambicioso objetivo: converter a palavra em uma força real capaz de influir nos destinos do mundo e no equilíbrio do planeta. Logo, quando nossa voz ressoar nos frios palácios do Poder e chegar também ao bairro que o poeta não pode deixar de visitar, devemos ser capazes de propor uma via que nos retire do estado de decadência que vive nossa sociedade.
Nesta tarefa futurista o sujeito social é o poeta, e este poeta guerreiro deve nutrir-se da realidade social, mesclar-se nela e ser capaz de abandonar o Ego. Qualquer lugar onde se desenvolva a atuação do escritor é uma trincheira de combate, porque em todas as partes há decadência.
Os políticos fracassaram; arrastaram-nos à situação apocalíptica em que nos encontramos pelo que hoje é necessária uma troca profunda na estruturação da organização do mundo, em outras palavras, creio que estamos vivendo nos limites do aceitável e muito perto do início de uma revolução planetária, é aí onde o escritor pós-moderno tem uma lista determinante de coisas em que intervir.
É certo que a guerra não é algo novo que nos surpreenda, a guerra tem existido sempre; desde a noite dos tempos em que o homem tomou consciência de sua existência, viemos nos combatendo uns com os outros, o problema é que hoje a ambição do homem está provida de armas capazes de fazer desaparecer a vida no planeta em poucas horas. O que estamos vendo no Oriente Médio é uma etapa de um nefasto projeto muito ambicioso do Império, que consiste em apoderar-se dos recursos naturais que possui essa região, hoje se trata do petróleo [energia], amanhã será a água doce e a biodiversidade.
Então, os poetas devem usar a melhor arma para combater o horror, a ignorância ou a inconsciência dos homens, essa arma é o poema; essa maneira curta de expressar algo grande, essa forma de dizer brevemente algo que envolve um sentimento enorme ao interior mesmo das entranhas da alma. O poema é a linguagem misteriosa que brota inexplicavelmente desde a fonte que nutre a vida sentimental do ser, isso que chamamos inspiração.
É uma forma de comunicação entre o eu terrestre e a voz misteriosa que sussurra no interior de cada um. O poema pode ser tão potente, que se o usamos bem, o podemos converter em uma arma poderosíssima para combater os sentimentos cinzentos destes loucos que nos governam. Para lá se encaminha meu ambicioso projeto: Criar um exército de poetas guerreiros cuja arma seja a palavra que se expande pelo mundo como uma torrente de resistência para o que mata a vida e a felicidade.
Estou consciente do perigo que implica este projeto; não faz muito, faz algo assim como dois mil anos, eram os tempos do Império romano, um homem jovem entrou em Jerusalém falando de amor e de paz, sua arma era a palavra, todos sabem como terminou sua aventura. Não me estranharia que em algum tempo mais, nos acusem de terroristas intelectuais, e nos persigam por todas as partes, mas ainda assim vale à pena dar esta batalha pela vida e a paz.
Por isso convoco os Poetas del Mundo a envolver-se ativamente nos problemas que aflijam as suas comunidades, sobretudo ali onde os homens perdem a razão e o sentido essencial de nossa existência. A poesia deve começar a jogar seu rol nestes tempos de guerra, de extermínios, de fome, de seqüestros, de injustiças, de aquecimento global do planeta e das novas pestes que carcomem a mentalidade de quantos detenham o poder e decidem sobre os destinos do mundo.
Convoco o nosso Corpo Diplomático Poético a fazer dos seus misteres e a atuar ali onde seus bons ofícios são necessários, e a pensar em como ser mais eficaz em nosso histórico praticado pela humanidade.
Estes e outros temas estarão no nosso Primeiro Congresso de Poetas del Mundo onde chegarão poetas de todo o planeta.”

VIVA A VIDA!

Luis Arias Manzo: Fundador - Secretário Geral do Movimento Poetas Del Mundo

sábado, 8 de março de 2008

thenewno2: Another John Doe

sexta-feira, 7 de março de 2008







DEPOIS DE MANIFESTAÇÃO DE BJORK, CHINA VAI CONTROLAR CANTORES

O Ministério da Cultura chinês anunciou na sexta-feira, depois de a cantora islandesa Bjork ter gritado "Tibet! Tibet!" num concerto em Xangai no fim de semana passado, que a China vai aumentar os controles sobre cantores e outros artistas estrangeiros.
Bjork declamou o nome da região do Himalaia governada pela China depois de cantar sua música "Declare Independence", que já usou no passado para promover os movimento de independência de lugares como o Kosovo.
Em comunicado citado pela agência oficial de notícias Xinhua, o Ministério disse que a manifestação de Bjork "não apenas infringiu as leis e normas e ofendeu os chineses, como contrariou o código de conduta profissional de um artista".
"Qualquer tentativa de separar o Tibet da China enfrentará a oposição resoluta do povo chinês e de todos os homens justos do mundo."
Sem entrar em detalhes maiores, o Ministério disse que vai investigar o concerto e tratar da questão como manda a lei.
Em seu site, Bjork disse que as referências que fez à independência foram de teor mais pessoal que político, mas acrescentou:
"O fato de que foram traduzidas para seu significado mais amplo, a luta de um povo oprimido, me agrada muito. Eu gostaria de desejar boa sorte a todos os indivíduos e as nações em sua luta pela independência."
A Free Tibet Campaign, organização com sede na Grã-Bretanha que defende o fim do domínio chinês sobre o Tibet, divulgou comunicado dizendo-se muito satisfeito com a performance de Bjork.
"Ela demonstrou mais coragem que políticos como (o premiê britânico) Gordon Brown e (o secretário do Exterior britânico) David Miliband, cujo silêncio público sobre essas questões, em visitas que fizeram recentemente à China, é motivo de vergonha para o povo britânico", disse a entidade.




PAUL McCARTNEY DISPONIBILIZARÁ OBRA COMPLETA DOS BEATLES NA INTERNET

(Paul McCartney disponibilizará o catálogo completo dos Beatles na internet, em uma tentativa de obter dinheiro para financiar seu divórcio da ex-modelo Heather Mills, informa hoje o jornal inglês "Evening Standard)
A sentença do juiz sobre o divórcio é esperada para o dia 17 de março, e Mills, de 40 anos, pode receber entre 30 e 40 milhões de libras pelos quatro anos de casamento com o ex-beatle, com quem tem uma filha pequena.
A venda de todos os singles e álbuns dos Beatles na loja virtual iTunes, propriedade da Apple Computers, reportará grandes receitas a McCartney e Ringo Starr, os únicos sobreviventes do quarteto de Liverpool, assim como às famílias de John Lennon e George Harrison.
O valor do catálogo, que contém álbuns célebres da história da música pop, como "Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band", "Help!" e "Revolver", é calculado em cerca de 265 milhões de euros.
A disponibilização das obras na internet havia esbarrado até agora em alguns obstáculos legais que finalmente foram superados, e pode ser concretizada ainda este ano, segundo fontes próximas ao músico.
O catálogo das canções da carreira solo de McCartney está disponível na internet desde maio de 2007.
McCartney terá que pagar cerca de 5 milhões de libras em despesas legais e profissionais por seu divórcio.
O processo de divórcio, que ocorreu no mês passado, durou seis dias, e foi realizado a portas fechadas. Acredita-se que os advogados de McCartney tenham argumentado que sua fortuna é muito inferior aos 825 milhões de libras de que se vem falando.
Sua ex-esposa, Mills, que representou a si mesma no julgamento, argumentou, por outro lado, que a fortuna do músico era muito superior à cifra.
O veredicto sobre o caso, previsto para 17 de março, deve levar em conta não somente o dinheiro obtido por McCartney, de 65 anos, durante os quatro anos de seu casamento, mas também seus ganhos futuros.
O acordo para disponibilizar as músicas na internet só foi possível graças à resolução judicial da disputa entre a Apple Corps, empresa formada pelos Beatles para publicar e promover sua música, e a Apple Computers.



ETERNAMENTE REJANE

Em companhia do acariense Francisco Cunha, recentemente visitou Acari o produtor cinematográfico Valério Fonseca. A missão tornou-se um elo entre o fictício e o real. O desejo tornara mais pulsante com o deslumbramento que contagiou o produtor ao visitar a cidade natal da atriz Rejane Medeiros. A fascinação pela terra de nascimento da atriz fez com que a idéia inicial de produzir um filme sobre a vida artística de Rejane Medeiros tornasse cada vez mais verdadeira, possível e positiva. A idéia de promover um filme surgiu em Roma, quando da conversa entre a atriz e o produtor Valério Fonseca.
O produtor cinematográfico Valério Medeiros chegou ansioso, sem roteiro pré-estabelecido em Acari. Mas, em companhia do acariense Chico Acari logo assumiu uma agenda quase que impossível. Primeiramente, visitaram o Museu do Sertanejo e constataram que em Acari a cultura é valorizada com a preservação do patrimônio material e imaterial do homem sertanejo. No momento, houve o encontro com o secretário de Turismo Sérgio Enilton e a coordenadora pedagógica do Museu, Maria da Guia de Medeiros. Logo após, visitaram a Rádio FM Gargalheiras, concedendo entrevista ao radialista Benildo Medeiros.
Em seguida, foram à procura dos familiares da atriz e assim comprovaram que Rejane Medeiros nasceu em Acari, filha de Severino Barroso e Izabel Medeiros. Sua família morou muitos anos na rua da Matriz e deixou inúmeros laços familiares na cidade, incluindo sua prima Olindina Silva que desempenhou suas funções profissionais no DNOCS.
O fato constata e reconhece que Acari é uma cidade de vocação cinematográfica com o surgimento de mais um filme a ser rodado nos cenários da terra das cordilheiras, aliada a importância da produção do filme se tornar imprescindível, em conseqüência de Rejane Medeiros ser, realmente, da cidade seridoense.
Rejane Medeiros é um caso ilustrativo de atrizes que direcionaram a carreira com exclusividade para o cinema. Belíssima, ela desenvolveu uma trajetória de cerca de uma dezena de filmes, realizados entre a década de 60 e o início dos anos 80.
Rejane Medeiros estreou no cinema ainda adolescente pelas mãos de Roberto Farias, no filme `Selva Trágica`, em 1963, um dos pontos altos da filmografia do diretor. A seguir, participa de dois filmes sobre o tema do cangaço e entra na década de 70 atuando em filmes de diretores como Marcos Farias, Miguel Faria Jr, período em que teria mais presença no cinema nacional. É nessa década também que participa de `A Noite do Espantalho`, filme pouco visto e muito comentado, dirigido pelo músico Sérgio Ricardo, um dos parceiros do cinema de Glauber Rocha.
Em 1974, Rejane Medeiros tem outro momento de destaque em `Soledade – A Bagaceira´, adaptação para o cinema do romance de José Américo de Almeida, dirigida por Paulo Thiago. A atriz tenta carreira na Itália, sem maiores repercussões, onde interpreta Anita Garibaldi em trabalho para a tv, dirigido por Franco Rossi. Seu último filme no cinema nacional é `O Torturador`, de Antonio Calmon.

Filmografia:

1980 - O Torturador
1977 - Anchieta, José do Brasil
1976 - Soledade
1974 - Anita Garibaldi
1974 - Noite do Espantalho
1972 - Guru das Sete Cidades
1970 - A Vingança Dos Doze
1970 - Pecado Mortal
1970 - Sangue Quente em Tarde Fria
1969 - Tarzan e o Menino da Selva
1969 - Meu Nome é Lampião
1965 - Entre Amor e O Cangaço
1964 - Selva Trágica


EI-LA, LEILA ! ! !

Num texto dos anos 70, o jornalista Millôr Fernandes ironicamente exortava: Feministas de todo o mundo, uni-vos. Nada tendes a perder senão os vossos maridos. Era um sarcástico comentário sobre o avanço do movimento feminista que, depois da Europa e dos Estados Unidos, também chegava ao Brasil. Consciente de seu novo papel na sociedade e já tendo conquistado antigos direitos civis como o voto e o acesso à universidade , as mulheres procuravam agora reforçar sua identidade sexual, negando a relação de hierarquia entre o macho e a fêmea. Na busca de um relacionamento mais justo e aberto entre as pessoas, as feministas reivindicavam o direito à sexualidade e à igualdade com os homens no mercado de trabalho.
O protótipo da mulher liberada no Brasil foi Leila Diniz, nascida em 25 de março de 1945, em Niterói, Rio de Janeiro. Formada em magistério foi ser professorinha no jardim de infância de um subúrbio carioca. Estrela de cinema e TV, musa de Ipanema e de uma geração de boêmios da zona sul da cidade do Rio de Janeiro, Leila ganhou notoriedade quando estrelou o filme "Todas as Mulheres do Mundo", que a mostrou nua e esplendidamente bonita.
Leila mais que uma mulher bonita sempre fora uma pessoa de atitudes corajosas e já aos 17 anos saíra de casa para viver um grande amor com o cineasta Domingos de Oliveira que a lançou como atriz no cinema e nas novelas da TV Globo. Mas bem mais que na arte foi na vida que a atriz desempenhou seu melhor papel.
Com suas atitudes corajosas e liberais, Leila rompeu preconceitos, quebrou tabus, avançando os limites da moral vigente. O casamento com Domingos de Oliveira durou 3 anos e depois disso se casaria com o diretor moçambicano Ruy Guerra, com quem teria uma filha, Janaína. Em 1971, grávida de mais de seis meses, ela ia de biquíni a Ipanema uma prática hoje natural, mas que na época muitos tomaram como uma afronta à tradição, à família e à maternidade.
O maior rebu, entretanto, aconteceu em novembro de 1969, quando chegou às bancas uma edição de "O Pasquim" trazendo uma reveladora entrevista com Leila Diniz. Foi um estouro. Nunca uma mulher brasileira tinha falado de sexo de forma tão aberta na imprensa. A maior parte do que ela falou não saiu publicado naquela edição do Pasquim, e nem poderia. Mas o pouco que saiu no jornal foi suficiente para mobilizar o governo a criar uma severa lei de censura prévia à imprensa, o Decreto nº 1.077, apelidado Decreto Leila Diniz.
Aquela polêmica entrevista de Leila, se por um lado consagrou o mito da atriz, por outro também trouxe-lhe muitos aborrecimentos e portas na cara. A TV Globo, por exemplo, onde ela atuara no início da carreira, negou-lhe trabalho e num momento em que a emissora despontava como líder de audiência. Não tem papel de puta na próxima novela, justificou um diretor da casa. (Ruy Castro, Ela é carioca: uma enciclopédia de Ipanema. São Paulo, Companhia das Letras, 1999, pág. 38). O cerco repressivo foi se intensificando sobre a atriz e numa certa tarde de domingo a Polícia Federal foi buscá-la com uma ordem de prisão à saída da TV Tupi, onde ela se virava como jurada de Flávio Cavalcanti. Providencialmente, Leila saiu escondida no banco de trás do carro do apresentador, que a abrigou durante alguns dias em sua casa em Petrópolis. Depois de muita negociação ficou decidido que a atriz iria depor na Polícia Federal e assinar um documento em que se comprometia a não dizer mais palavrões.
A atriz participou de quatorze filmes (que quase não são exibidos), doze telenovelas e muitas peças teatrais. Ganhou na Austrália o prêmio de melhor atriz com o filme "Mãos Vazia"s.
Leila morreu em junho de 1972, aos 27 anos, quando retornava de um festival de cinema na Austrália. O avião em que viajava explodiu pouco antes de aterrissar no aeroporto de Calcutá, na Índia. Foi uma tremenda fatalidade para quem se afirmava cheia de entusiasmo: A minha maior força é a minha energia, a minha alegria e a minha vontade de viver.
O paradoxal é que esta figura hoje símbolo da liberação feminina no Brasil não se entendia muito bem com as feministas de sua época. Como diz Leila Diniz / homem tem que ser durão ..., cantava Erasmo Carlos no samba Coqueiro Verde. Por essas e outras Rose Marie Muraro dizia que Leila fazia o jogo dos homens e que ser mulher era algo mais que sair dando por aí. Isto não impediu, entretanto, que após a morte da atriz as feministas se apossassem da sua imagem, transformando-a numa bandeira do movimento que se projetou ao longo dos anos 70.

A entrevista para "O Pasquim"

"Eu nunca comi mulher nenhuma porque elas não tem pau. E pra mim pau é um negócio essencial. Eu gosto muito da coisa entrando em mim" (Leila Diniz)
O Pasquim se notabilizou por publicar suas entrevistas tal e qual o entrevistado falava, sem cortes ou retoques, no caso de Leila não pode agir assim. O vasto repertório da atriz como cu, caralho, tesão, fodida foi substituído por asteriscos e frases inteiras foram suprimidas ou maquiadas na redação.
Ouvindo-se hoje a fita original constata-se, em meio às gostosas gargalhadas de Leila, que ela falou muito mais do que foi publicado.Eu gosto é de trepar, porra!, confessou para ela para a equipe de entrevistadores, entre os quais Tarso de Castro, Jaguar e Sérgio Cabral, que se diziam dispostos a atende-la. E Leila instigava: Acho que prá mim seria bacana trepar todo dia. E não me importaria se fossem uma, duas, três, vinte ou mil vezes, por dia. Eu tenho uma puta resistência física, acrescentando mais adiante: Já me aconteceu de passar uns três dias não fazendo outra coisa na vida senão trepar sem parar.
Sobre os grilos do homem na cama Leila analisou que este negócio de brochar é problema de cuca. O pau não tem nada a ver com isso, coitadinho. O pau é um ser maravilhoso que a cuca às vezes atrapalha. Eu sou contra a cuca por causa disso. Viva o pau e abaixo a cuca. Aquela velha reclamação de algumas mulheres de que faltaria virilidade ao homem moderno, Leila esbravejou: Porra nenhuma! De jeito nenhum! Eu trepo de manhã, de tarde e de noite e tem homem paca por aí. Mas é a tal coisa: eu gosto de trepar.

Frases dela e de outras pessoas sobre ela

"Se tivesse vontade transaria com o motorista de taxi"
-Leila Diniz
"Professorinha ensinando a crianças, a adultos, ao povo toda a arte de ser sem esconder o ser "
-(trecho de uma poesia de Drummond , feita no dia da morte de Leila)
"Toda Mulher é meio Leila Diniz"
-Rita Lee
"Leila Diniz foi um cometa que passou pela nossa terra e deixou um rastro luminoso que até hoje não se apagou"
-Mariana Várzea, jornalista
"Viver, intensamente, é você chorar, rir, sofrer, participar das coisas, achar a verdade nas coisas que faz.Encontrar em cada gesto da vida o sentido exato para que acredite nele e o sinta intensamente."
-Leila Diniz

Uma mulher solar

Primeira mulher a desfilar grávida de biquini pelas areias de Ipanema, Leila chocou diversas vezes a mentalidade conservadora de uma classe média que em 1964 apoiou o golpe militar e apostou na repressão como via de moralização do país.
A mídia aproveitou a imagem até então inédita do ventre fertilizado exposto e o transformou em várias capas de revista. Leila Diniz foi assim associada à vida, à fertilidade, à alegria de viver: uma mulher solar.
A entrevista, a gravidez exposta, os palavrões freqüentemente utilizados em público e a apologia à felicidade foram aos poucos consolidando a imagem de Leila.
Para uns, ela representava o atentado à moral e aos bons costumes, para outros, era o signo matricial da nova mulher: liberada, independente, livre e feliz: um mito solar. Numa sociedade, que na década de 60, passava pelo processo de expansão dos seus meios de comunicação de massa, a consolidação da figura de Leila Diniz foi possibilitada pela mídia.
NUVEM CIGANA

quinta-feira, 6 de março de 2008

ALFRED HITCHCOCK VANITY FAIR TRIBUTE



UM MANDUKA COMO POUCOS


Nasceu irremediavelmente poeta. Aos quatro anos de idade, uma tia levava-o em passeio por Copacabana quando ele saltou de sua inocência e perguntou a queima roupa, para o terno espanto dela, se o mar ficava ali de noite, e como a resposta fosse afirmativa tornou a indagar "e fazendo o quê, esperando o sol para se esquentar?". Era assim Manduka, falecido na semana que passou, ainda na força e na inspiração de seus cinqüenta e três anos bem vividos, deixando inconsoláveis seu pai o poeta Thiago de Mello, de quem herdara a veia lírica e a alma de artista, e a mãe, a jornalista Pomona Politis, que lhe passou o ardente sangue grego. Manduka era carinhoso apelido de família. Na verdade, chamava-se Manuel, em homenagem ao padrinho, o vate nacional Manuel Bandeira, íntimo amigo de Thiago, que celebrizou o menino logo ao nascer com um poema em seu Mafuá de Malungo.
Criou-se assim, tropeçando nas pernas de poetas, escritores e boêmios, a movimentada fauna na qual o pai também pontificava no Rio de Janeiro dos anos 50. Ainda muito pequeno acompanhou Thiago em suas andanças pelo mundo, passando longa temporada no Chile, onde simplesmente cruzou com um dos maiores mitos da nossa América: morou nada menos do que numa das vivendas de Pablo Neruda, privando da amizade e do carinho do poeta já consagrado e agraciado com o prêmio Nobel. Nos jardins da quinta, o grande Neruda, bem ao seu estilo, fazia o seu show matinal para o pequeno alumbrado, tirando dos bolsos, em passes de mágica, objetos fascinantes ("Mira, Manolito...") como pássaros, conchas do mar, brinquedos de corda e fantoches, que manipulava com a graça infantil de clown de circo. Enfim, um mundo encantado que nos faz logo pensar num filme que bem poderia se chamar O Menino e o Poeta, parafraseando a inesquecível obra de Skármeta.
Ungido e crismado nesse clima, desde o nascedouro estava Manduka fadado a trilhar uma carreira de artista. E decidiu-se cedo pela música, como poderia ter enveredado pelo desenho e a pintura, que só tardiamente abraçou, na década de 90, quando o conheci. Mas foi como compositor e letrista que se lançou e brilhou, trabalhando com o Geraldo Vandré da última fase e depois com Dominguinhos, com quem fez a conhecida "Quem Me Levará Sou Eu", que, recebida calorosamente, conquistou a láurea principal num festival da TV Tupi. Isso num tempo em que os festivais consagravam nomes como Chico Buarque e Caetano Veloso. Suas derradeiras parcerias em música se deram já na sua fase brasiliense, com o também poeta e jornalista Luís Turiba; e nos últimos meses preparava com os irmãos chargistas Paulo e Chico Caruso um show em grande estilo, que o traria de volta aos palcos do Rio de Janeiro.

No bar da livraria Presença, chamava-me a atenção aquela figura meio sobre o bizarro, tirada a Anthony Quinn, lembrando o grego Zorba, óculos escuros e barba hirsuta. Bebericava o seu Martini sempre solitário, na verdade só de puro charme e figuração para esconder a timidez e um temperamento até certo ponto arredio, como pude concluir depois. Um dia em que se excedera nos drinks mostrou-se em todo o seu talento histriônico: assisti então a uma sua imitação absolutamente mediúnica de Manuel Bandeira, dizendo com certeira sensibilidade o "Evocação do Recife", com a mesma voz cavernosa de tuberculoso profissional, tão minha conhecida do antigo disco Festa. Entrei na roda e no papo e de repente era como se fôssemos amigos há trezentos anos e selamos ali uma amizade para toda vida.

Depois fiz para Manduka e com sua mulher, a bela Valéria a quem ele chamava ternamente de "garça morena" um longo clip filmado nos picos rochosos dos Pireneus goianos, que virou peça de resistência do seu show Zum-Zum, com o qual fez uma cruzada de norte a sul do Brasil, tocando, cantando e conversando com os universitários. Por último, já morando em Petrópolis, onde se tornou parceiro de Alceu Valença na escrita de uma ópera popular para o cinema, começou a trabalhar também na trilha sonora do meu filme O Engenho de Zé Lins, sobre o romancista José Lins do Rego que quase conheceu, pois o autor de Fogo Morto morreu nos braços de Thiago de Mello, seu maior amigo e confidente.
Agora a cena é outra mas trata também da passagem desta para a melhor, como dizem. Vejo Manuel Bandeira, em meio aos querubins, recebendo o afilhado, enlaçando-o numa nuvem e beijando-o afetuoso com sua proverbial dentuça. Ao fundo sua voz ressoa cava e doce, dizendo o poema do batismo de Manduka, ao dedicar aos seus pais o livro Opus 10 de sua lavra: "A Thiago e Pomona ofereço/ Meu Opus 10, exemplar A/ E com este voto ofereço:/ Deus bem-fade a vida em começo/ Do opus 1 deles, meu xará./ - Meu imprevisível xará".

Texto de Vladimir Carvalho, cineasta




FILME INGLÊS IMAGINA ASSASSINATO DE GEORGE BUSH

O imaginário assassinato do presidente norte-americano George W. Bush, diante de um hotel em Chicago, no dia 10 de outubro de 2007, foi o ponto de partida para "A morte de George W. Bush", do inglês Gabriel Range, que tem estréia em São Paulo e Rio de Janeiro na sexta-feira.

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A provocação foi levada tão a sério que algumas redes de cinema norte-americanas recusaram-se a exibir o filme nos Estados Unidos.Não era para tanto. Afinal, este docudrama (mistura de documentário com ficção dramática) trata menos da morte de Bush e mais da análise de uma investigação desta importância, caçando os suspeitos de sempre. No caso, os alvos são os árabes.
A trama começa, justamente, com a lamentação de uma mulher síria (Hend Ayoub): "Por que os assassinos não pensaram nos seus atos?". A queixa parte de alguém que viu o marido (Malik Bader) preso apenas por ser sírio, trabalhar no edifício diante do hotel onde ocorreu o assassinato, ter servido no exército em seu país e feito viagens ao Paquistão e ao Afeganistão.
O fato de que faltem provas materiais contra o suspeito sírio não tem a menor importância para o chefe do FBI, que dizia que visar os muçulmanos na investigação não era racismo e sim "senso comum".
Para reforçar sua ligação com a realidade, dando-lhe a aparência de um verdadeiro documentário, usam-se imagens reais do próprio Bush discursando num evento econômico num hotel em Chicago.
Também se utilizam imagens do vice-presidente, Dick Cheney, que foram tiradas de um enterro de uma personalidade importante para o governo norte-americano, com bandeira nacional recobrindo o caixão -- reforçando a impressão que o filme procura passar, de que seu discurso falava do falecido Bush.
Tecnicamente bem-feito, o filme recebeu o prêmio da crítica internacional no Festival de Toronto, em 2007.



O "PAÊBIRU"

É das coisas mais malucas e assombrosas que já se fez em música brasileira, mas eu me surpreenderia muito se eu tiver mais de 5 leitores que a conheçam. O nome é escrito assim mesmo, com a combinação agramatical de acentos.

Em 1973, o paraibano Zé Ramalho estava cansado de animar bailes em bandas de iê-iê-iê de João Pessoa e Campina Grande. O pintor Raul Córdula lhe avisou que no Recife havia um pessoal diferente, conhecido pela alcunha de udigrudi pernambucano. Foi pra lá. O guru era Lula Côrtes, um hiperativo que dividia seu tempo entre o desenho e o seu inseparável (e legendário) tricórdio.

Este disco não foi a estréia de Zé. Ele havia entrado no estúdio em 1973 para participar de uma maluquice coletiva chamada Marconi Notaro no Sub Reino dosMetazoários. Lula Côrtes se firmara como líder da turma durante a I Feira Experimental de Música do Nordeste (11/11/1972), também conhecida como Woodstock cabra da peste.

“O ácido era distribuído ao público, cerca de duas mil pessoas, dissolvido num balde com K-suco”, testemunhou depois Marco Polo, futuro membro da Tamarineira Village, numa entrevista ao jornalista pernambucano José Telles (autor de Do Frevo ao Manguebeat, Editora 34).

No início de 1974 Zé foi apresentado a Lula, que vivia com a namorada Kátia Mesel no então distante subúrbio de Casa Forte (que virou bairro nobre do Recife). Lula lhe falou da Pedra do Ingá e da idéia de fazer um disco inspirado no sítio arqueológico de Ingá do Bacamarte. O disco foi feito em 1975 no estúdio da Rozenblit (empresa fundamental para a história da música pernambucana) e lançado imediatamente. Mas na terrível enchente de julho daquele ano no Recife, as águas do Capibaribe invadiram a fábrica e destruíram praticamente toda a prensagem do disco, com a exceção de 300 cópias que haviam sido levadas para a casa de Lula e Kátia.

Dessas 300 cópias nasceu o mito, que é tão incrível que há gente que não acredita.

Hoje é possível encontrá-lo em CD, lançado pela Shadoks, um obscuro selo alemão. Aí no Brasil o disco sai por um preço bem salgado: alguém oferece um exemplar do CD no Mercado Livre por 120 mangos. No site da CliqueMusic é possível ouvir os primeiros 30 segundos de cada faixa. E também está disponível por aí na rede, claro, para quem tem as manhas.

Eu acho 90% do que se passa por “psicodelia” uma grande embromação. O Pink Floyd fez um disco, chamado The Piper at the Gates of Dawn (1967), ainda com Syd Barrett. O resto é trilha sonora de imberbe experimentando um baseado pela primeira vez. Estou em boa companhia ao achar o Grateful Dead uma chatice: o desfrute da música depende seriamente de uma ajudazinha de psicotrópicos e da mitologia da "viajandice" propagada pela banda.

Não é o caso deste LP duplo, em quatro partes: Terra, Ar, Fogo, Água. 11 canções no total, sendo o “Ar” representado só por duas faixas. “Trilha de Sumé”, com 13 minutos, passa por tambores, cantorias em marcação de coco, flauta, saxofone, o tricórdio de Lula e a guitarra distorcida de Zé Ramalho. É impossível saber o que vai acontecer no momento seguinte. As seqüências melódicas são interrompidas por cantorias de pássaros, sons de cachoeiras e outros barulhos da natureza que vão pontuando a viagem. “Harpa dos Ares” é uma bela peça instrumental com diálogo de cordas, flauta e canto de pássaros. O fechamento da parte “Terra” é com “Não existe molhado igual ao pranto”, melodia arrastada à base de cordas, com gritos esganiçados ao fundo (sugerindo tortura, talvez) e solos de sax. O barítono rouco e arranhado de Zé ecoa melancólico: Não se escuta da terra quem for santo / Não se cobre um só rosto com dois mantos / Nem se cura do mal quem só tem pranto / Nenhum canto é mais triste que o final.

Eu gosto menos da seqüência do “Ar” (faixas 4 e 5) que é mais plácida, menos trabalhada musicalmente e mais dependente de ruídos externos.

A seqüência “Fogo” começa com uma canção intitulada com versos que depois ficariam famosos na voz de Zé: “Nas paredes da pedra encantada / os segredos talhados por Sumé”. Essa é um petardo, um rock alucinógeno, com bateria, baixo, órgão. Um resenhista definiu a canção como “o som que os Doors teriam se eles fossem capazes de se divertir”. Essa seqüência termina com “Maracas de Fogo” e "Louvação a Iemanjá”, um canto responsorial sobre um batuque polirrítmico bem próprio dos sons dos orixás. Mais três faixas completam o disco, louvando a água: ali de novo predominam as cordas, pontuadas por ruídos aquáticos vários. Destaque para “Pedra Templo Animal”, um xaxado psicodélico.
...





POESIA E MÚSICA EM (IN)COMUM RESSONÂNCIA

A concepção desse disco se deu, pelo menos a idéia rarefeita, quando eu e Glauco estávamos numa viagem de volta da praia de Porto de Galinhas para casa, Recife, e estava rolando no som do carro Manuel Bandeira recitando suas poesias intercaladas com o piano de Belkiss Carneiro de Mendonça, tocando Camargo Guarnieri. Então, pela amizade que já tínhamos com Jomard Muniz de Britto, vimos a possibilidade de gravar um disco com ele recitando também os seus “atentados poéticos”.
No princípio, a idéia era gravar ao vivo com ele declamando os textos ao mesmo que nós estivéssemos tocando, com a banda completa improvisando. Mas, devido à dificuldade técnica de gravar tudo de uma só vez, resolvemos gravar cada instrumento separado para obter uma qualidade melhor. Então Jomard gravou os 10 “atentados poéticos”, no estúdio Constelasom de Ricardo Silva em Recife, e me entregou para iniciarmos o trabalho.
A primeira tentativa de gravação foi verificar quais das minhas composições e de Glauco poderiam funcionar com os textos. E muitas delas realmente se encaixaram muito bem, como: Nunada (Ricardo Maia Jr.), faixa 2; Desmantelo (Ricardo Maia Jr.), faixa 3; Pássaros (Glauco Segundo), faixa 4; Canção de ninar (Glauco Segundo), faixa 5; Dia de euforia e Buraco (Glauco Segundo), faixa 6. A idéia das faixas 1, 7 e 10 foi de fazer trilha sonora de improviso usando as poesias e suas rítmicas orais e verbais como tema condutor das sonoridades. Já as faixas 8 e 9 foram compostas e arranjadas, por mim e Bruno, especialmente para os textos, respectivamente.
Os atentados poéticos de Jomard remetem à metalinguagem, política, pedagogia, filosofia, psicanálise, cinema, dentre outros aspectos latentes em seu dailogismo. Cada um dos textos traz referências às experiências do dia-a-dia da composição poética, entre humores e ironias do artista. Jomard dialoga poética com a atividade de cronista do cotidiano, sem comprometimentos partidários; sem tentar salvar os mundos, mas também sem nunca esquecê-los. Há um processo de luta cultural, propostas de alternativas à cultural dominante e uma redefinição do papel da vanguarda nesses tempos de pós-tudo(s).
O que se pode concluir é a importância desse disco para concretizar a relação entre Jomard Muniz de Britto e Comuna, num projeto em que ambos puderam livremente somar suas expressões num disco que pode ser classificado como poesia e música em (in)comum ressonância. Ou relutância?

Ricardo Maia
DOLL FACE

quarta-feira, 5 de março de 2008

JUANA MOLINA - "QUIÉN?"



UMA ÓPERA DO SERTÃO

O novo filme de Sérgio Ricardo, A Noite do Espantalho, é o primeiro filme dramático inteiramente baseado numa estrutura musical, o que sem dúvida representa uma importante experiência para o cinema brasileiro. Autor de dois outros longa-metragens, Esse Mundo É Meu e Juliana do Amor Perdido, além do curta O Menino da Calça Branca, Sérgio Ricardo talvez ainda seja mais conhecido como cantor e compositor, a princípio mais ou menos identificado com a bossa nova e depois com uma conturbada participação nos festivais de música popular.
Mas, acima de tudo, Sérgio Ricardo ficou conhecido pela autoria da trilha sonora de Deus e o Diabo na Terra do Sol, de Glauber Rocha. E, de um outro ponto de vista, como um artista preocupado fundamentalmente com a possibilidade de comunicação com o povo. Nesta entrevista especificamente ele aborda no quadro de sua experiência pessoal com A Noite do Espantalho, um problema que envolve o conjunto do cinema brasileiro: quais as possibilidades de um cinema popular? E isso tanto no que se refere às informações que possibilitam a realização do filme como no que diz respeito às suas possibilidades de comunicação com o público.
Na fala de Sérgio Ricardo expressa-se uma das preocupações essenciais daqueles que vivem no gueto cultural: como seria possível para o cineasta se comunicar com outras camadas de público que não aquela de onde é oriundo e que tem basicamente as mesmas informações, isto é, as camadas cultas e abastadas do público urbano? Qual a possibilidade do filme atingir um público com outras informações?
Porque se um filme inspirado em temática e formas de expressão que procuram ser populares não chegar ao público de que fala e a que basicamente se destina, então necessariamente ele representa uma apropriação da linguagem popular em benefício exclusivo dos públicos urbanos.
As colocações de Sérgio Ricardo ao longo da entrevista refletem sobretudo essas preocupações e fornecem elementos que poderão servir de ponto de partida para uma discussão mais aprofundada desse problema básico para a criação e a distribuição cinematográfica no Brasil. (Carlos Murao).
A que públicos você dirige seu filme?
Sérgio Ricardo - Ao começar a trabalhar neste filme, eu não tinha só a preocupação intelectual ou artística de fazer um trabalho que fosse entendido por intelectuais e artistas. Mas dar em primeira instância importância mesmo à comunicação com o povo. Com aquilo que a gente poderia chamar as diversas classes. Quanto mais abertura tiver o filme, melhor para mim. É uma preocupação que acompanha todo o pessoal do cinema. Como o cinema é de certa forma uma indústria, a gente investe uma grande importância e seria suicídio restringir o entendimento do filme apenas a uma pequena camada de intelectuais entendidos em cinema.
Por isso, e também por vontade pessoal de compreender a linguagem do povo de devolvê-la do meu próprio filtro estético, trabalhei com essa preocupação de comunicação ampla. Até agora, a única coisa que eu sei é que o intelectual vem gostando do filme. Até o momento não tive muitas opiniões em contrário. A classe estudantil também entendeu e gostou. Não me interessa na verdade se gosta ou não gosta, a minha preocupação é o problema do entendimento. Então foi entendido pela classe estudantil e pelos intelectuais, tanto aqui como fora do Brasil. Mas o que me preocupa mesmo é ver se será ou não será entendido pelo homem do campo, pelo operário. O ideal é que em primeira instância fosse entendido pela população rural, porque é da vida dela que trata o filme. E seria interessante que eles entendessem o que eu quis dizer com o filme. Se o operário não chegar a entender, não será tão grave para o meu propósito. Acredito que esse seja o dado fundamental da criação desse filme, porque o meu esforço foi buscar a própria linguagem do povo, do homem do campo, para narrar uma história dele mesmo, mas através da minha visão de mundo. Se o filme chegar a ser entendido por ele estará cumprida a minha intenção e o filme terá vingado. Se o camponês não chegar a entender, se não entender a mitificação de seus valores intelectuais, de criação, de imaginação, se ele não se sentir retratado ao nível de seu entendimento, então o filme estará frustado na sua função principal. Poderá inclusive alcançar sucessos maravilhosos em outras classes, no exterior, por essa ou aquela forma exótica, por esse ou aquele valor de beleza, de fotogênia, de não sei o que, mas o fundamental do filme estará de certa forma frustado. O problema: a dificuldade que tenho de chegar com este filme até o campo. Porque não tenho uma máquina 35 mm para poder levar o filme debaixo do braço lá onde eu queria mostrá-lo. Então a lógica seria ver se os veículos normais de exibição de filmes vão me permitir fazer com que este filme chegue até a zona rural. Essa é uma outra angústia, porque não acredito muito que o filme chegue até lá. Inclusive já estudamos a possibilidade de fazer cópias 16 mm e fazer nem que seja um teste de exibição numas fazendas, uns campos aí, pelo menos no nordeste. Esse é na verdade o grande propósito. No lançamento do filme em Recife, pretendemos, junto digamos com a burguesia que vai assistir à estréia, trazer o povo que participou do filme, de Fazenda Nova, de Fazenda Velha, de Nazário. Vamos trazer os homens do campo que trabalham no filme do sertão para a cidade e colocá-los na mesma sessão de cinema, para ver se pelo menos aí a gente percebe o entendimento que eles tem do filme
A Noite do Espantalho conta uma história de nordeste, de seca, de espoliação do camponês. Por que ter ambientado esta história na cenografia de Nova Jerusalém?
Aí me parece que entra a grande investida do filme numa linguagem que até então não tinha sido feita no cinema, pelo menos que eu tenha visto. Ao invés de ambientar a história dentro do realismo da situação verdadeira do camponês, usar o seu próprio cenário e a sua própria realidade quase que como um documento, como até então vinha sendo feito, parti para outra. Isto parte de um dado fundamental: realmente ninguém gosta de se ver retratado, encabula muito. Nem o cara de classe média nem o intelectual gostam. Mas se o camponês encontrar no filme a sua própria forma de criação, ele vai entender muito mais o problema. Veja a experiência com um de meus filmes, Esse Mundo É Meu: mostrei para algumas pessoas da favela, que não gostaram de ver a miséria da favela retratada no cinema. A primeira coisa que passa pela cabeça de um homem da favela é: "Aquele cara vai querer mostrar a sujeira da gente para o mundo inteiro; ele fotografou tudo na favela e agora estou eu aí na tela sujo e feio". A primeira sensação é uma revolta, quase como se fosse uma traição. Ele não raciocina especificamente sobre os problemas daquele personagem, ele não se identifica com o personagem, ele vai fazer tudo para não se identificar.
Agora, se ele vir o samba colocado na tela, com aquelas vestimentas, aquela alegoria toda, e de repente junta um problema dele dentro da cena, ele vai se identificar, tenho a impressão, muito mais. Principalmente com aquela fertilidade de imaginação do povo, a sua ingenuidade, o colorido, a alegoria, a simbologia toda. Essa foi a premissa de que parti para enfeitar, vamos dizer, o filme com uma estilística próxima da criação do próprio povo, a moto com asas, o dragão. São elementos da fantasia do povo que vêm reproduzidos na literatura de cordel. Muitas vezes eu vi pelas feiras do nordeste o cantador lendo o libreto de cordel com aquela fantasia toda de dragão que come não sei o que, de princesa roubada por não sei quem. E em volta, a platéia de vaqueiros e camponeses em geral ficava embevecida com aquela poesia da ingenuidade que transcendia o próprio problema em si dentro de uma fantasia muito rica, muito apocalíptica. Qualquer coisa que viesse dentro daquela informação sobre os problemas dos camponeses seria recebida sem a menor resistência. Essa cultura popular não nasceu à toa, se ela ainda existe e resiste no interior, nas feiras, é porque tem alguma verdade.
Então esse tipo de linguagem me encorajou para enfrentar um cenário inteiramente irreal. Não existe o greco-romano no sertão brasileiro, só existe nesse teatro que foi construído lá. Na própria filmagem, pude verificar que isso era importante para a compreensão do povo: o povo que fazia a figuração sentia na pele a fantasia do filme, entendia perfeitamente, e eu percebia que quanto mais fantástica a cena que se filmava, maior era o interesse despertado pela cena. Dentro do próprio campo de filmagem, comecei a sentir o sucesso do empreendimento.

A Noite do Espantalho é um filme musical, se falou até numa ópera do sertão. Você poderia situá-lo, enquanto musical, no panorama do cinema brasileiro?
Isto é outro arrojo do filme. No cinema, intimida muito pensar em drama ou em tragédia dentro de uma estrutura musical. Tradicionalmente no Brasil, quando se pensa em musical, a gente pensa logo em chanchada, pois é a forma já experimentada com sucesso. O sujeito, que parte para uma chanchada sabe exatamente que tipo de resultado pode obter. Mas no caso de um drama, ou mais exatamente de uma tragédia, era diferente. Existia a minha experiência anterior como compositor e o fato de ter feito a trilha sonora de Deus e o Diabo na Terra do Sol e outros filmes: estava lá a minha chance voz cantando e narrando trechos do filme. Senti que a imagem dramática ligada a uma música dramática dava um resultado fantástico dentro do cinema brasileiro. Talvez com mais força do que a própria chanchada em termos de comunicação.
Por outro lado, havia a temática em si: enfrentar um estilo cordelesco sem colocar a música e o cantador seria empobrecer a narrativa. E o cantador do sertão não é cômico. Cômico é cantador de feira que a gente encontra em cidades maiores, ele usa a graça e a comédia para se expressar. Mas os cantadores que se desafiam, esses enfrentam uma parada mais séria. Basta percorrer as formas de linguagem do desafio para perceber que existem diversas formas bastante agressivas, trágicas, apocalípticas mesmo. Pode até se dizer que apoiei a linguagem do filme numa pesquisa que andei fazendo, não só da música como de literatura de cordel. O que mais me impressionava era a profundidade que eles pretendiam alcançar, não só na loucura com que envolviam apocalipticamente as formas e as imagens que eles criavam, como na rudeza com que enfrentavam determinados temas violentos.
Gravei em Fazenda Nova dois cantadores. Havia uma seca violentíssima, a plantação estava se estragando e num momento em que os cantadores estavam se desafiando, começou a trovejar, e eles, dentro daquele ruído do trovão, começaram a improvisar a alegria que significava este acontecimento, e começaram a engrandecer o acontecimento. Começou realmente a chover e ficou uma coisa apocalíptica. Só ouvindo a gravação para poder perceber a que ponto dramático eles chegam ao enfrentar determinada situação. Isso me encorajou para enfrentar uma tragédia musical. Fui até modesto: poderia ter abusado até mais.




O SONHO DE UM TEATRO VIVENTE: O LIVING THEATRE
por
Rossella Barrucc



1. O DEBATE ARTÍSTICO-CULTURAL

Neste clima de agitações sociais e tensões políticas, também o debate cultural faz-se áspero e contestador: "Vêm agredidas as instituições teatrais de recente formação. À "cena" pede-se, agora, que levante a cabeça para além da sua angústia estética e recomece a acreditar na própria função social, oferecendo-se novamente qual agente de transformação da realidade." Para fazê-lo, porém, o teatro deve sair do teatro, deve rebelar-se à institucionalização das formas de molde aristotélico, confiar um maior espaço ao corpo humano e fazer com que este último assuma uma prioridade executora sobre a palavra. A palavra é somente uma das componentes do espaço linguístico (aquela menos autêntica), que se pode representar como uma corrente horizontal de uma só dimensão. O corpo, ao contrário, é pluridimensional, tem uma extensão infinita, onde não há interrupções, não há soluções de continuidade. O corpo assumiu a qualidade específica de "agente" teatral, age fisicamente, narra si mesmo e propõe a própria transcendência, com ascensões verbais e sonoras todas próprias. Aqui nasce a necessidade física de uma nova relação entre o espaço teatral tradicional (histórico) e a sociedade, entre ator e espectador, entre ator, música e objetos cênicos, entre ator e ator, etc. A história do teatro nas últimas décadas, a partir dos anos 60, tem sido uma contínua tentativa de operar este salto de qualidade, de deixar um espaço óbvio, inautêntico, para alcançar um espaço sem fronteiras: exemplos são o happening, o teatro da crueldade, o do absurdo, o street theatre, etc..

Todas manifestações, estas últimas, que nascem e se desenvolvem nos Estados Unidos, mas que trazem consigo uma tradição e uma influência absolutamente européias.

2. O TEATRO RADICAL NORTE-AMERICANO

Será, efetivamente, o teatro radical norte-americano quem marcará "o registro" mundial de uma inteira década, não somente por suas próprias produções, mas porque funcionará como compêndio de todos os movimentos anteriores, alguns dos quais irrealizáveis, que darão uma visão pessoal e, por sua vez, porém, influente.

A linha política de Brecht e de Piscator encontrar-se-ão presentes no ativismo teatral, principalmente porque ambos os "diretores" habitavam nos Estados Unidos: Piscator, a partir de 1939 e Brecht, como exilado forçado. A influência de ambos é plenamente reconhecida pelos diretores dos grupos mais significativos e influentes.

Grotowski, inserido nos Estados Unidos na categoria de "guru", de quem tentam assimilar cultura e método, ataca duramente o teatro radical durante o Seminário de Holstebro, no verão de 1969: "Os Norte-americanos não seguem jamais as próprias técnicas, e quando o fazem nem mesmo o podem manter puro.

Aferram-se a qualquer suporte cultural, aprovando tudo, desde o yoga à sensibilização de grupo às drogas. Buscam a segurança no grupo porque não a têm dentro de si mesmos. Misturam a arte e a sociabilidade, os problemas pessoais com os profissionais e, como resultado, o trabalho artístico corrompe-se. Tudo isto faz parte do infantilismo norte-americano."

Com razão ou sem ela, o diretor polonês despreza a profunda influência que o teatro norte-americano exerceu no mundo inteiro. Se, com este, viajavam suas contradições, é também exato estender suas certezas, principalmente aquelas que se referem àquele compromisso artístico inserido como modelo de vida. O teatro radical, "uma fábrica de ação", provavelmente não refletirá a realidade, mas tentará substituí-la, não comentará a vida, mas participará dela.

Todas estas atitudes, como já mencionado, cristalizar-se-ão em ações teatrais que exigirão uma terminologia que as defina, quais o teatro de rua, por exemplo, e o happening, síntese, esta última, de todas as artes.

3. O HAPPENING

Em direção ao happening refluem os lemas de quase todas as linguagens artísticas. O fato é que estes, inseridos em um novo contexto, terminam por dar vida a um sistema isolado.

O protótipo deste novo modelo é constituído pelo espetáculo preparado no Black Mountain College, no North Caroline, em 1952 (indeterminate event), cujo dado saliente parece ser a justaposição de objetos heterogêneos (dança somada ao cinema, somado à literatura, somada à música). A representação é um ajuntamento de sinais: luminosos, acústicos, olfativos. Ou melhor: um parque de diversões repleto de luzes coloridas, colagens, todas ao redor, prolongadas sequências de diapositivos, atores imóveis ou que se movem com passos e gestos codificados (mesmo atuando, com frequência, em ações insignificantes) e fragmentos de frases, palavras que se dissolvem em sons, rumores, silêncios irritantes, e depois exalações de toda espécie.

Fornecer uma definição cabal do happening não é fácil, talvez resulte mais manejável e mais claro ir ao encalço de seus habituais elementos constitutivos: a vasta área tipológica, antes de tudo, fruto de um complexo jogo combinatório onde a obra de arte aparece como adição de uma série de seções destacadas umas das outras ("compartimentos"), que podem também funcionar simultaneamente; em seguida a indeterminação: o que está a dizer que o happening faz-se perspectiva de um acontecimento fortuito, mas somente dentro de certos limites; por fim a busca de uma nova modulação espacial que tem o objetivo de envolver o público na performance.

Em prática, é como se o observador-expectador fosse absorvido pela representação; em alguns casos pode mesmo ser utilizado como material artístico; no máximo, compartilha com o autor e com os intérpretes a experiência da criação estética, no sentido que a ele cabe integrá-la e, em certo modo, concluí-la.

Inútil, por outro lado, tentar decifrar a "mensagem", já que a linguagem dos happeners é ambígua e fugitiva, alógica, e não satisfaz alguma função de tipo informativo.

As diversas atividades não se inserem num contexto narrativo e nem mesmo existe um nexo lógico entre as várias repartições. Seria mais apropriado, então, referir-se ao happening como a um teatro dos sentidos que menospreza o valor semântico da palavra, baseando seu impacto principalmente em fatores visuais e sonoros, em uma espécie de delírio comunicativo. Entre outras coisas é necessário relevar o fato de que a intensidade e a modalidade do processo perceptivo variam de espectador a espectador. Cada participante do happening vive, enfim, uma experiência sensorial absolutamente pessoal.

O happening, diversamente da pintura e da escultura, não é um produto passível de ser transformado em mercadoria: é um rasgão de vida.

Oferece uma fenda da vida real, uma imagem (apenas distorcida) da atividade do mundo por isso dura o espaço de uma manhã, apenas o tempo da representação e não é duplicável. Esboçando uma definição sumária, poder-se-ia dizer que o happening é uma espécie de teatro anti-literário.

4. O OFF-BRODWAY

Enquanto as outras artes cobrem percursos inexplorados (teatralizando-se), o teatro tradicional parece não se encontrar nem mesmo arranhado por este furor iconoclasta.

Naturalmente não é de se admirar: o teatro é uma estrutura caracterizada por uma forma e uma constituição complexas a sua indolência é congênita; durante longos períodos da sua história vem sendo conduzido. Trata-se de "uma espécie de atraso sociológico", como não deixa de sublinhar Julian Beck, futuro líder da vanguarda teatral, referindo-se ao salto adiante feito pela pintura graças a Pollock e a De Kooning. A defasagem que divide o teatro das artes plásticas é abissal, basta pensar na produção novaiorquina, cidade que desde suas origens constitui-se como a fonte geradora que ilumina o cenário americano: comédias musicais e leves, de vez em quando um bom dramalhão, isso é o que proporciona Times Square, espetáculos de evasão com fins especulativos onde a história se repete. O teatro americano, na sua origem, não era nada mais que um business enterprise.

Para encontrar algo de menos estereotipado, é necessário afastar o olhar da Broadway. Nas redondezas periféricas, distante da Broadway, o espetáculo não é somente fogo iridescente produzido para deslumbrar as pessoas; ao menos o teatro não vem desclassificado sistematicamente ao nível de uma mera transação comercial, o que não significa que este seja a única célula sã de um ambiente necrótico; off-Broadway é, ao contrário, uma espécie de limbo continuamente suspenso entre as adulações do business e a chamada Arte, entre a tradição e o novo. As origens do movimento são conhecidas: Princetown, Washington Square, Neighborhood Playhouses, e, sucessivamente, Greenwich Village e o Lower East Side, "moradia" de visionários, rebeldes, extravagantes, revolucionários, enfim, de todos os marginalizados da América.

Joe Cino e Ellen Stewart, nomes atualmente envolvidos por algumas lendas: são eles que abrem a passagem ao Novo Teatro quando, prolongando a tradição das letras da poesia beat, começam a hospedar em singelas coffee-houses fileiras de aprendizes-comediógrafos e de atores em início de carreira. Nestas bandas nem mesmo se sabe o que os regulamentos sindicais significam. Organizar um espetáculo custa uma grande quantidade de dólares: ninguém, desde o comediógrafo, ao diretor, aos atores, é pago: quanto ao público, se lhe interessar, verterá um "óbolo" no final do espetáculo. O caos reina soberano nos antípodas da Broadway.

Eliminada a dissociação entre empresários e teatrólogos, e, por consequência, a idéia fixa do sucesso comercial imediato, os micro-procênios do Village transformam-se no espaço onde vêm experimentadas as novas experiências estéticas.

Os novos teatrólogos parecem invadidos pelo fogo sagrado da experimentação. Não todos, de qualquer forma: em certos casos, o ardente desejo de novidade se detém nas soleiras de um teatro "puro", não a serviço dos ideais do mercado mas tampouco revolucionário ou puramente rebelde.

Quais são os objetivos por trás da New Wave? Quem são os membros fundadores deste movimento cênico? No início dos anos sessenta o panorama parece ainda confuso. O Off-Broadway é um universo variado, onde se encontram mesclados gênios e meias figuras, originais e falsos, pioneiros ansiosos de sondar vias inexploradas e ambiciosos camuflados que consideram as ribaltas underground somente um trampolim por onde se lançarem, uma simples etapa na longa estrada em direção a Broadway.

Difícil orientar-se no interior desta paisagem multicor.

Há quase o sabor do provisório: os staffs denunciam uma incessante mobilidade; as novas peças se sucedem sem descanso. Mas, ao menos, algo parece claro: o fato que o nascimento de uma nova sensibilidade estética procede, desta vez, no mesmo ritmo da emergência de realidades alternativas que tendem a modificar os próprios traços fisionômicos do sistema americano, no sentido de uma progressiva radicalização do quadro político. Não obstante este fato, a evolução ideológica do Teatro Novo (quando existe) é uma realidade lenta e complexa.

A conversão radical, em larga escala, pode-se datar em torno da metade dos anos 60 (contemporaneamente ao aguçar-se da crise no Sudeste Asiático) e, de qualquer modo, não se refere ao conjunto total de pequenos grupos que povoam o mosqueado universo do Off-Broadway. Certamente a nova década vê a aberta crise do liberalismo, mas o espectro da reação do novo teatro ao mal-estar social que atravessa a realidade americana é enorme, oscila entre o pragmatismo radical e a desafeição em relação ao sistema que recusa as mediações ideológicas e a ação revolucionária.

Presumivelmente as causas da futura crise, ao menos de uma parte do novo movimento, devem ser procuradas mesmo nesta falta de ideologia. Quando se derem conta, a um certo ponto, que a escassez de fundos expõe ao risco de uma cristalização do ímpeto inovador, opondo contínuos obstáculos à "viagem", para muitos, os grupos menos politizados, a assimilação às estruturas institucionais parecererá uma passagem obrigatória. A essa altura, as soluções possíveis serão somente duas: demonstrarem-se coerentes consigo mesmas ao custo de fechar as próprias portas (será a solução escolhida pelo Open Theatre de Joe Chaikin), ou então se deixarem cair dentro da armadilha, sob pena de uma mortificação das margens residuais de dissidência.

Quanto aos outros, os radicals, para subtraírem-se ao fechamento ou a um fim inglorioso, seguirão uma estrada diversa: inicialmente resistirão até o limite extremo, mais tarde tentarão a estrada da coalizão através de associações, como, por exemplo, o Radical Theatre Repertory fundado por Ronnie G. Davis no início de 1968. O Radical Theatre Repertory propõe-se a estabelecer contratos, organizar turnês e, em modo geral, promover os grupos que dele faziam parte: Performance Group, Open Theatre, Pageant Players, San Francisco Mime Group, Teatro Camponês, Playhouse of Ridiculous, Firehouse Theater, Bred and Puppet, os grupos do teatro negro Theater Black e Black Troup e, mais antigo entre todos, fundado em 1946 por obra de Julian Beck e de sua esposa Judith Malina, o Living Theater.

5. O LIVING THEATRE

Através do Living Theatre, da sua evolução, seus êxitos, seus insucessos e suas contribuições, pode-se seguir a história do novo teatro norte-americano. Sua existência é a mais longa entre a de todos os grupos, apesar de seus desdobramentos, abandonos, desaparecimentos e renascimentos, porque souberam adaptar-se às exigências de mudanças, porque sua perene busca os faz sempre jovens, porque iniciaram sempre e viram com olhos novos e com renovada força os novos caminhos.

Do texto à improvisação. Da representação à interpretação. Do teatro às ruas. Dos Estados Unidos ao Terceiro Mundo. Como afirmou Peter Brook, "Existem para a representação, e suas representações contêm os movimentos mais intensos e íntimos de sua vida coletiva." Living Theatre, ou seja, Teatro Vivente. A escolha do nome remonta o ano de 1947. Aspira a tornar mais vital a comunicação inter-subjetiva através do teatro. A vida enquanto arte, nesta época, para os dois fundadores, talvez seja somente uma miragem. A escolha de tal objetivo (a vida) favorece, apesar disto, a individualização dos vínculos que, desde a origem, unem Judith e Julian às intempéries culturais dos anos 40, esquivando as glaciações da era consumista.

Em todos os sentidos o Living Theatre funcionou como abertura de estradas aos teatrólogos da New Wave: favorecendo a reviravolta de uma linguagem cênica já degradada e despedaçada, mas também convertendo a angústia mais ou menos reprimida da silent generation em comportamentos claramente contestadores; em seguida coligando os dois fatores: a assimilação da Arte à Vida e a contestação do sistema político.

Quase imediatamente a divergência dos Beck transcende a tácita recusa da civilização do consumo para fazer-se consciência política, ato de desobediência civil (não violenta). Provavelmente, considerando a descendência hebraica de ambos, uma concepção sacra da existência, ultrajada pelas lembranças de anos monstruosos se enriquece, durante o percurso, através de encontros e leituras e culmina na escolha do comunismo e, mais tarde, da anarquia como regra de vida. Mas o caminho a fazer ainda é longo e acidentado.

No início Arte e Política seguem itinerários separados, e, todavia, não tardam a entrever-se os sinais que preanunciam a recomposição da sua identidade dividida. A presença às margens da indústria, ou seja, fora da Broadway, deixa de ser uma necessidade e transforma-se em uma escolha consciente: ou seja, rejeição de uma dramaturgia vazia e suntuosa, mas também desesperada tentativa de subtrair-se à ditadura do dinheiro (e, portanto, aos condicionamentos exteriores). Sob este aspecto, a colocação do grupo em um armazém da centésima rua (durante a primavera de 1954) funciona também como uma indicação de rota: a nova história do teatro americano deverá ser escrita distante da Broadway.

Na fase pioneira encontra-se, sobretudo, uma questão de "forma". Como renovar a linguagem expressiva do Teatro? Alcançar-se-á o objetivo gradualmente, trabalhando febrilmente, em meio a enormes dificuldades financeiras: através da aquisição, e, de grau em grau, da depuração e/ou desmistificação das convenções formais, mas também pela reconversão, inicialmente ocasional e fragmentária, dos modelos estilísticos permutados com outras manifestações de vanguarda.



Multíplices são as linhas diretivas da prática teatral dos Beck: em primeiro lugar a laboriosa busca de uma linguagem sacra alusiva, descarnada sim, mas também combinada de múltiplas tonalidades, que transcenda o plano meramente informativo e seja um autêntico veículo comunicativo. É o sonho longamente almejado de um teatro poético moderno. As mise en scène são meticulosamente pré-orquestradas.

Note-se, em particular modo, a fantasiosa assimilação dos meios expressivos e dos registros estilísticos que visam, sobretudo, reforçar o efeito mágico da palavra remarcando, a cada passo, seu timbre metafísico e solene, lírico e fantástico. Os trajes, o aparato técnico e de iluminação, a cenografia ocupam posição de relevo dentro da técnica cênica, mas nem tudo segue as normas: a cenografia, por exemplo, nas mãos de Julian, revela um insólito grau de adaptabilidade e de transparência.

Invariavelmente cria-se uma série quase ininterrupta de desilusões. A qualidade rarefeita da linguagem, em vez de vitalizar a fruição estética, parece impedir aquela relação envolvente com o público que se encontra entre as aspirações dos Beck. Procede-se ainda às apalpadelas. A história do Living, desde o início, é a história de uma fadigante peregrinação: adentra-se vias solitárias, depois retorna-se sobre os próprios passos e, improvisamente, parte-se novamente em direção de uma nova aventura, sem deixar, jamais, nada de inexplorado; sensíveis às mais variadas chamadas, animados por uma ânsia exploradora absolutamente americana. O esforço de reunião dos modos expressivos tradicionais alterna-se, deste modo, aos acenos parcelares de uma escritura cênica revolucionária que desarranja a estrutura formal ou, até mesmo, a elimina completamente.

Entretanto, nos fins dos anos 50, é necessário registrar também as primeiras tímidas abordagens à improvisação: Pirandello ("Questa sera si recita a soggetto"), Willians ("Many Loves"), Gelber ("The Connection"); a atmosfera de happening (na realidade há, subterrâneo, o truque do teatro no teatro) combina-se com uma organização espacial que rejeita a repartição rígida sala/palco, gerando tensão e favorecendo uma percepção anômala do fato teatral.

5.1 "THE CONNECTION"

Particularmente, "The Connection", do jovem Gelber de vinte e seis anos apenas, parece selar o período experimental colocando-se na prospectiva de modelo de desenvolvimento do teatro novo: uma temática de angústia (a droga: ou seja, o sonho de fuga do American Way of Life) e, ao mesmo tempo, restos inquietantes de uma forma teatral que tende a delinear-se como simples "partitura".

A crueza da linguagem e a intensidade exasperada do fator gestual reforçam a impressão de tranche de vie, de maneira que o espetáculo desenvolve-se inteiro dentro de uma dimensão visionária, quase alucinada. Entre outros, o espaço arquitetônico contribui, em notável medida, para criar este clima de ritualidade onírica; "O teatro propriamente dito", narra Julian, "era pintado de preto, com feixes de listas que se aproximavam passo a passo, convergindo em direção à cena como direto para um foyer, como se nos encontrássemos dentro de uma velha máquina fotográfica Kodak e olhássemos em direção ao exterior através da lente, o olho do sonhador dentro do quarto preto; as cadeiras eram pintadas de cinza escuro, azul, bege, areia e sobre elas grandes números, como se vêem nos circos, com cores brilhantes."

5.2 "THE APPLE"

Segue-se "The Apple" (dezembro de 1961), sempre de Gelber: ainda uma tentativa de fazer o público participar da ação teatral, cujo objetivo fracassa em parte, seja por seu complicado simbolismo, seja pelo abuso de elementos de improviso (improvisados, porém, somente aparentemente, de fato pré-ordenados e, por isso, provocadores).

Imediatamente antes e logo depois de "The Apple", temos duas obras preparadas por Brecht: "Na selva da cidade" e "Um homem é um homem", as quais constituem um capítulo importante da destino do dramaturgo alemão nos U.S.A. e, ao mesmo tempo, revelam a definitiva politização do Teatro Vivente, cuja atenção já está a se concentrar nos temas do poder e de sua lógica brutal, finalizada na manipulação física e/ou mental do indivíduo.

5.3 "THE BRIG"

Finalmente, no ápice da parábola, "The Brig" (a prisão) de Kenneth H. Brown, ex-marinheiro convertido à doutrina anárquica (a estréia se dá no dia 15 de maio de 1963). O teatro novo faz-se revolucionário; transgride as velhas regras estéticas e, ao mesmo tempo, é um ato de rebelião contra o sistema político. "A prisão" oferece, efetivamente, um perfil da não-vida de um punhado de marinheiros no cárcere militar da base americana de Okinawa; versa, enfim, também esta, sobre o tema da despersonalização do indivíduo.

Quanto à linguagem, poderia se observar que esta exercita, quase exclusivamente, a função de mecanismo de propulsão e/ou imobilização da ação teatral, de forma que a peça adquire, durante o seu percurso, uma dimensão sobretudo visual-cinética, a qual, por outro lado, encontra-se intimamente conectada à escolha do dispositivo cênico: uma espécie de labirinto que, por si mesmo, direciona e/ou freia o movimento dos atores. Uma rede de arame farpado cria uma barreira intransponível entre atores e espectadores, espelhando a subdivisão do mundo colocado em cena (guardiães-prisioneiros; carrascos-vítimas).

Prossegue assim até o final, que é o momento de liberação, onde se convida ao grito "acabemos com a barricada" que se transforma, desde então, no slogan (palavra de ordem) do Teatro Vivente. Praticamente cada elemento da representação é conduzido a um estado de paroxismo, de modo a produzir um violento choque emocional que, inesperadamente, catapulta o espectador num mundo quase irreal, que é tangível e parece sintonizado na sua própria dimensão temporal. Aqui nada é deixado ao acaso, é verdade. Todavia o prolongado submeter-se ao desumano regulamento da brig, durante o período dos ensaios, aumenta sensivelmente o sabor do vivido, pondo por terra, na prática, a idéia de teatro naturalístico segundo o qual a cena é somente o "espelho da realidade".

Realismo real e similares são fórmulas de críticos. O fato é que "A Prisão" deve ser lida, desde já, em chave de "Teatro da Crueldade". Descoberto na véspera da inauguração do teatro da Décima Quarta rua, Artaud constitui, de agora em diante, o principal sistema de referência do Teatro Vivente. O evento teatro é elevado à função de cerimonial mágico, cuja "crueldade" (o fato de ser rigorosamente planejado) oferece-se como princípio de catarse emocional (ou seja, exorcizar as forças do mal) destinada, por sua vez, a traduzir-se em comportamento revolucionário.

Que se tratasse principalmente de uma revolução teatral, não há dúvidas. Ainda que se devesse somente ao surgimento, descoberto durante o caminho, de um procedimento criativo, inspirado em critérios de participação democrática, que tende a desmerecer a tradicional figura do diretor como demiurgo e faz com que o ato estético seja, por assim dizer, objeto de uma gestão cooperativa.

Na época de "The Brig" a investigação comum limita-se, na prática, à realização cênica; mas também a última fortaleza, aquela do dramaturgo, encontra-se próxima à ruína. O texto, já em autores como Gelber e Brown, sustenta claramente uma função diferente com relação à tradição teatral: em "Tre Brig" o enredo tem um escasso relevo, assim como o elemento dialógico, sem dizer que certas partes das peças estão reservadas à inspiração improvisadora dos atores.

Moral: numa escritura dramatúrgica engendrada neste modo, não existe mais espaço para o personagem, ao menos, àqueles vistos, segundo os preceitos naturalísticos, como estrutura psíquica complexa presa numa densa trama de relações intercambiáveis. Nestes dramas, ao contrário, o personagem parece dotado quase exclusivamente de um valor funcional: eis porque os papéis são tão facilmente intercambiáveis (os atores fazem, às vezes, a parte do carrasco, outras aquela da vítima).

Entretanto, por trás destas já frágeis cortinas, começa-se a entrever o ator-homem. O esforço dos intérpretes do "The Brig" de se identificarem nas partes, longe de remeter ao estilo de atuação (verossímil) criado por Strasberg, parece ser ditado antes pelo desejo do ator de jogar fora a máscara, fazer cair qualquer proteção, em resumo, revelar a si mesmo.

O Living Theatre, neste ponto, é uma comunidade criativa; ao mesmo tempo a marginalização econômica obriga seus membros a se imporem um regime coletivista que faz com que o grupo se ofereça já como micro-modelo de sociedade alternativa, quase um corpo estranho, a cidade da utopia no seio da civilização afluente. A colisão é inevitável.

Para os renegados do Teatro Vivente tudo isso significa o encerramento do teatro, o embargo, o processo e, naturalmente, a condenação (por não ter pago as taxas e por outros delitos menores).

A Europa, que já lhes dera boa acolhida durante uma turnê anterior (1961), a este ponto representa a única saída.

5.4 O PERÍODO EUROPEU (1964-1968)

Estilhaço da consciência dividida da América, durante a sua nova, rocambolesca aventura, o Teatro Vivente determina seu pensamento, enriquecendo-o de conotações heterogêneas sem, todavia, alcançar uma verdadeira e própria sistematização. No vértice, a Bela Revolução Anárquica Não Violenta, ideal que representa o elemento-chave de sua anti-ideologia e, ao mesmo tempo, o fator de coesão da comunidade; na base, uma acentuada predisposição para descontextualizar contribuições diversas e de toda espécie (da tradição anárquica, do misticismo hebraico e do oriental) e a recompô-los em chave pragmática, traduzindo-os, isto é, em objetivos e invenções estratégicas da luta emancipadora da (idéia de) autoridade constituída.

Por trás da diversidade, e, às vezes, da nebulosidade, transparece nos argumentos, de qualquer forma, nitidamente, a repulsa a um mundo (a sociedade americana) em vias de desumanização, invadido pelo instinto de morte, mas, ao mesmo tempo, também a fé num futuro alternativo. Uma fé reforçada pela constatação de que uma zona liberada já existe: o Living Theatre, vagante fragmento de vida edênica num universo de violência.

Condição indispensável à mudança, segundo a visão profética dos Beck, é que a "vítima" finalmente acorde; a aquisição de uma nova conscientização a impelirá a abraçar a causa revolucionária. Evocar os "demônios" (a sociedade opulenta e seu aparato repressivo), indicando o reino dos céus (um estilo de vida alternativo). Sobre esta temática concentram-se os espetáculos que o Living Theatre apresentou na Europa entre 1964 e 1968: alusiva representação do inferno e lampejos paradisíacos ("Mysteries and Shaller Pieces"); reconstrução em tons apocalípticos do processo de civilização-mecanização e, na sequência final, um jorro de luz ("Frankenstein"); reevocação de uma tentativa, falida porém, de oposição desarmada ("Antígone" de Brecht); enfim, a concretização das possibilidades utópicas, ou seja, a emergência de uma nova organização comunitária modelada sobre a célula do Living ("Paradise Now" Paraíso agora!)

Quatro espetáculos que são etapas de uma longa viagem através da noite até a repentina explosão da aurora. Emblemáticos, de modo particular, dois destes espetáculos: o "Frankenstein" (1965, onde a despreocupação eclética alcança, talvez, o ápice) e "Paradise Now" (1968, apresentado no Festival de Avignon).


5.5 "FRANKENSTEIN"

Em "Frankenstein" os ingredientes são numerosos e de várias naturezas; por acréscimo, incorporados num sistema de símbolos muitas vezes impenetráveis. Sem considerar o fato de a trama não ter um desenvolvimento retilíneo e compor um conjunto bastante desarticulado, caracterizado por várias e, às vezes, impensadas ramificações, bem como por frequentes saltos lógicos, onde a mitologia edênica representa a única diretriz.

Nem sempre, de qualquer modo, as técnicas expressivas do Living estão baseadas exclusivamente no corpo e na voz. Ao menos nos primeiros tempos, a linguagem física utiliza as contribuições dos meios cênicos tradicionais (cenário, aparato técnico e acessórios vários), mesmo se for preciso notar que a estes não vem atribuída nenhuma função unívoca. Assim, a poderosa construção metálica que se ergue no fundo do palco em Frankenstein (rica de reminiscências: de Meyerhold a Piscator), além de elemento cenográfico, é estrutura espacial que consente a fuga, em vertical, da área cênica (em sentido horizontal estende-se em direção à sala); sem contar as implicações simbólicas sugeridas a cada vez pelo conjunto geométrico dos tubos.

Assistindo aos espetáculos do Living tem-se, de todo modo, a impressão de que outros fatores contrabalanceiem, por assim dizer, o escasso afinamento das capacidades do ator: em primeiro lugar a marcação. Em prática o espetáculo, mais que nos encantar através da sugestão da paisagem visual, atrai-nos pela ritmicidade que o permeia. O sistema de oposições existe em diversos níveis: gestual (abstração-delírio; estaticidade-dinamismo; congestão-descongestão de aglomerados físicos), sonoro (rumor-silêncio; uníssono-solo), luminoso (clarão-obscuridade) e, também, espacial (unificação com/ separação em relação ao público; horizontalidade/verticalidade). O movimento rítmico alude visivelmente ao binômio sociedade igualitária-sociedade autoritária (harmonia/desarmonia).

Certamente tudo isso pressupõe um complexo plano de acomodação e exige , sob o ponto de vista da realização cênica, uma perfeita coordenação entre os membros da trupe. Fato, este último, que constitui a prova mais evidente do grau de solidariedade alcançado pelo coletivo com o passar dos anos. Que o teatro possa ofender os gânglios vitais do sistema neo-capitalista: é esta a grande ilusão dos Beck.

5.6 "PARADISE NOW"

Chega-se, assim, a "Paradise Now", o espetáculo que prevê uma saída operativa, a criação de um novo mundo, um mundo suspenso entra o arcádico sonho de uma civilização pré-maquina e a aspiração a uma sociedade modelada sobre a realidade estética. Estamos no ano de 1968, "o ano em que morre a cultura"; a ocupação do Odéon, segundo Julian (que participa dela), é "grande teatro": ação-revolução com valor emblemático: profanação do Templo da Arte.

"Paradise Now", segundo os Beck, deveria deixar uma profunda marca no processo revolucionário corrente, acelerando o ritmo de desenvolvimento da Nova Sensibilidade. Existe um game plan, um esquema de base, realizado pela soma de setores planificados (baseados em um texto) e de setores, ao contrário, deixados ao acaso (cerca de um terço do espetáculo). Pode-se prever que, a cada noite, qualquer coisa de diferente aconteça, o sopro vital respira no teatro. A existência de um arranjo formal garante, de qualquer forma, contra alterações de rota bruscas demais.

"Paradise Now" é mais que um espetáculo (como anota no próprio diário um membro do Living). Enquanto tal, exige uma extraordinária mobilização de recursos. O que não significa, todavia, um largo emprego de meios comunicativos, e sim a potencialização da força expressiva do ator, chamado, neste caso, a absorver uma tarefa excepcional. Mas, através de quais vias? Recorrendo a "catalisadores ilógicos" (Julian): utilização de alucinógenos, prática de yoga e meditação, liberação dos impulsos eróticos, etc.. A própria estrutura do evento, de vaga matriz mágico-religiosa, serve para operar o encantamento, imprimindo ao espetáculo um ritmo crescente: Rito/Visão/Ação, um ciclo que se repete oito vezes, tantas quantos são os degraus da prodigiosa escada pela qual se ascende ao jardim do Éden.

Inicialmente os intérpretes representam os "mistérios"; dançam, cantam e/ou salmodiam, recitam invocações mágicas (o círculo é a posição-chave deste momento e sublinha seu caráter oculto e fechado). Vêm, então, construídas as metáforas visuais e/ou sonoras do renascimento (às vezes literalmente, formando cachos de corpos). Entretanto, ao longo da estrada, acumulam energia mental e física até alcançarem a temperatura crítica: o êxtase, o transe xamanístico. No ápice da visão, as irradiações difundidas pelos atores-bruxos deveriam ser tais de modo a provocar, por contaminação mágica, a transformação, ao mesmo tempo espiritual e corpórea, do espectador em iniciação.

A estas alturas, Ação: momento de comunhão, zona promíscua. Quebradas todas as barreiras espaciais, temos a participação mística, enlevo coletivo, Teatro Livre. Este é o tempo de agir, atores e espectadores constroem, juntos, o novo modelo de realidade. Ao menos enquanto dura o arrebatamento estático. Depois disto, o noviço fica abandonado a si mesmo e o intérprete retoma o próprio difícil caminho que o conduzirá até a soleira de uma nova Ação.

"Paradise Now" é uma longa peregrinação, uma "viagem dentro e fora", um itinerário imaginário e real através de uma estrutura labiríntica da qual somente o ator possui o mapa.

"O teatro está na rua", gritam os intérpretes no fim do espetáculo; depois, todos juntos, atores e espectadores, dirigem-se à saída. Um gesto simbólico e, contemporaneamente, uma indicação operativa: escapar à captura da sociedade repressiva (da qual o edifício teatral reflete a natureza excluidora e separatista) e caminhar em direção à conquista do mundo novo. Na prática, ir à procura de novos espaços, espaços abertos e não diversificados onde, finalmente, seja possível derrubar os critérios convencionais da comunicação. Até aqui temos a descrição de uma representação-modelo. Na realidade, raramente o espetáculo culmina na invasão do ambiente urbano e sempre, de qualquer forma, a sua incidência sobre o real parece distinguir-se por uma nota de transitoriedade e de equívoco e o impulso revolucionário, na verdade, extingue-se, na maioria das vezes, no estreito período de uma Ação realizada no interior do teatro.

Na utopia dos Beck entrevê-se uma fenda: o hiato (irrecuperável) entre a catarse emocional e a metamorfose da consciência. Apesar disto não se pode negar o fato que "Paradise Now" tenha aberto uma rachadura no establishment. As lutas com a municipalidade de Avignon, que terminam por exigir a retirada do grupo do festival e as perseguições suportadas, a partir daquele momento, em toda parte, testemunham sua carga subversiva. Simples representação da revolução e ato de protesto (não violento), "Paradise Now" constitui, de qualquer modo, um episódio significativo de história da cultura pós-bélica, sobretudo porque nela parece refluir quase todo o patrimônio espiritual da contra-cultura americana dos anos sessenta. Analisando o espetáculo, o que impressiona imediatamente é o sincretismo do Teatro Vivente, sua propensão a receber e fundir elementos de diferentes matrizes. Assim, ao lado de evidentes sugestões de tradição anárquico-comunista, registram-se corpulentas extrapolações da cultura hebraica que, por sua vez, se ligam a referências às doutrinas budistas e hindus, segundo a direção acentuadamente orientalista própria da Outra América.

Com "Paradise Now" conclui-se um ciclo: encontramo-nos na última estação da viagem em direção à vida (a nova vida, compreenda-se). Efetivamente, "Paradise Now" dá a impressão de conter qualidades mágicas até quando utiliza a contribuição criativa do público: o que acontece em surpreendente medida nas noites quentes de Avignon.

Mais tarde, quando a chama revolucionária se extinguir ou o espetáculo for projetado sobre fundos diversos do ponto de vista sócio-econômico e cultural, "Paradise Now", privado de um seu elemento essencial (a participação do público), se esfacelará perdendo toda a sua força mágica. Por razões contingentes, portanto.

As responsabilidades, porém, recaem, em boa parte, sobre o próprio Living: caminhar como um vagabundo, se por um lado oferece uma sensação inefável de liberdade ("o prazer do exílio", como a chama Julian), por outro prejudica a possibilidade de uma maior e mais profunda verificação a nível local e, portanto, de um diálogo construtivo entre os intérpretes e o auditório.

Reconhecer, como corajosamente fazem os Beck, a existência de uma situação de regressão significa, por outro lado, reconhecer a impossibilidade de realização de um sonho utópico, ao menos através destas vias; em outras palavras, reconhecer que o espetáculo paradisíaco corresponde, neste ponto, a um estado de purgatório.

O Living Theatre anuncia a própria dissolução em janeiro de 1970, quando se encontra em Berlim. Julian e Judith, chefes carismáticos, pretendem, com tal ato, cancelar a imagem do Teatro Vivente enquanto grupo de teatro radical elevado à categoria institucional e, portanto, já fatalmente consagrado à integração ao sistema. A dispersão do coletivo equivale à ruptura da aliança de soldagem com o establishment.

Para além de suas motivações contingentes, a decisão tomada pelos Beck reflete, todavia, a profunda reviravolta ideológica amadurecida nos EUA, quase contemporaneamente ao clamoroso retorno do grupo (em setembro de 1968). Através de uma série de representações tormentosas, o Living conscientiza-se, dramaticamente, da impossibilidade de uma levitação paradisíaca por meio do ato estético, mesmo se extraordinário.

O Teatro Vivente atravessa então uma fase involutiva, parece o resíduo de uma outra era que (presumivelmente) não mais retornará: coisa do passado, espectro irrequieto daquele que foi, um dia, um Teatro Vivente.

6. CONCLUSÃO

A história do Living Theatre, a vida e a morte deste grupo teatral, é a história de tantos outros, também estes gente de teatro: músicos, bailarinos, ativistas políticos e teóricos que pensavam poder mudar o mundo.

Desde os anos 50 até 1975, aproximadamente, houve no teatro americano uma explosão de energia experimental. Porém, mais tarde, muita ou toda esta atividade (as experimentações, o superar os confins e as convenções, a atividade política, os questionamentos, a multiplicidade das escolhas de mise en scène, o compartilhar a criação primária) cessou. Muitas atividades progrediram, mas a direção do movimento, da atividade coletiva geral, ficou perdida. À grande explosão seguiu a entropia.

As razões deste declínio experimental são diversas. Antes de tudo, o fim do ativismo. As mudanças pelas quais se lutava, especialmente durante os anos 60, eram radicais demais, inalcançáveis, perigosas. De modo que as pessoas reagiram com a "novo conservadorismo". Contemporaneamente, desenvolveu-se uma suspeita crescente em relação aos artistas que vivam fora dos confins, fora das restrições da sociedade. A política do governo que impunha agravos econômicos, o rendimento de contas anuais, a formação de sociedades não baseadas nos lucros (toda a burocracia do New State Council) tendiam a seduzir os artistas.

Depois, segue uma concentração econômica em conseqüência da inflação. E uma nação amendrontada pela erosão da base industrial da economia. Como, de regra, acontece em circunstâncias deste tipo, na América Puritana os artistas são vistos como luxos, extras. Assim, mesmo com o aumento dos subsídios, houve escassez de dinheiro para investimentos.

A tudo isto se juntou uma política de ajudas baseada em critérios geográficos/demográficos, sem levar em consideração a capacidade ou a audácia da experimentação. Este é um dilema cruel, porque contrapõe as elites da experimentação aos ideais populistas. Além do mais, muitos artistas são dependentes dos subsídios. O teatro comercial não vê com bons olhos a experimentação e, por outro lado, é impossível fazê-la com os próprios fundos. Deste modo, aceita-se o compromisso necessário para receber a ajuda do New State Council. Criou-se, então, uma espécie de previdência artística, que não pode ser salutar para a experimentação.

Enfim, temos a falência da transmissão de consciência para uma nova geração de artistas. Este é o pior aspecto do todo, evidenciado pelo fato de que a maior parte dos líderes da experimentação têm, agora, de 40 a 60 anos, ou mais. A "velha" geração não foi capaz de produzir técnicas de ensinamento para os jovens artistas. Por esta única razão o trabalho dos últimos trinta anos pode ser considerado estéril. Também o pensar uma ação coletiva no interior de uma sociedade tão invadida por mitologias, rituais e ações individualistas é uma tarefa difícil que exige votos de isolamento, separação, autonomia forçada. E colocar em prática estas idéias, fazendo teatro num ambiente totalmente pobre, é ainda mais difícil.

Isto é o que aconteceu ao Living Theatre, mas, hoje, a utopia, o anarquismo e a ideologia não bastam mais para motivar estes homens de teatro. É, novamente, o business a oferecer a motivação.