quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008




CÂNHAMO


ainda ontem
chorei por ti

naquela árvore centenária
onde os arrumadinhos dos desertos
farturam sísmicos

ainda ontem
lembrei de ti
como uma crosta de fim de semana
um lépido e iconoclasta vexame
crocodilo de lavandas e fétidas faces

ainda ontem
procurei por ti
como um ímã irmã
por entre dentes
bilhetes, aromas
e tudo que estocas

ainda ontem
sonhei por ti
como lacre de um vôo
que ladrilha arquipélagos
espingardas e espelhos vazios

ainda ontem
esperei por ti
como um moço perdido no poço profundo do passado
na porta da infâmia
por onde voce sempre perambulou

ainda ontem
perdi voce
como um cíclope carneiro
por entre chuvas, pontos e fugas
no meio do salto de onde voce nunca se deu

ainda ontem
voce sumiu
como uma usina de lanças e tulipas
embocadura de uma resina que me basta
trapézio de uma fábrica de matilhas
como fome de uma ânsia que me parte.

Cgurgel




NORUEGA INAUGURA "COFRE DO FIM DO MUNDO" PARA SALVAR SEMENTES

(Instalações ficam a uma profundidade de 120 metros e visam proteger as amostras de catástrofes futuras)


Apelidada de o "cofre do fim do mundo", a Caixa Forte Internacional de Sementes, uma joint-venture da Noruega e da ONU, foi construída em uma ilha remota, Svalbard, em uma parceria entre o governo norueguês e a Organização das Nações Unidas (ONU).
A caixa forte, que começou a ser construída em março de 2007, fica a uma profundidade de 120 metros dentro da montanha de Spitsbergen, uma das quatro ilhas que compõem Svalbard.
O diretor do projeto, Kerry Fowler, afirmou que a iniciativa visa salvaguardar a agricultura mundial no caso de catástrofes futuras, como guerras nucleares, queda de asteróides e mudanças climáticas.
"Este é o plano B, a rede de segurança, a política de seguro. E sabemos que grande parte da diversidade está sendo perdida mesmo em bons bancos genéticos", disse.
Ao construir uma caixa forte dentro da montanha, o solo permanentemente gelado continuaria a fornecer refrigeração natural em caso de falha do sistema mecânico, explicou Fowler. A Caixa Forte Internacional de Sementes é composta por três câmaras com a capacidade de guardar 4,5 bilhões amostras de sementes.
O professor Tore Skroppa, diretor do Instituto de Florestas e Paisagens da Noruega, que também participa do projeto, afirma que a mudança climática é um dos motivos da criação do banco de sementes, mas não é o único.
O professor disse à correspondente da BBC em Svalbard, Sarah Mukherjee, que mais de 40 países tiveram parte ou a totalidade de seus bancos de sementes destruídos nos últimos anos. Seja devido à guerra, como no Afeganistão e Iraque, ou devido a inundações ou outros desastres naturais, como nas Filipinas.
Embora a caixa forte norueguesa tenha sido projetada para proteger espécies de acontecimentos catastróficos, ela pode ser usada também como fonte de realimentação de bancos de sementes nacionais.

terça-feira, 26 de fevereiro de 2008




EDY É DA NATUREZA


Há 17 anos, ele se apaixonou
pela natureza e queria encontrar
uma maneira de levá-la
para onde fosse e trazê-la para perto
dos que não a conhecem. Consegui.
Edy Natureza, que viaja pelo Brasil
em uma kombi totalmente estilizada,
chegou à Natal no último domingo
para divulgar seu trabalho de proteção
ao meio ambiente e relacionamento
pacífico entre os homens. O
veículo está estacionado na área pública
do Parque das Dunas e foi uma
das atrações para as pessoas que visitaram
o local no fim de semana.
Edy prefere não falar o seu verdadeiro
nome. A sua idade também é um
mistério. ‘‘Eu tenho a idade do
universo’’, é o que responde quando é
interrogado sobre isso. Ele é natural
da Bahia, mas não quer ser considerado
baiano. ‘‘Sou do universo’’, responde
novamente. Edy Natureza, que é artista
plástico, conta que já viajava por
praticamente todo o País, antes de surgir
a idéia da kombi.
Falando subjetivamente, ele explica
que a kombi - chamada de Arca do
Novo Tempo - é ainda a capa de um
livro que pretende fazer. Apesar do veículo
estar decorado com esculturas de
leões, gorilas, morcegos, cobras, aves,
girafas, elefantes e tantos outros bichos,
que cobrem a estrutura metálica
de cima à baixo, Edy diz que o trabalho
ainda não está concluído. ‘‘Estou
ainda no primeiro capítulo’’, explica.
Além de animais, a kombi tem
uma entrada com símbolos que aludem
ao esoterismo e outras religiões.
Um xamã recepciona os que entram
e há frase de grandes mestres como
Gandhi nos vidros. Mas o que chama
mais atenção na decoração é a parte
viva da estrutura. Vasos de plantas
implantados no chassi fazem com
que trepadeiras subam pelos vidros.
Um mini-lago fica no parachoque
dianteiro com um pequeno peixe de
verdade que nada nele.
As viagens de Edy são feitas na companhia
do bode Zé Berico que ele conta
ter salvado do abatedouro na feira de
Parnamirim. Um reboque em forma
de dragão também integra o projeto
da kombi. Edy explica que realiza seu
projeto através de doações de visitantes.

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2008




CLAVE DE CLÓVIS
http://www.clavedeclovis.com/

(Trava-Línguas Mental)

Vou contar um segredo pra você. Essa demo chegou pra mim há alguns meses, e desde então eu sou fã dessa banda. Eles têm uma liberdade criativa que dá inveja, o que dá uma satisfação enorme, pois só Deus sabe o quanto é difícil encontrar 4 integrantes com a mesma sintonia. Ainda mais quando a proposta é uma música pop-caótica, “um trava-línguas mental”, como melhor define o release da banda.

Misturando humor fino, besteirol, non-sense e críticas sociais a Clave de Clóvis consegue construir uma verdadeira peça teatral sonora completamente caleidoscópica em cada uma das 7 canções da demo. E pra entender a quantidade de informações de cada canção é preciso algo que falta aos nossos ouvidos condicionados: bom humor. Porque a eficiência da banda depende principalmente de nossa receptividade lúdica. Ouvir o trabalho dos caras é uma grande brincadeira, principalmente porque você nunca sabe o que vai acontecer nos próximos segundos.

A primeira da demo é Brinco Lelo, uma sopa de letrinhas surreal que começa com violão e que em pouco tempo se transforma num rife vigoroso. Já viu um monte de músicas assim? Pois é... você pensa que sim, mas o desafio mais divertido é tentar adivinhar que rumo a canção vai tomar nos próximos 15 segundos. O discurso musical é muito bom, e mesmo que a letra absurda te irrite, é impossível não admirar o trabalho instrumental da banda.

A segunda é Célebro (nada), e as boas letras começam a se revelar. Pena que a gravação nos impede de entender perfeitamente o que os dois vocalistas dizem. Dito isso, é essencial acompanhar as letras no site da banda. Com seu ritmo truncado e seu refrão colante, o compositor Rafael Siqueira comete pérolas como: “É moda ser divino”, ou “Eu não quero me transformar num estacionamento”, além de comparar o “Célebro” a um apêndice!!

“Sou um Sapo” é um baião à la Raul Seixas, com uma letra muito romântica, mas só na cabeça da banda: “Sou eu que te ama tu / Mas você não me ama a mim”. E ainda: “Beija a mim que eu sou sim sente sempre”.

Se a anterior pôde ser definida como um baião, não é o que acontece com “Zóio Del”. A canção é outra que merece destaque pelas “duzentas” partes diferentes e conta com uma letra impagável, principalmente com a falsa síndrome de perseguição que nos aborda ao ouvir “Os olhos dele ‘tão em todo lugar”...

E aí, que você já se encantou com a proposta da banda, começa a melhor parte do disco. “João Expedito Blues” é outro caos sonoro – que, aliás, de blues não tem nada - , contando a história absurda entre João Expedito e “Marlene Jardim Apurá”, com partes hilárias em inglês embromation e até em italiano. Não tem como não rir com a interpretação vocal de cada uma das intervenções na história, sem contar com mais frases hilárias, como: “Vão planejar seu salário / E vão decidir de quanto será sua fome”.
A próxima é um clássico instantâneo. “Zé Gerardo” é uma daquelas marchinhas de louvação a reis e rainhas de filme picareta. O excelente refrão “Gerardo é nosso rei” é pra ser cantado fervorosamente em todos os cantos do Brasil, quiçá do mundo. Conta a história de um sujeito tão perfeito, que faz com que os maledicentes acusem: “Se você não tem defeitos, então não é humano”. O que causa uma crise de personalidade em nosso herói. Hahahahahaha... Cara, se te sobra um pouco de humor nessa sua cara de ranziza, não deixe de conhecer essa música!!

Depois do jogo ganho de goleada, a hora é de “Homem Urso”, a comemoração do título. É a mais agitada do disco, e conta uma misteriosa lenda da cidade litorânea de Ubatuba - SP. Essa sim tem no meio um blues autêntico, com direito a gritos de platéia e barulho de copos de uísque. A vinheta final é ainda mais engraçada e termina a demo no ápice, dando um resumo do trabalho. Uma voz séria proferindo versos revoltados com a interferência de coros e frases como “Sou todo ouvidos que não escuto nada”.

A Clave de Clóvis explora a criatividade até o limite (se é que existe limite para a criatividade), e o mais legal disso é que a banda prova que é possível criar refrões cantáveis em meio a um furacão de idéias mais do que bem exploradas. É, sem dúvida, uma das melhores bandas que mandaram demo pro Roquenrou.

Flávio Caldas – Bateria
Fabio Silas – Baixo
Caio Rothje – Violão / Voz & Teclados
Rafael Siqueira – Guitarra / Voz & Teclados

7*1*2005

Rodrigo EBA!

domingo, 24 de fevereiro de 2008



ZONAS POÉTICAS LIBERADAS

ZPLs,Zonas Poéticas Liberadas, são a continuação legítima das Rodas de Poesia,movimento poético-literário inovador que se contrapôs ao marasmo quase sempre habitual da literatura cearense É o movimento literário do início do novo Milênio. Mais de dois mil poetas e escritores do e no Ceará, em mais de duzentas apresentações sucessivas que duraram três anos inteiros ,congregaram -se nas famosas Rodas que sempre operaram e se instalaram no Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura.
Durante quatro anos as rodas foram literalmente proibidas pela administração passada da Secretaria de Cultura do Estado de ocorrerem no Dragão do Mar.Com o novo governo, elas retornam modificadas para o seu espaço original, o palco sobre a Passarela,o Espaço Rogaciano Leite Filho, com este outro nome porque são agora compostas por gente nova,novos conceitos de uma nova geração poética que a impulsionará.Cada ZPL é organizada com a curadoria de significativos participantes das antigas Rodas de Poesia ,os quais estrearam nela há cerca de dez anos.SÃO ELES QUE CONVIDAM A GERAÇÃO RECENTE DE POETAS E ESCRITORES A ENTRAREM NA RODA E A PROMOVEREM OUTRAS ZPLS, INCLUSIVE ZPLS NÔMADES POR TODA PARTE.
Na primeira ZPL,com a curadoria de Carlos Emílio C.Lima, foi lançado em livro uma antologia com muitos dos melhores poetas da safra anterior: a Antologia Massanova.
A ZPL 2,com a curadoria de,Alex Fedox,Manoel Carlos ,Ayla Andrade e Marcelo Bittencourt, foi o lançamento-recital de um livro de contos com inúmeros contistas do Ceará,Encontos e Desencontos.
A ZPL 3,Mulheres de Palavra, com a curadoria de Ayla Andrade, foi uma noite inaugural de poesia com muitas das novas poetas locais.
A ZPL 4,NOVE NOVOS POETAS SAINDO DO OVO,com a curadoria de Marcelo Bittencourt e Carlos Emílio C.Lima, começa a lançar os poetas e escritores da geração 00,hoje, 22 de fevereiro de 2008,às 19 horas.



MÚSICA DOS ANOS 70
(Por Zé da Flauta)

Hoje em dia é uma maravilha. Lasca mesmo era fazer música pop em Pernambuco, nos anos 70. Vocês não imaginam a loucura que era.

Na cidade toda só existia um equipamento de som para todo mundo. Jamais podia haver dois shows no mesmo dia, a não ser que fosse no mesmo lugar. O P.A. era tão grande que cabia dentro de uma kombi e às vezes só chegava em cima da hora, acabando com nossos nervos.

Equipamento pra ensaiar também era um drama arretado. A gente tinha que alugar ou pedir emprestado aos conjuntos de baile. Como não existiam estúdios apropriados, como hoje, fazíamos um enorme barulho em nossas casas e nas dos amigos, enlouquecendo os ouvidos dos nossos pais e os dos vizinhos.

Estúdio para gravar era outro problema. Só existiam a Rozemblit, na Estrada dos Remédios, a Center, na rua da Concórdia, e o estúdio da TV Universitária , na avenida Norte, que de vez em quando era usado para gravar discos.

Naquela época existiam os grupos Nuvem 33, Phetus, Tamarineira Village (que depois que foi gravar no Rio, voltou com o nome de Ave Sangria), o Ala D’Eli, de Robertinho de Recife, Flaviola e o Bando do Sol, Marconi Notaro, Zé Ramalho, Lula Cortes, Aristides Guimarães, Aratanha Azul e outros. Por isso, o grande sonho de todos era ir ao Rio ou São Paulo tentar gravar um disco e ver se descolava uma vaguinha à luz do sol. Muitos conseguiram, como Geraldinho Azevedo, Quinteto Violado, Banda de Pau e Corda e Zé Ramalho. Os que ficaram, gravaram aqui mesmo, na Rozemblit.

O LP Satwa, de Lailson e Lula Cortes, que é o tempo todo um tricórdio e uma craviola, é uma verdadeira obra-prima. Tem melodias lindíssimas e é o primeiro disco independente do Brasil: data de janeiro de 1973. Depois veio Marconi Notaro no Sub-Reino dos Metazoários, gravado metade no Canal 11 e metade na Rozemblit. O disco é muito louco e na época foi proibido pela censura. O som é uma desgraça! Mas o conteúdo é de primeira.

Lula Cortes gravou com Zé Ramalho, em 1975, o famoso Paêbiru, um album duplo no qual eu toco sax soprano em uma faixa chamada simplesmente de "Nas Paredes da Pedra Encantada, os Segredos Talhados por Sumé", regravada pela banda Jorge Cabeleira e o Dia em que Seremos Inúteis ( Eita, nome grande da gota!), pelo selo Chaos, da Sony Music.

Vários artistas gravaram no estúdio da Estrada dos Remédios. Seu Zé Rozemblit era um pai para essa gente. Graças ao idealismo dele nós conhecemos, além do frevo, da cantoria e da ciranda (foi o primeiro a produzir discos desses gêneros), os doidos da década de 70. O disco Flaviola e o Bando do Sol é uma jóia rara. Nele, gravei minha primeira música, como compositor. Outra raridade é o terceiro disco de Lula Cortes, "Rosa de Sangue", que a cheia de 76 quase levou rio a baixo. Quem possuir um exemplar desse disco em casa, saiba que tem uma boa grana garantida. conheço quem pague R$ 500,00 por ele.

Foi no final dessa década que eu montei meu primeiro selo, o Matita Discos, que faliu com 3 compactos: Um de "Gil Som", num estilo precursor do de Falcão; um do grupo Flor de Cactus, que tinha Lenine como cantor e compositor; e um de Glaucio Costa, cantor de Garanhuns. Os dois primeiros foram gravados nas salas de aula de música da Universidade Federal. Os microfones e uma mesa de oito canais foram alugados à Maristone. O gravador era um Teac-3340S de 4 canais. Foi a gravação mais artesanal que já fiz na vida! Mas valeu ter o registro da primeira gravação de Lenine.

Naquela época a gente sofria, mas se divertia pra burro. Se tivesse que fazer tudo de novo eu fazia numa boa. O que acontece hoje, é resultado do que fizemos antes. Não sonoramente falando, mas no sentido de luta, trabalho e quebra de tabus.

* Zé da Flauta é músico, produtor e coordenador musical da Fundação de Cultura Cidade do Recife.



MÃOS DE MENINOS

em esquinas e becos
tem mãos de meninos
que roubam
que matam
que morrem
na pele, no osso
o medo, o terror
e na noite vazia
tem nas mãos de meninos
pedra, punhal...
ou serão
gotas de sonhos
que não germinaram
com os sentidos bloqueados
entre lama e fantasmas
o que tem no abandono
é o belo em carrancas
que traduz o escuro
o avesso da vida
corroendo a alma
com total dissabor
e nas mãos de meninos:
pedaços de nada
a bandeira da dor.

CLAÚDIA GONÇALVES / RS



DE WALNÉLIA PEDERNEIRAS PARA CARLOS GURGEL


É transparência no Ser,
que me encanta.
Pessoa do bem
correta , certa
Tem na essência,
generosidade
No olhar,questionamentos
apêlos,medos,coragem
Forte presença
fala sobre Fragilidades...
Luminoso pela humildade.
Escreveu palavra amigo,
é para sempre Amém.
Sabe o que quer,
mesmo não sabendo
que sabe o Ser além
Tem herança paterna
imensuravel e rara
Tem nome com mel
Seu verso é justiça
Para todos o céu
Quando lamenta,não chora...
Diz!
Respira poesia
Sonha Cultura
Seus versos escrevem
à cada letra ou sinal
Louvor à Poesia tanto,
que transcende ao virtual.
Passa pela minha cidade
meu amigo Gurgel...
Poema impresso na parede
Traz mensagem e diz "presente".
Peço "um café"depois exclamo...
É meu amigo pra sempre...

Walnélia Pederneiras

SMETAK, TAK, TAK


"Um homem chegado de terras longínquas, aqui plantou raízes, a compor, a tocar, a inventar instrumentos, misto de músico e escultor, de filósofo e profeta, uma das figuras mais extraordinárias da arte brasileira" Jorge Amado


Compor uma biografia de Walter Smetak não é tarefa fácil. Os registros aqui apresentados partem de indicações presentes nos seus textos e em bibliografias publicadas. Anton Walter Smetak nasceu em Zurique, Suíça, em 12 de fevereiro de 1913 e naturalizou-se brasileiro em 1968.

Smetak teve formação clássica. Filho de pai músico, ainda criança aprendeu a tocar zither, um instrumento da família da cítara, muito popular na Baviera, mas acabou optando pelo piano, graças à atração que Bach e Beethoven exerciam sobre ele. Na década de 1930, estudou no Mozarteumde Salzburg, Áustria, e, em seguida, diplomou-se como concertista de violoncelo em Viena.

Em fevereiro de 1937, recebeu um convite para emigrar para o Brasil, contratado pela Rádio Farroupilha de Porto Alegre. Foi professor de Violoncelo no Instituto de Belas Artes do Rio Grande do Sul, trabalhou na Orquestra Sinfônica Brasileira, no Rio de Janeiro, além de passar pela Rádio Nacional, Rádio Tupi, Rádio Guanabara e pelo Teatro Municipal. Em São Paulo, para onde seguiu em 1952, trabalhou no Teatro Municipal e nas rádios Record, Bandeirantes e Sumaré.

Adotou, no Brasil, o ofício de luthier e passou a construir e a consertar, artesanalmente, violinos. Ainda em São Paulo, em 1957, é convidado pelo maestro Hans-Joachim Koellreutter a participar como professor dos Seminários de Música da Universidade Federal da Bahia. Em Salvador, Smetak encontra as vertentes e influências que inspiraram suas pesquisas, teorias e experimentos.

No final dos anos 1950, a Cidade da Bahia, sempre ancorada em práticas culturais tradicionais, recebeu um forte influxo de informações internacionais. Parte substancial delas vinha das vanguardas estético-intelectuais européias, especialmente nas áreas de música, teatro, artes plásticas, arquitetura, dança e cinema. Esse transbordar de culturas tinha como pólo difusor a Universidade Federal da Bahia.

Neste universo, Smetak encontra espaço para fundar e ensinar novos conceitos musicais, ministrando aulas de violoncelo e de improvisação na Escola de Música da UFBA.

No início dos anos 1960, volta-se para a música experimental, numa pesquisa que chamava de “Iniciação pelo Som”, sob o impacto de estudos realizados na Eubiose, corrente teosófica dedicada à ciência da vida − na qual se matriculou em 1949 −, focada na evolução humana, levando em conta os planos espirituais da mente. Nascia uma “nova escola”. Uma investigação sobre silêncio, som e as suas relações com o homem.

Smetak recebe uma sala/galpão na Universidade que, em pouco tempo, transforma em oficina de idéias e objetos. Ele sentia que era preciso criar novos instrumentos, para uma nova música, um novo som. “O que aconteceu talvez é que me interessa muito mais o mistério dos sons que o da música. Tenho procurado diferenciar claramente o fazer som, um meio de despertar novas faculdades da percepção mental, e o fazer música, apenas um acalento para velhas faculdades da consciência.” A partir destes novos conceitos de matéria e espaço, nasceram as Plásticas Sonoras. Para construí-las, Smetak empregou cabaças, madeira, cordas, tubos de PVC, latas e qualquer material que estivesse a seu alcance.

As plásticas sonoras refletem uma antiga e moderna tendência de integrar a música às artes plásticas utilizando também outros recursos, como a linguagem das cores; o amarelo, o azul e o vermelho, representando, respectivamente, segundo ele, planos de uma mente cósmica, sabedoria, atividade e produção.

Em dezembro de 1966, participa da I Bienal Nacional de Artes Plásticas, em Salvador, junto a artistas como Lygia Clark e Franz Krajberg e recebe o Prêmio Especial de Pesquisa.

Smetak exerceu uma influência significativa em toda uma geração de músicos brasileiros, tanto do meio erudito quanto popular. Foram os jovens da geração tropicalista que deram mais ouvidos a esse professor e pesquisador. O improviso, que ele considerava um elemento essencialmente brasileiro, era fundamental na sua criação musical. “Falar sobre música é uma besteira, mas executá-la é uma loucura”, dizia Smetak.

Tentar classificar Smetak em alguma categoria musical se torna tarefa extremamente árdua, e há quem diga impossível. Sem dúvida, é significativa sua inclinação e dedicação ao microtonalismo, mas sua teoria musical envolve toda uma filosofia adquirida em experiências místico-esotéricas unidas a uma visão muito particular do mundo.

Em 1974, recebe o Prêmio Personalidade Global do ano para música da Rede Globo de Televisão. Durante essa fase começa seu envolvimento real com o teatro e acontecem, então, as primeiras apresentações públicas na reitoria da universidade com as peças Vir a Ser e A Caverna. Escreveu também as nunca encenadas A Quadratura do Círculo, O Errotismo do Canhoto e quatro peças para dança denominadas A Corrente, Akwas, Dos Mendigos e Sarabanda.

Nos livros e artigos, expressava suas idéias cósmico-musicais em textos num português aproximativo, entre poético e místico. Manuscritos povoados de símbolos alquímicos e musicais, com textos cheios de neologismos. Para ele, as artes, a música, a literatura são intermediários para estados de consciência superior. “Creio que só a loucura poderá salvar o homem, a loucura santa.”

Não chegou a fazer em vida exatamente tudo o que queria, a doença foi rápida, em 1984, Smetak morria de enfisema pulmonar, em 30 de maio de 1984.

Mas, como dizia ele: “O fim da fala ainda não é o início do silêncio”.

Livros Publicados:
Retorno ao Futuro (1982)
Simbologia dos Instrumentos (2001), patrocínio da COPENE/Fazcultura com o apoio do Governo do Estado da Bahia.

Discografia:
“Walter Smetak”, Philips. Produzido por Caetano Veloso e Roberto Santana. (1973)
“Interregno”, patrocínio da Fundação Cultural do Estado da Bahia. (1980).


CORPO ESTRANHO

eu lapido as palavras
como quem está sempre pronto
para um novo encontro
repleto de guerras e cupins
como quem está sempre atento
como um leve cãntaro
de uma asa que em ti explode
e que boia na boca de um sândalo
como um lacre rodeado de cinzas e pincéis
tâmara de tetos incertos
uma forquilha de mim
um poço de ríspidas vítimas
como a azia de uma ânsia
do lato, latim
um toque tão pobre
feito um nobre esfumaçado
de tanto marfim
um rio sem alça
como um barco,uma barca,uma balsa
sem caça

como a lama de uma lâmina
que me chama
e eu encharco.


Cgurgel



DEIXA


deixa um cabelo cair
uma rosa sair
uma viagem luzir

deixa um desejo sorrir
uma canção florir
uma vontade partir

deixa o perfeito fluir
uma maçã explodir
e um ancião se ir

deixa aquela lembrança ferir
uma cadeira cair
e um bilhete sumir

deixa a madrugada ruir
a solidão te possuir
e o passado zunir

deixa a certeza punir
uma moça pedir
e um cigarro acudir

deixa o cachorro grunhir
a sua lua curtir
e o desespero aplaudir

e deixa
deixa que tudo anoiteça
deixa que tudo aconteça
e voce desapareça.


Cgurgel

sábado, 23 de fevereiro de 2008



FÃ DE DISNEY, HITLER FAZIA DESENHOS DE BRANCA DE NEVE E PINÓQUIO

O ex-líder da Alemanha Adolf Hitler era um apaixonado pelos desenhos da Branca de Neve e do Pinóquio feitos pelos estúdios de Walt Disney, chegando ao ponto de copiar os personagens em histórias em quadrinhos como passatempo, segundo um historiador norueguês.
William Hakvaag, diretor do Museu da Guerra de Lofoten, na Noruega, está convencido de ter adquirido quatro exemplares desses desenhos feitos pelo "Führer", afirma a edição online da revista semanal alemã "Der Spiegel".
As cópias, datadas de 1940, um ano após a invasão da Polônia que deflagrou a Segunda Guerra Mundial, foram adquiridas por Hakvaag em um leilão na Alemanha e levam as siglas "A.H.", ou "A. Hitler", como no caso da Branca de Neve.
O historiador norueguês não duvida da autenticidade dos desenhos, apesar de estes ainda não terem sido reconhecidos como tais, e se baseia em parte na conhecida admiração de Hitler por Disney.
O ministro da Propaganda, Joseph Goebbels, presenteou Hitler no Natal de 1937 com 12cópias de filmes do personagem Mickey e, como lembra a "Spiegel", a partir daí surgiu o projeto de criar dentro do regime sua própria produtora de desenhos animados.

OUTRA



Obras de compositores judeus e russos faziam parte da coleção, de cerca de 100 discos, de Adolf Hitler, descoberta em junho último, informou o semanário alemão "Der Spiegel" citado hoje pelo diário espanhol "El Pais".
Os discos, que o ditador guardava no seu bunker, em Berlim, incluiam peças, não apenas dos seus compositores favoritos - Richard Wagner e Beethoven -, mas também de Tchaikovsky, Borodin e Rachmaninoff.
A descoberta mais surpreendente foi a de um disco de Tchaikovsky com um tema executado pelo violinista polaco de origem judia, Bronislaw Huberman, que teve de abandonar a Europa na sequência da invasão nazista da Polônia, no começo da Segunda Guerra Mundial.
Segundo o Der Spiegel, após a queda do regime nazista, em 1945, o capitão de origem judia Lew Besymenski, da unidade de serviços secretos russa, entrou no bunker de Hitler e levou consigo os discos.
A filha de Besymenski, Alexandra, encontrou os discos por acaso no sótão da casa de verão da sua família, em 1991, mas, quando perguntou ao pai do que se tratava, a resposta foi evasiva.
Alexandra não desistiu de esclarecer o mistério e tanto pressionou o pai que este acabou por escrever as suas memórias e relatar nelas a surpresa que teve ao ouvir os discos.
Besymenski, falecido em junho passado, aos 86 anos, teve sempre receio de que o considerassem um ladrão. A filha assegura, contudo, que ele levou as caixas com os discos simplesmente por gostar de música."

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008

DEVENDRA BAHART - "SUMMERTIME"


quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008




GERALDO VANDRÉ, ENTRE TANTOS


por Vitor Nuzzi


“O problema é que você quer falar com Geraldo Vandré. E Geraldo Vandré não existe mais, foi um pseudônimo que usei até 1968.” Ele estava particularmente irritado naquela noite, em agosto de 1985. Há pouco, ficara sabendo que não haviam permitido o acesso ao prédio a um antigo porteiro. Naquela noite, conheci um pouco da fúria daquele homem de voz grave, que estava prestes a completar 50 anos e vivia, como ainda vive, em um antigo prédio na região central de São Paulo, com o apartamento mergulhado na penumbra e cheio de livros por todos os lados. E pelo menos um violão.

O próprio Geraldo havia ligado para mim, meses antes, depois que eu, ainda estudante de Comunicação, tinha conseguido localizar o seu telefone na hoje extinta Superintendência Nacional de Abastecimento (Sunab), em que ele trabalhava como fiscal – cassado em 1968, havia sido anistiado em 1979. Deixei recado ao doutor Geraldo Pedrosa, e na manhã seguinte uma voz empostada fala comigo. “Aqui é Geraldo. Você ligou para mim?” Combinamos de nos encontrar à noite, por volta de 19h. "Por volta, não. Às 19h", decretou Geraldo.

O paraibano Geraldo Pedrosa de Araújo Dias completou 70 anos no dia 12 de setembro de 2005. Nascido em João Pessoa, aos 16 anos foi para o Rio de Janeiro. Entre ginásio e colégio, passou por Nazaré da Mata (PE) e Juiz de Fora (MG). No Rio, estudou Direito (de 1957 a 1961) para satisfazer a família, mas depois pendurou o diploma e foi viver de música. Ou de arte. O sobrenome artístico veio do segundo nome do pai, o médico José Vandregísilo. Começou usando o nome artístico de Carlos Dias, homenagem aos cantores Carlos Galhardo e Carlos José. O Dias era de seu próprio sobrenome. Foi influenciado pela Bossa Nova, mas depois introduziu outros elementos em sua música – “em termos musicais, ele começava a travar uma luta sonora com o meio ambiente da bossa nova e com suas próprias influências jazzísticas”, escreveu o crítico Tárik de Souza, em artigo publicado no livro Oitenta (L&PM Editores, 1979).

E os seus 70 anos passaram despercebidos. Geraldo andava, inclusive, meio sumido até poucas semanas atrás, quando os atendentes de uma padaria na região central de São Paulo, reencontraram o antigo freqüentador, que continua no mesmo velho apartamento, mas costuma se ausentar com freqüência. Sempre de camisa branca, normalmente com símbolos da Força Aérea Brasileira (FAB). Também é assim que os funcionários de um restaurante na rua Xavier de Toledo, perto dali, costumam vê-lo. Camisa branca e vastos cabelos brancos. Um homem magro, que normalmente almoça sozinho.

Vandré, militares, Força Aérea? A relação parece estranha, mas vem dos tempos de criança. O pequeno Geraldo tinha 4 anos quando explodiu a 2ª Guerra Mundial, e ele gostava de imitar o vôo de caças. “Porque só tu soubeste enquanto infante/ As luzes do luzir mais reluzente/ Pertencer ao meu ser mais permanente” são os versos finais de “Fabiana”, escrita em 23 de outubro de 1985 “em honra da Força Aérea Brasileira”. Daí o nome, “Fabiana”. Em 1995, ele esteve presente a uma comemoração da Semana da Asa, em que cadetes da FAB cantaram a sua composição. “Musicalmente é uma valsa. Literariamente, compõe de três estrofes de seis decassílabos e um refrão de três versos de seis sílabas”, explicou, didático, em entrevista ao jornal paulistano Diário Popular (atual Diário de São Paulo) em 26 de julho de 1991.

Dez entre dez pessoas citarão “Pra não Dizer que não Falei das Flores” (subtítulos "Caminhando" e "Sexta Coluna") como a sua música mais famosa. Outros lembrarão de “Disparada”, celebrizada por Jair Rodrigues. Poucos, certamente, lembrarão de “Pequeno Concerto que virou Canção”, “Samba em Prelúdio”, “Quem Quiser Encontrar Amor”, “Canção Nordestina”. E quem lembrará que foi Vandré quem primeiro defendeu uma música de Chico Buarque em um festival? Pois foi ele quem cantou “Sonho de um Carnaval”, do novato Chico, no 1° Festival de Música Popular Brasileira, em 1965. Os dois dividiriam o prêmio do Festival da Música Popular Brasileira em 1966, quando "A Banda", de Chico, e “Disparada”, de Vandré e Théo de Barros, dividiram a torcida. "A Banda" ganhou no júri, mas o prêmio foi dividido por imposição do próprio Chico.

Em setembro de 1968, seria a vez de Vandré sair em defesa de Chico – e de Tom Jobim –, diante de milhares de pessoas no Maracanãzinho (jornais da época falam em 30 mil), no Rio de Janeiro. A maioria queria ver “Caminhando” como vencedora da fase nacional do 3° Festival Internacional da Canção, promovido pela TV Globo, e por isso vaiava a decisão do júri, que escolhera “Sabiá”. “Antônio Carlos Jobim e Chico Buarque de Hollanda merecem o nosso respeito. (...) Pra vocês que continuam pensando que me apóiam vaiando... (...) A vida não se resume em festivais”, disse Vandré, enquanto a multidão acenava com lenços brancos.

Pouco depois, em dezembro de 1968, ele sumiu dos palcos. Naquele período, “Pra não Dizer que não Falei das Flores” foi proibida e sua cabeça, posta a prêmio. Em artigo publicado em outubro daquele ano no jornal O Globo, Nélson Rodrigues chegou a afirmar que “nunca se viu uma Marselhesa tão pouco Marselhesa”. Sentindo-se ameaçado, Vandré decidiu desaparecer (na mesma época, Caetano Veloso e Gilberto Gil foram presos). Segundo o compositor Geraldo Azevedo, no dia em que foi decretado o Ato Institucional 5 (13 de dezembro de 1968), Vandré e o Quarteto Livre (do qual Azevedo fazia parte) iriam se apresentar em Brasília. Depois de permanecer escondido por amigos, ele fugiu disfarçado e com passaporte falso no carnaval de 1969.

No Chile, seu primeiro destino, Vandré manteve contatos com artistas locais e gravou um compacto com as músicas “Desacordonar” e “Caminando” – quem recebeu da mão dele um desses compactos tem o exemplar numerado pelo próprio autor. De lá, viajou para a Europa – no final de 1970, gravaria na França o pungente “Das Terras de Benvirá”, seu quinto LP – e seria o último, lançado no Brasil apenas em 1973 (na França, foi lançado um compacto, "La Passion Bresilienne"). "Foi algo quase de improviso", conta Marcelo Melo, que participou da gravação e pouco depois formaria o grupo Quinteto Violado. Em 1971, Vandré voltou ao Chile. Em 1972, ganharia um festival no Peru com "Pátria Amada Idolatrada, Salve, Salve", parceria com Manduka (falecido em 2004), filho do poeta Thiago de Mello e da jornalista Pomona Politis. O retorno oficial ao Brasil aconteceu em 21 de agosto de 1973. “Quero agora só fazer canções de amor e paz”, declarou ao Jornal Nacional, na chegada, em Brasília, lembrando que nunca esteve vinculado a qualquer grupo político.

Na verdade, Vandré teria chegado ao Brasil um mês antes, em julho de 1973. Foi direto ao I Exército, no Rio de Janeiro. A sua permanência no país teria sido condicionada à entrevista ao JN. “Nunca fui preso, torturado, essas coisas que dizem por aí”, afirmou à revista VIP Exame em março de 1995. Essa é uma parte obscura da vida do cantor, que enfrentou sérias crises de depressão. De todos os artistas daquela geração, foi o único a não se apresentar novamente em um palco brasileiro, embora continue a fazer música.

No início de agosto de 1982, por volta de 200 pessoas testemunharam a volta de Geraldo Vandré aos palcos. Foi em uma sala de cinema em Puerto Stroessner, na fronteira do Paraguai com o Brasil. Cantou do lado paraguaio. Defendia a anulação de todos os atos praticados com base no AI-5 – o que, na prática, significaria o retorno à Constituição de 1946. “Não houve aplausos nem gritos (na entrada de Vandré)”, contou a repórter Ruth Bolognese, do Jornal do Brasil, em texto publicado dia 9 de agosto. Foram dez músicas, quase todas inéditas. “E falam em liberdade, soldados, homens fracos e fortes, homens aprendendo a ser gente.”

Era o mesmo Vandré capaz de, numa noite qualquer de um sábado de 1985, pedir para esperarmos diante de um Pronto-Socorro municipal na zona norte de São Paulo, de onde ele sairia uma hora depois disposto a discutir os motivos pelos quais a cadeira de dentista é tida como um local de sofrimento. Ou capaz de ser preso em novembro de 1974, após se desentender com um taxista em Mogi das Cruzes, interior paulista, e terminar o dia jantando na casa do delegado.

“Assim como outros grandes, o tronco Vandré resultou em vários galhos relevantes”, escreveu, em 1999, o jornalista Luís Nassif, citando Quinteto Violado – que em 1997 gravaria um CD só com músicas dele –, Geraldo Azevedo, Vital Farias e Xangai. Sábado, dia 17 setembro, talvez tenha sido realizada a única homenagem pública a Vandré: Jair Rodrigues, que imortalizou “Disparada”, e o próprio Quinteto Violado se apresentaram em Brasília, justamente onde haveria o show em 1968, quando a carreira de Vandré foi interrompida. "Sinto falta dele", diz Jair.

Um homem que recusou delicadamente um pedido de entrevista, feito anos atrás, com a seguinte resposta, escrita à mão: “Trata-se de uma sociedade para a qual a BELEZA cumpre função secundária e dispensável. Aqueles que se ocupam da beleza têm, portanto, função secundária e dispensável". Mas ele termina a mensagem dizendo que "sem beleza não existe O HOMEM FELIZ”. E assina: Vandré, com um PS datado de 14 de junho de 1995: “Cada vez mais distante”.

Muitos o consideram louco. Certamente, ele não tem certas convenções sociais. Nassif chamou-o de “solitário e desconexo”, “triste como a própria solidão na qual se meteu”. Mas se Vandré sempre buscou a beleza, talvez seja um homem feliz.



FRUTÍCULO


Se voce não está aqui
o mundo não acontece

Se voce e os seus lábios
emudecem
nada vale a pena
é como o mundo que anoitece

Se voce e o seu mundo
escurecem
é porque os seus lábios e a vida
não aparecem

E assim
vida e lábios
são frutos que apodrecem

E agora
tente entender
que o mundo, os lábios e a vida
são frutos que amadurecem

Basta
que voce e os seus frutos
vão e desaparecem.


Cgurgel




Nesse teu mar,
de uma voz tão límpida
e audaz

Nessa tua lua,
de cor tão imensa
e capaz

Nesse teu brlho,
de tanta luz
e de tanta paz

Nessa tua aventura,
de tanta garra
e muito gás

Nesse teu canto,
de tanto recanto
e infinitos umbrais.


Cgurgel



O tempo,
além do calor

Distribui
por entre corpos
cansados e famintos
a violência
de uma nascente de frágeis escudos


Beijos falsos
todo mundo mentindo mais do que ontem
e a eterna procura
da ilusão


De se querer um abraço
pensando
que se conquista um amigo.


Cgurgel
GIOVANNI SOLLIMA - Sogno and Occhi Aperti (Daydream) PART 1

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008




TÓRRIDO AMOR


Tórrido Amor
que não me larga
que está completo
e não tem vaga

Tórrido amor
que não se apaga
é pura luz
que me afaga

Tórrido amor
que é pura chaga
que é a minha vida
a minha saga

Tórrido amor
que lambe e rasga
me beija e me corta
e que me flagra

Tórrido amor
que é cura e é praga
que vai e vem
e não se acaba.


Cgurgel


TOM WAITS: O OTIMISMO DE UM CÍNICO

Floriano Martins

.

Uma bela definição acerca de Tom Waits vem de David Shoulberg, ao dizer que ouvi-lo é "como caminhar por uma cidade fantasma", onde "tudo é rangedor e arrepiado", ao mesmo tempo em que tomado por "uma estranha sensação de paz". Nascido em 1949, Waits acumulou algumas estranhezas que naturalmente se chocam com a linearidade de uma arte adocicada e precária como tem sido, em grande parte, a que nos é contemporânea. Da voz arenosa à inverossímil conjunção de instrumentos musicais, passando pelas personae insólitas de seus versos e a ambição teatral da concepção estética, tudo foi lhe dando um certo distanciamento em relação aos contemporâneos, a ponto de facilmente se esquecer o depurado compositor de canções que ele é.

Não se pode dizer que seu universo de canções limita-se a baladas e rock, vez por outra recolhendo simpatias por tangos, blues e rumbas. E não se pode dizê-lo pelo fato de que tal delimitação não mais interessa, algo menor ante o somatório de identificações que sua arte propicia. Basta atentar para o que ele próprio considera como favoritos, onde inclui o tenor irlandês John McCormick, o compositor argentino Astor Piazolla e cantoras como Edith Piaf, Yma Sumac e Dinah Washington. Somem-se as predileções por beatniks como Kerouac, Ginsberg e Gregory Corso, diversidade à qual não se limita.

Também não se restringe a uma operação insólita de recolhimento de instrumentos e arranjos inusitados, temperados pela colocação roufenha da voz. Visto assim, dá a impressão de que estão ali para uma dissidência natural, como pessoas fotografadas em um ponto de ônibus. Ao contrário, o que é aparente distorção caminha para um destino comum, idêntico àquele encontro de situações díspares recortado pelo Surrealismo, o sentido de revolta defendido por Breton e a ruptura que sugerira Magritte como um caminho para a liberdade. A consonância de todos esses artifícios resulta em uma eficácia lírica, recorrendo a um termo de José Pierre sobre Hans Arp.

Quanto aos versos, é interessante uma fala do próprio Tom Waits, ao dizer que "sempre quis viver dentro de canções e delas nunca voltar". É o que tem feito: vivido dentro das canções que lhe são favoritas, compondo outras tantas, desdobrando-as. Reproduzindo histórias que são fontes de uma existência, recriando cenas e falas que definem uma vida. Estão nas letras de The heart of Saturday night (1974), Nighthawks at the diner (1975), Blue valentine (1978). Em outra oportunidade, diria: "comecei escrevendo as conversas das pessoas ao meu redor". Não à toa a crítica situou seu Frank's wild years (1987) como uma "saga sonhadora de destino e ressurreição".

Eis alguns pontos que permitem entender a sensação teatral e o espírito indomável geralmente aludidos quando se fala em Tom Waits. Embora sua discografia já se encontre disponível no Brasil, é quando raro cultuado como uma figura estranha. Não há dúvida de que sua chegada até nós se deu através do ator que também é, bastando lembrar sua atuação destacada em filmes como Ironweed e Brincando nos campos do senhor (ambos de Hector Babenco) e Drácula de Bram Stocker (Francis Ford Copolla). Além disto, há uma incursão teatral, ao escrever letras e canções para trabalhos como Frank's wild years (1986), The black rider (1990) e Alice (1992), as duas últimas sob a direção de Bob Wilson.

Em disco, Tom Waits estava ausente há alguns anos. Ressurge com Mule variations (1999). O título indica a teimosia latente no caráter de todo grande artista. Em A little rain, de Bone machine (1992), encontramos os versos: "a mula do homem de gelo está / lá fora do bar / onde um homem com dedos perdidos / toca uma estranha guitarra / e o anão alemão / dança com o filho do açougueiro / e uma chuva miúda nunca feriu ninguém". Quem está de volta? Teimamos todos, personagens de uma mesma tragicomédia. As variações da mula estão por toda a parte: uma quase rumba em Get behind the mule, a balada dilacerante em House where nobody lives, a batida tradicional em Cold water.

Uma conversa de Waits com Gil Kaufman, este indagando como aquele mantém-se lúcido em sua relação com o mundo: "a maioria de nós é cética sobre certas coisas ou está esperando para ser convencida de outras". Segundo Waits, as canções são apenas recipientes para o que se é, para como se sente. "Algumas canções você canta uma vez e nunca mais voltará a fazê-lo". E há outras que você carrega consigo por toda a vida, repetindo-as, tentando entender. E outras se encontram tão entranhadas em si, que não há explicação para que se repitam tanto. Serão essas as variações da mula, as canções entranhadas em Tom Waits e que se repetem para onde ele se volte.

Ao compor para cinema ou teatro, ao ser ele próprio ator e poeta, não faz senão compartilhar todas as vivências que lhe são conjuntivas e disjuntivas, um desfrutar a experiência humana em sua vertigem original, sem dicotomias, sem preconceitos. Basta pensar em Black market baby, uma canção que resume toda a poética de Waits. Há ali uma batida de maracatu mesclada a um arrastado de disco de um DJ, e versos como "não há oração como desejo / nem amnésia no beijo dela / ela é um cisne e uma pistola / e o seguirá pois você gosta disso" interrompidos por uma guitarra dilacerante como há muito não se escuta. Poucas notas, cruciais.

Waits insiste com a insistência de toda grande arte. Que Mule variations seja uma insistência depurada, não há dúvida. Que ali estejam somadas suas melhores leituras da canção, igualmente. Basta ouvir Picture in a frame, em uma de suas formações características: baixo, piano e sax (alto e barítono), cujas imagens poéticas são delicadas e abrangentes como um haicai, sem sê-lo. Há ainda uma gaita mesclada a um canto de galo, igualmente persistentes, em uma canção que ironiza o que fizeram com Jesus (Chocolate Jesus). E um violino destroçando as pequenas almas em torno de Georgia Lee. Preciosidades melódicas, percepção singular da função de cada instrumento, a trama cênica da voz. É o que temos.

Um poeta sob a chuva. Uma pequena chuva. Toda a sua vida filmada por uma garoa. Os personagens correndo sob a chuva. Atropelados pela chuva. Mesmo ali ele pensa nas demais estações. Estão todos indo de um ponto a outro, para algo ou nada. A chuva repercute todas as estações. O que compõe são hinos, são maneiras das pessoas se reconhecerem ouvindo coisas tão alheias e ao mesmo tempo tão íntimas. O que busca um artista é tocar a si mesmo. Somente aí toca a humanidade. O público não é senão o eco natural de um grande artista. Uma perversão comercial (desfalque existencial) inverteu todo um princípio. Diante dela Tom Waits não passa de um estranho, uma voz rasgada, irritante, que acaba de lançar mais um de seus discos insuportáveis.

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2008




CRIATURA


que nada
o olho que me vê
é tudo fátuo

mergulho
no molho de quem é mato

boca
é como um voyer
mosquito lato
corrompido cântaro

sussurro é aquilo lá
o que me tica

uma conversa conserva
letramento lépido
um cágado viu

sou letra que me fode
uns fragmentos insana
chuleta é vaia

nomesomefomecome
rebrilhas rapto
uma canjica prenha
naco sã frêmito

o mato
só arde
não sente
ele destroça o dente

empurro uma letra para
bem longe
a seta vagabunda
cachorro da grua

no meio da pedra havia um ato
um sacro cheio de Descartes

tótem
rama
afana
importem

trisca em ti
o fétido do til

calhorda canção
de um salto de pó ar.


Cgurgel
MÔNICA MONTONE ! ! ! ( by Jiddu Saldanha )


terça-feira, 5 de fevereiro de 2008

A MARCHINHA CARNAVALESCA DO TAVINHO PAES


" A MOTION STORY " / DEYAN PAROUCHEV / NIKOLA MIKOV





Intactas
minhas duas mãos são tão impróprias
como uma ventania
que arrasta despedidas e catedrais

Minhas duas mãos
são tão apertadas
e suicidas
procuram pelos rostos mortais
de tontas vastas misturas finas

As minhas duas mãos
já não sabem o que fazem
de tão esquecidas e rôtas
já não sabem qual é o destino
que suas linhas apontam

Minhas duas mãos
são tão frágeis, sensíveis e surdas
como um mapa de um aperto de lutas
como uma crina para quem não se esqueceu de tê-las
e de tudo isso, para quem quiser,
explicá-las e perdê-las

E como palmas de um mesmo destino
elas, minhas duas mãos
são tão cúmplices de fantasmas
de riachos e de vermes

Elas,
minhas duas mãos
nem sabem o que os meus desejos perdem
encalacradas pelo viés da nostalgia exterior
e de um suor de um fardo que não desata

Assim
solitárias e boquiabertas
minhas duas mãos
passam a noite
em um enorme serão
de uma esfoliagem secreta

Como possuídas
por espíritos involuntários e perdidos
verniz
tapumes de acertos táteis
e de um adeus
que eu não quis.

Cgurgel
JOANA FLOR E SEUS DOIS MARIDOS - "O QUE ME RESTA "


" DEUS E O DIABO NA TERRA DO SOL " - GLÁUBER ROCHA


" LIMITE " - (1931) por MÁRIO PEIXOTO - ( Trecho Inicial )


FOCUS - " HOCUS POCUS " ( Live' 73 )


segunda-feira, 4 de fevereiro de 2008

JOE COCKER - "WHIT A LITTLE HELP FROM MY FRIENDS" - ( Woodstock 1969 )




TÃO UM TAL


A música popular brasileira sempre reservou aos seus compositores marginais os capítulos mais interessantes de sua história. Donos de carreiras irregulares e, não raro, existências trágicas, os artistas malditos sempre estiveram no acostamento do showbusiness. Embora o folclore que os cerca sirva para torná-los figuras ímpares, quase míticas, a realidade para esses artistas não teve o mesmo lirismo que se costuma creditar à eles. Sérgio Sampaio foi um desses caras. Marginalizado pelas gravadoras, pelo público e, talvez, até por ele mesmo, chegou a passar fome. Mas, se não conseguiu sucesso e reconhecimento imediatos, ao menos Sampaio agregou em torno de si, poucos mas fervorosos seguidores.
Nas palavras de Lenine, Sérgio Sampaio foi um desses "enturmados sem turma", da estirpe de um Tim Maia e de um Raul Seixas, só que muito mais radical que os dois em matéria de malandragem. Quando Sampaio se fez conhecer nacionalmente no Festival Internacional da Canção de 1972, estava tuberculoso e tão magro que os amigos chamavam-no de "transparente".
Eu Quero é Botar Meu Bloco na Rua, livro de estréia do músico e pesquisador carioca Rodrigo Moreira (Ed. Muiraquitã, 188 páginas, R$ 20,00) é a primeira biografia do compositor capixaba e surge no rastro do CD tributo O Balaio do Sampaio, produzido por Sérgio Natureza com a participação de fãs declarados do músico, como Chico César, Lenine, Zeca Baleiro, João Bosco, Luiz Melodia e Jards Macalé, entre outros.
Por sinal, é de Sérgio Natureza o prefácio do livro de Moreira. Para ele, - que conviveu e chegou a ter parcerias com Sampaio - o cantor maldito foi o verdadeiro "Garrincha da MPB" ao driblar os percalços, entortar as defesas dos insensíveis e marcar gols de placa com suas canções. Não por acaso, Sampaio teria o mesmo fim inglório, similar ao do craque do Botafogo, seu time do coração.
O livro de Rodrigo Moreira é, como o próprio autor admite, um livro de fã. Não deverá ser a biografia definitiva do artista, mas o ponto de partida para outros escritores que quiserem se aventurar em trazer à tona o nome de Sérgio Sampaio. Como o próprio compositor nunca se deixou conhecer, mantendo uma postura arredia na vida carregada de mistérios, a impressão é de que muito ficou por dizer na obra de Rodrigo Moreira. No entanto, as passagens que ele nos conta são deliciosas porque inéditas.
Estiveram durante tantos anos arquivadas na memória de parentes, amigos e músicos que conviveram com Sampaio e que se perderiam no tempo caso não fossem resgatadas por alguém. Rodrigo Moreira foi esse alguém, e a importância dessa iniciativa está reservada para o futuro, lugar onde sempre viveu Sérgio Sampaio.
Nascido em Cachoeiro do Itapemirim (mesma cidade de seu grande ídolo Roberto Carlos), Sérgio Moraes Sampaio foi, para muitos, um total desconhecido; para outros, apenas um artista indisciplinado e triste; e, para alguns poucos, um gênio. Quando saiu de casa, em 1967, tinha vinte anos de idade e muita vontade de romper com a estrutura familiar que o oprimia. Abandonou tudo e caiu no Rio de Janeiro, onde sua voz de locutor rendeu-lhe uns trabalhos pelas rádios da cidade. Era um drop-out (gíria americana usada para designar alguém que estava "fora do sistema").
Nos primeiros anos viveu intensamente as noites cariocas. Tão intensamente que não se firmou em emprego nenhum, por "nunca recusar um convite, a qualquer hora do dia ou da noite, para um programa envolvendo música e bebida".
No olho da rua, passou a dividir pensões com malandros, travestis, militantes políticos e marginais procurados pela polícia. Chegou a dormir sob marquises e a perambular pelos bares a procura de alguém que lhe pagasse uma refeição.
Pode-se dizer que o grande "descobridor" de Sampaio foi o roqueiro Raul Seixas, então produtor da CBS. Um dia o rapaz, muito magro e calado, entrou na gravadora acompanhando um outro músico desconhecido. Bastou que mostrasse algumas de suas músicas para que Raulzito visse nele uma promessa. O encontro dessas duas figuras ímpares - a verdadeira pororoca da música brasileira - resultou em uma longa e intensa amizade.
Sampaio era muito grato à Raul; primeiro porque ele fora o primeiro a lhe dar uma chance profissional ao gravar seu primeiro compacto (Coco Verde e Ana Juan), além de contratá-lo para o quadro de músicos da gravadora. E segundo porque ele o tirara das pensões imundas, levando-o para morar em sua casa. Quando esteve desempregado, vagando pelas ruas do Rio, Sampaio chegou a passar dificuldades sérias: "Nessas condições você torce para que haja um velório na casa de um conhecido só para ter um lugar para passar a noite. Várias vezes me aconteceu de estar num bar e as pessoas irem saindo, uma por uma, e o garçom me pedir licença para fechar. Essa é uma das barras mais tristes que podem acontecer a qualquer um", diz o compositor num trecho do livro.
Por sua vez, Raul Seixas se beneficiou da cultura geral popular de Sérgio, um profundo apreciador de música brasileira. Se os acordes dissonantes e o samba de tamborim estavam na raíz musical do compositor, sua aguda vocação para a rebeldia o tornava apto à captar todas as influências do pop urbano tropicalista. Gostava de e se identificava com cantores boêmios, como Noel Rosa, Lupicínio Rodrigues e Nelson Gonçalves. Leitor de Kafka e Augusto dos Anjos, suas poesias esbanjavam um lirismo mórbido e triste, característica marcante de sua obra. E Raul bebeu dessa fonte. Influenciado por Sampaio, faria até um samba, - Aos Trancos e Barrancos - coisa inimaginável para o roqueiro até então. Juntos e acompanhados de Edy Star e Míriam Batucada, fariam em 1971 um LP lendário pela CBS, o transgressor Sociedade da Grã-Ordem Kavernista apresenta Sessão das Dez.
Apesar de suas músicas primarem pela simplicidade harmônica e suas letras pela linguagem cotidiana, Sérgio nunca conseguiu popularizá-las. Essa culpa o perseguiu durante toda a vida: "Quem faz um Bloco na Rua só pode ser povão", dizia ele, um típico homem do povo que podia ser visto nos botecos, tomando em pé a sua pinga. O rótulo de "maldito" que as gravadoras e a mídia pregaram-lhe na testa acabou atravancando sua carreira, antes mesmo que ela pudesse realmente começar.
Na verdade, é a partir do Festival Internacional da Canção de 1972 que Sérgio Sampaio vislumbra seu ingresso no clube fechado da MPB. Feita em dezembro de 71, a marcha-rancho Eu Quero é Botar Meu Bloco na Rua acabou sendo, segundo Rodrigo Moreira, "uma síntese artística e existencial de tudo o que o compositor viu e viveu, uma projeção de anseios tão pessoais quanto identificados com a coletividade naquele momento histórico". Vale lembrar que o Brasil atravessava seu pior momento político nas mãos do regime militar. A canção de Sampaio soava então como um desabafo; e foi com este sentimento que na noite de 30 de setembro de 1972, Sampaio subiu ao palco e, sozinho ao violão, foi acompanhado por um coro de milhares de vozes: "(...) Eu quero é botar meu bloco na rua / brincar, botar pra gemer / eu quero é botar meu bloco na rua / gingar, pra dar e vender" .
Uma das canções que grudam no ouvido e marcam época, O Bloco não venceu o festival, mas foi lançada em compacto e vendeu 500 mil cópias. Sampaio que há poucos meses não tinha dinheiro nem para tomar um ônibus, passava a ser o "maior cantor do Brasil" e suas aparições nos programas de TV se tornaram mais e mais freqüentes. Com a conta bancária recheada, Sérgio iria se aprofundar ainda mais no álcool e nas drogas. Cheirava tanto que até Raul Seixas chegou a declarar que perto dele se sentia o sujeito mais careta do mundo.
Se a cocaína e o álcool ajudavam em suas criações noturnas, também tornaram-lhe um tipo arredio, desconfiado e um tanto irresponsável para lidar com compromissos. Não foram poucas as vezes em que trocou uma entrevista na televisão por uma boa noitada regada a pó e uísque. No auge da fama, seu mundo continuava a ser os botequins da Lapa, as rodas de samba nos subúrbios e a companhia de amigos tão malucos quanto ele.
Seus dois LPs iniciais, Eu Quero é Botar Meu Bloco na Rua (1973), pela Phillips, e Tem que Acontecer (1976), pela Continental, venderam abaixo do esperado. Com exceção do hit do Festival, o público demonstrava pouco interesse por suas outras criações, o que só fez afugentar o cantor dos shows. Pode-se dizer que Sérgio foi uma das raríssimas estrelas que morreram antes mesmo de nascer.
Com posturas nada profissionais, Sérgio se apresentava nas rádios e TVs. Curiosamente, a cada aparição do cantor, seus discos vendiam menos. Apesar de não se curvar diante das pressões das gravadoras, - que tentaram direcionar o seu trabalho para o consumo imediato - Sampaio sofreu com o ostracismo. Tampouco se deixou iludir pela mídia que pretendeu transformá-lo em um novo "Roberto Carlos" quando ele despontou no Festival. Seu terceiro e último LP seria independente, desvinculado de gravadoras e, por isso, muito mais autoral que os anteriores. Sinceramente (1982) marca o seu desaparecimento da cena musical. Depois de não emplacar mais uma vez, Sampaio fugiu para a Bahia onde, diz a biografia, conseguiu reencontrar a paz de espírito, parou com as drogas e sonhava em retomar a carreira (musical). Não teve tempo. Vítima da vida desregrada, Sérgio Sampaio morreu em maio de 1994, após sofrer terrivelmente com suas crises de pancreatite.

Por Bruno Ribeiro

domingo, 3 de fevereiro de 2008

PAULO AUTRAN interpreta "RESÍDUO" de CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE




ROCK COM FOLCLORE PERNAMBUCANO


Manacá, mistura cultura do sertão e ryffs inspirados no Mars Volta

William Helal Filho

Letícia Persiles ama a cultura pernambucana. Pesquisou a música e o folclore de lá e chega a falar com o sotaque. Mas a carioca não nasceu aqui por engano. Foi no Rio que conheceu o roqueiro paulista Luiz César Pintoni, quando eles tocavam numa banda cover de bar. O encontro pôs fim à carreira de botequim e deu início ao grupo Manacá, grande revelação de 2007, que vai lançar o disco de estréia pela EMI (produção de Mário Caldato Jr.).

Manacá é o nome de uma flor, tirado por Letícia da obra “O Romance d‘A Pedra do Reino e o Príncipe do Sangue do Vai-e-Volta”, de Ariano Suassuna.

A letrista e vocalista baseou sua monografia de fim de curso (produção cultural da UFF) no clássico e se meteu duas vezes no sertão pernambucano até São José do Belmonte, a 470 quilômetros de Recife, cenário da narrativa.

São dela as referências nordestinas que permeiam letra e musicalidade do Manacá.

— Gosto de escrever sobre o sincretismo brasileiro entre barroco e popular (caso da música “Diabo”, uma das melhores).Tenho relação afetiva com o Nordeste — explica Letícia, que, ano passado, fez a romaria do Padre Cícero a Juazeiro do Norte, Ceará.

Ela adora o teatro musical do Cordel do Fogo Encantado. Já a pegada roqueira que embala a literatura sertaneja vem do background “dos meninos”.

O guitarrista Luiz César curte Mars Volta e Led Zeppelin. Ele, o baterista Bruno Baiano e o baixista Daniel Wally tiveram outras bandas e eram escolados na cena independente quando o grupo nasceu, há quase dois anos. Luiz César até empresariou no começo.

— Um dos primeiros passos foi gravar um disco demo por conta própria, para ter o que mostrar — conta Letícia.

Foi preciso muito trabalho braçal para alavancar o lado criativo. O Manacá se convidou para abrir um show do Moptop em São Paulo. O nome do grupo sequer estava no cartaz. Cachê, nem pensar.

Mas os bons ventos carregaram até lá o empresário Marcelo Lobatto (Marcelo D2, Pitty e outros). Ele gostou do que ouviu e apadrinhou a banda. Daí em diante, o Manacá seguiu em ascensão. O ponto alto foi o show no Mada, o festival independente de Natal (RN).

— O show foi ótimo. Tinha caipirinha de cajá nos bastidores — brinca a cantora de 25 anos, cuja performance nos palcos invoca caras, bocas e gestos da porção atriz (ela estuda teatro desde os 11).

A banda tocou também no Circo Voador e no Teatro Odisséia, e o fim do ano trouxe expectativas. O Manacá assinou com a EMI e gravou seu disco no estúdio Toca do Bandido, em Jacarepaguá. O álbum foi pilotado por Mário Caldato Jr. — produtor de Beastie Boys, Nação Zumbi, Beck...

— A gente deu trabalho ao Caldato. Gravar um disco expõe imperfeições que eu nem conhecia. Foi um aprendizado, e o resultado ficou muito bom — diz Letícia.
SERGUEI / "SUMMERTIME"





SAPOS


Procuro por sapos
tão resistentes
insistentemente sadios

Nos bueiros
candelabros do porvir
nas catacumbas
esquinas do sorrir

Sapos
tão belos e proféticos
como tumbas
algumas rubras
uma argamassa do sentir

Procuro por sapos
pode ser uma idéia
uma grande guloseima
assim como uma noite que desleixa

No altar que me rege
na cadência de um sono
na virulência de um silêncio
ou simplesmente no mar que me atinge

Procuro por sapos
como se fossem sapatos
andarilhos
estribilhos do asfalto

Uma grande ameixa
tão lânguida de anzóis

Sapos
sapos
e todos os lençois.


Cgurgel

sábado, 2 de fevereiro de 2008




ENSAIO GERAL


Por aqui
todos estão contentes
como a bomba H
um sorriso de uma flor que explode
por entre sábados, super-mercados e solidão humana

Por aqui
o zum-zum do centro da cidade
como uma grande farsa
que vai se espalhando pela avenida
agridoce
violenta
e eternamente pagã

E é assim
nessa ave vida
que vou recolhendo os meus passos
como um tesouro vadio
tardio como um olhar de ontem
um filme de uma obra que vai
se espalhando pelo cimento
que argamassa o choro das crianças

E pelas ruas das luzes
como uma cigarra tão frágil e promísqua
nasce o girassol
como o calor dos corpos
pelas praças abandonadas e gentis

Haja
passos
de uma
enorme podridão.

Cgurgel

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2008




CÍTAR LOUNGE
( A ponta da outra parte que liga )


Eu me lembro de quase tudo. Também, naquela época, anos 70, era tudo como uma névoa de sonhos, desejos e fantasias. Uma cor do céu, como nunca tinha sido antes. Noites e mais noites enfeitiçadas. Uma tremenda viagem. Como sempre desejava.
Desde pequeno, que procurava me indispor com a normalidade dos dias. Na primeira vez que provei drogas, eu tinha 11 anos de idade. Aquilo, com o meu convívio, com a minha completa vontade de se envolver com cheiros e "viagens", fez com que, eu repentinamente, o meu inconsciente, revelasse uma indescritível fronteira entre o palpável e o palatável.
Uma mistura de rock, intensidades intimistas e a visão de um novo mundo. Sim, o rock. Uma máquina, um motor, uma fogueira que arde ao meu redor como uma adoração infinita.
Era tudo como um redemoinho que não tinha mais fim. Pó & companhia. Colheitas de infinitas tonalidades. Uma precipitação de devaneios repletos de imagens, como um estopim de mil cores. E da música, como uma intensidade inesgotável de celebrações noturnas e diurnas.
O Led Zeppelin humilhava os passos de uma sociedade indulgente. Tripudiava de uma moral careca e habitante de um planeta servil e hipócrita.
A música, como já disse, o rock, era do que precisava. Ela me abençoava e emitia um passaporte que abdicava de prazo de validade. Notívago, arrebanhava para meu quintal, os delírios e os desbundes de uma época inesquecível.
Foi com Zappa, que alçei voo. Pairei por entre as papoulas de um coração insubordinado, e dos meus passos, que de tão apressados, me fizeram acostumar com a magia de um paraíso alucinado e infinitamente ambicioso.
Rompi, também, com a escravidão de um verbo encalacrado de dúvidas, como querendo refazer o tempo todo, a minha rota. Rascunhos de caminhadas, cogumelos, xaropes, chás, berlotas e cafungadas.
Naquela época era bem mais difícil. Éramos tão poucos, que nos tornávamos guerreiros. Um tapete, uma fumaça, um rumo voltado para as ulrapassagens. Um destino sem limites de experiências e provocações. Uma tribo que revelava, como um átomo que voa, a razão que a fantasia imprimia ter. Como múltiplas escolhas de um barato que nunca termina.
Assim, o suor que escorria por entre a fumaça do ar que se lançava, era como um velocípede tresloucado e endemoniado. Tantas e tantas vezes de tonturas e loucuras. Muitas e muitas vezes só com a emoção, no peito que regia. Uma sinfonia de captações surreais e astrais.
Passávamos dias e mais dias metamorfoseando-nos. Como uma gilete que corta o ar, e alcança, como um Deus, a ponta da outra parte que liga. Um inferno como paraíso de coisas que encontram rítmos, pulsações, energias. Totalmente novas e instigantes.
Como universo, como uma haste que reparte olhares e promessas. Ficávamos cineticamente discípulos do ressoar dos efeitos. Uma curtição celebrada, uma agonia divina, um susto de pés e mãos.
Uma avalanche de festins, uma gangorra de pesos e hélices. Um colar de desígnios e ferrões. Era assim, que se passavam os "insights" e as febres tão requentadas.
Como uma taba que taca talco e se alumia. Um despenhadeiro de tentações, arrebites e pulsações. Uma síntaxe de degráus e réplicas. Tudo como se fosse parte de uma peça ruidosa e pendular.
Eu adoro, sabia, eu cultuo, o "Panis Et Circenses" do "Mutantes". Para mim, é como se fosse uma das músicas mais arrebatadoramente lindas, que já se produziu nessa nossa contemporaneidade. Não consigo, desde depois dos anos 70, encontrar nada igual. Aquilo ali, essa música, para mim, é como um convite, uma gênese de incomparável beleza. Uma exaltação ao arco-íris, aos girassóis dos nossos corações doidos e insuperáveis.
Ainda tinha muita coisa no saco de dormir. Principalmente o King Crimson, onde eu me deixava levar pelo seu som enigmático e hipnótico. Uma colcha de retratos. Um firmamento de uma peste endiabrada e alucinógena. Crimson.
Assim também, a Patti Smith, uma avalanche de poesia e rebeldia. Uma cusparada de belas e memoráveis canções.
Além do Grateful Dead. Jerry Garcia tão a vontade com sua máquina de fazer invólucros das nuvens, como um ingresso apocalíptico e fermento de massas e incensos.
E no meio do caminho o aparecimento de pedras preciosas que rolavam pela ladeira à baixo, como um grupo que condensava a tortilha de rocks, blues, lamentos de uma época; como um projétil tão perdidamente apaixonado pelos trilhos de uma geração que na ponta dos dedos e nos seus infinitos percursos, classificou diásporas, ícones, elementos da era aquariana.
Tudo misturado com ioga e as meninas tão dionisiacamente inesquecíveis.
Tinha também Dzy Croquetes, Judith Malina, Antonin Artaud, Julian Beck.
Tenho vontade sim, de cada vez mais, radiografar junto com as lembranças, o que de encanto ficou. Uma árvore, enorme, um cometa que dispara pelo tempo que meus olhos alcançam, uma colina de florações, caminho que o vento só afaga. Um jardim que sacia o coração de todos aqueles, que abriram os seus diários, como único testemunho do rito primal, do som que manufatura revelações e compassos, e do mais verdadeiro caleidoscópio dos nossos segredos da alma.
Ah! e os Mutantes, os Mutantes ...


Cgurgel




ÊXODUS


Sim. Todos os recados foram dados. Uma península de memórias. Livres de feiras e preces. Uma fortuita escalada por entre girassóis e morcegos. Indisciplinado chão. Que me arrasta com seus sustos e clemências. Como quem só precisa de inúmeros cuidados. Como crer debruçar-se sobre livros e palafitas.
Nesse dia subi escadas e declarei vago o meu pensar. O que procurava não vou saber como encontrar. Um monte de passos. Acinzelando promessas e vigílias. É o que o tempo me disse. Era preciso ter cuidado. Como um barco que procura no mar, a silhueta de uma lua que ampara jardins e maçãs.
Simples como a sombra de uma árvore. E tão indestrutivelmente preciosa, que me acostumei com o futuro. Uma noite, como se quizesse procurar pela sua própria voz.
Uma névoa, nuvem, tapete de letras.
Sim, além da palavra, a voz. Como moinho, ventilador, farol. Estilingue. Uma amplidão do verbo. Hoje ainda espalho flores e jardins.
Aqui, a correria de pássaros. Lixos e fantasmas. A calmaria de coqueiros, olhares e quintais.
Como um feriado que não se esconde. Uma extensa listra de azul sobre os gafanhotos que teimam em pular pela janela.
Amiúde gatos e cães, se felicitam pelas esquinas da cidade, como uma buzina do trem que socorre amores impossíveis. Ainda estala em mim, o tilintar de galhos e gritos. Acostumando o flerte da manhã com o pressentimento de que, o eco das alegrias, se espalha pelas pedras de uma redenção que não acorda jamais. Vestida de cirandas, armadilhas de uma incontrolável canção.
De um mesmo ser. Vastidão. Desértica. Uma voz que acalenta e endemoniza os meus véus e céus. De um raio com toda sua opulência que sacramenta beijos e chinelas.
Esse aglomerado de pessoas e vítimas. Como o produto que resta. Um banquete de falsidades e anacronias frágeis e medrosas. Disseminando com o seu olhar, a falta do que se tem por fazer. Como um eclipse torto, enferrujado e sem fisionomia.
Como uma torta e crepuscular língua, que dita moda e morre. Como um barco que se deriva das suas próprias costas. Da mente íngreme. Do amor inacabado.
Como um aperto. Uma peça de marfim que se depara com seus próprios erros. Números, símbolos, pântanos. Como um foguete de luminosas e efêmeras falsidades insidiosas. Como uma víbora, um lagarto que se veste de sobras e desculpas. De esquecimentos e olhares sombrios.
Eu preciso de moinhos e tentações. Muito. Como o ar. Que retempera meus pés e eu durmo.
Guarda sol. Farol marítimo. Mistérios dos meus dois olhos cambaleantes. E a curva de uma estrada que me faz vôo do seu próprio escudo repentino.

Cgurgel