domingo, 30 de dezembro de 2007


PRÊMIO FUNARTE DE BOLSA LITERÁRIA

> Mais uma vez, os estranhos caminhos da premiação literária nesse país ganha contornos obscuros. A FUNARTE lançou este ano um prêmio de Bolsa Literária cujo prazo se esgotava no dia 10 de dezembro. O edital, por si só, era de uma burocracia felliniana ou de um sadismo a toda prova. Pois bem, centenas de escritores, entre eles a contista, poeta e romancista, Carmen Moreno (que, indignada, me envia o e-mail cujo teor segue adiante), depois de passar por esse teste kafkiano, que era ultrapassar a barreira dos xeroxes e impressões de textos, com toda a "gastança" que isso impõe, acreditou no Edital e no bom nome da Funarte, e, no último dia de prazo, após um esforço hercúleo com as papeladas exigidas, deixou seu trabalho por lá. Para seu espanto, soube que o resultado sairia DOIS!!!!! dias depois! E se perguntou: como é que um júri pode ler tantos trabalhos, sem qualquer tipo de isenção, e a Funarte publicar no Diário Oficial o resultado com apenas dois dias? E começaram as dúvidas não só dela, mas de vários concorrentes, culminando com a reportagem saída no O Globo, no dia 23 de dezembro.
> A indignação e a humilhação da escritora Carmen Moreno não é só dela. Pertence a todos nós, escritores, que ainda acreditamos que o nosso país pode caminhar para a frente com o mínimo de responsabilidade e dignidade. A Cultura - essa "coisa" para alguns tão abstrata - não pode ser tratada com tamanho desprezo e descaso. É preciso que a Funarte venha a público esclarecer esse obscuro caso e ponha luz em nossas mentes decepcionadas.
> Peço a gentileza de divulgarem essa carta, para que algo de proveitoso se tire desse estranho fato.
> Cordialmente, Tanussi Cardoso
>
BOLSA LITERÁRIA DA FUNARTE: ESTRANHA AVALIAÇÃO
> A publicação da matéria no jornal O Globo, em 23 de dezembro, amplia o
> espaço de discussão, mas a resposta dos jurados não dirimiu minhas
> dúvidas. Ou certezas? De que forma os jurados da Bolsa Funarte de
> Incentivo à Literatura avaliaram, em menos de dois dias, os trabalhos
> inscritos no último prazo (10/12/07), se havia acúmulo de tantos
> outros? O resultado saiu em D.O. dois dias depois!
>
> Cinco jurados avaliaram 484 projetos em apenas três dias. Mesmo que esta
> proeza tenha sido realizada, como crer que meu projeto, (entre tantos de
> igual importância), foi analisado com o esmero e o respeito que dediquei
> à sua elaboração e ao prêmio?
>
> Trabalhei, durante madrugadas, na elaboração minuciosa do vasto material
> solicitado, para cumprir o prazo. Enviei, além do currículo COMPROVADO,
> sete exemplares de livros e cinco DVD`s (síntese da minha carreira)
> que, segundo o edital, não serão devolvidos. Mais de 500 páginas
> encadernadas. Imprimi ao meu sonho energias intelectual, física e
> emocional inumanas. Jamais participaria se soubesse que o resultado
> seria definido dois dias após o prazo máximo da inscrição.
>
> Esta questão diz respeito não só aos escritores, mas a todas as pessoas
> que lutam por transparência e Justiça neste País.
>
> CARMEN MORENO é escritora carioca. Publicou: Diário de Luas (Rocco),
> Sutilezas do Grito (Rocco); O Primeiro Crime (Rocco) e O Estranho
> (Fivestar).
>
> E-mails: carmenmoreno2@gmail.com;carmenmoreno@oi.com.br
SOBRE O PRÊMIO FUNARTE DE LITERATURA

Há sombra de fraude, corrupção... Há quanto tempo dizemos que isso vai ter fim? Dizemos, ainda, que não vamos desistir, vamos lutar e denunciar, que não perderemos a esperança.

A saber, é isso mesmo que devemos fazer: resisitir, denunciando com indignação! Mas muita, mesmo! Continuar praticando Literatura, fazendo o que é digno e amamos, para sobreviver ao caos. O que, porém, deve ser pronunciado, divulgado é o grito. Mas sublinhando a importância de educar, dando exemplo àqueles que não se dão ao respeito.

Infelizmente, o processo de alienação segue vertiginoso. Não há mais freios ao sistema néo-liberal (do laisser-faire) engolidor, até mesmo, dos que se dizem prudentes. O que vemos é cruel, mas também a constatação de que não despertamos, ainda, o suficiente para deixar de sofrer. Nós e o resto do mundo. Porém, mais ainda, os colonizados que tudo copiam, erradicando sua própria cultura. Até a maneira de fazer escolhas!

Nas páginas literárias de jornais e revistas, vem a matéria paga. A crítica ao livro. Que dizer a isso ? Onde a veracidade, e a necessária competência sobre a obra daquele que se esforça e deseja o reconhecimento de seu trabalho? Valem o lixo e a superficialidade? A mediocridade que atrofia não valoriza ninguém, na verdade empobrecemos todos, culturalmente. É o engodo. Mesmo assim, quantos embarcam no velho processo? Mesmo sabendo do esquema falso ou, talvez equivocadamente, pensando que, no final, tudo se ajeita (olha aí o "néo"-liberalismo, "mais velho" que nosso tataravô, o famoso "deixa estar pra ver como é que fica", de Adam Smith).

E estamos vendo! Até quando ? ? ?

Pensamos que há muitos pontos a debater: a divulgação de livros; a falta de distribuidores; as editoras cansadas de nada chegar a público; os livreiros sem saber o que fazer, a quem ouvir: se aos "críticos modernosos", por já não existirem resenhas bem feitas, bem embasadas ou, junto aos leitores assíduos, dispor os lançamentos às prateleiras (? ? ?)

Eis um futuro debate para todos os escritores e os envolvidos na revitalização de nossa cultura. Antes que seja tarde e INVENTEM LEIS pra justificar os esqueminhas. Aí é que vai ficar difícil. Demora-se meio século para consertar o que está ruim. Se não piorar!

Até quando ficaremos sem reação?

Abraço solidário de quem quer continuar. E ter esperança. Mas, sobretudo, precisamos estar atentos à necessidade de um desagravo imediato ao que parece ser mais uma farsa, subestimando nossa capacidade de análise e observação.

Léa Madureira, professora, autora de Os vinte e sete degraus (contos), Por não haver navegado (poemas) e, a ser editado, As cercanias do outono (prosa poética e poesia).

sábado, 29 de dezembro de 2007



SAI RESULTADO DA PREMIAÇÃO DA BOLSA FUNARTE

Poesia e ficção dividem as dez Bolsas Funarte de Estímulo à Criação Literária. Cada autor recebe R$ 30 mil para desenvolver seu projeto
Dez escritores, dois de cada região do País, foram contemplados com a Bolsa Funarte de Estímulo à Criação Literária, cujo resultado foi divulgado no dia 13 de dezembro de 2007, no Diário Oficial da União. Entre 26 de outubro e 10 de dezembro de 2007, foram enviados 495 projetos. Os vencedores foram selecionados por uma comissão formada por Sylvia Cyntrão, Gabriel Arcanjo Santos de Albuquerque, Cristina Bielinski Ramalho, Frederico Tavares Bastos Barbosa e Fabrício Carpinejar.

Os contemplados, por região são:

Norte: A Igreja, de Marco Antônio Adolfs (Manaus/AM)
Condomínio Poético, de Joesér Álvares da Silva (Porto Velho/RO)

Nordeste: Agudo como Mordida, de Julya Santana de Vasconcelos (Recife/PE)
O Relato de Prócula, de Waqldemar José Solha (João Pessoa/PB)

Centro-Oeste: Segredo de Estado, de Jason Tércio (Brasília/DF)
68 Motivos de 68, de Luiz Arthur Toríbio (Brasília/DF)

Sudeste: Fera Bifronte, de Cláudio Alexandre de Barros Teixeira
(São Paulo/SP)
O Cronista Imaginário, de Luís Antônio Giron (São Paulo/SP)

Sul: O Equilíbrio do Dia, de André Henrique Dick (Novo Hamburgo/RS)
Sinuca embaixo d'Água, de Carolina Bensimom Cabral
(Porto Alegre/RS)

Cada autor escolhido receberá R$ 30 mil para desenvolver o projeto apresentado até julho de 2008, metade na assinatura do contrato e o restante à medida que o cronograma do projeto for cumprido. A publicação das obras ficará a critério de cada autor.

O objetivo da bolsa é incentivar a criação de textos literários em todo o País. Segundo o presidente da Fundação Nacional de Artes, Celso Frateschi, até aqui estimulou-se a leitura e a preservação do livro. "Faltava estimular a criação em todos os gêneros e este é o primeiro passo neste sentido. Não vamos premiar livros já escritos, mas os melhores projetos de criação, cuja execução será acompanhada pela instituição", explica ele. "Em 2008, pretendemos criar uma coordenação específica para esta área, semelhantes às que já existem para Artes Visuais, Artes Cênicas e Música."

Além da Bolsa Funarte de Estímulo à Criação Literária, a instituição criou também a Bolsa Funarte de Estímulo à Dramaturgia, nos mesmos moldes. Ao todo, serão destinados R$ 570 mil aos dois programas.


Premiados
Norte
A Igreja, de Marco Antônio Adolfs (Manaus/AM): romance histórico narrando a construção da catedral metropolitana de Manaus, no século XIX, quando a cidade se chamava Vila da Barra. A dificuldade em se obter dinheiro e escravos para a obra e os embates com a Maçonaria fazem o pano de fundo do enredo.
Marco Antônio Adolfs é jornalista com ampla experiência em rádio e televisão no Brasil e em Portugal. Tem contos publicados em jornais de Manaus, onde vive, além de uma coluna de crônicas. A Igreja é seu segundo romance histórico e ele prepara atualmente um livro de contos Ovelhas Negras no Escuro, já disponível na internet.

Condomínio Poético, de Joesér Álvares da Silva (Porto Velho/RO): é o registro de um projeto do mesmo nome que o Coletivo Madeirista, de Rondônia, realiza desde 2006. São exposições e happenings misturando poesia visual e eletrônica, intervenções urbanas e arte na internet. Seu livro terá um formato incomum, pois pretende levar essas experiências para o papel.
Joesér Álvares da Silva é técnico judiciário, artista plástico e professor de Publicidade, Jornalismo e Propaganda. Como artista plástico, que usa suportes variados, geralmente ligados à tecnologia e, nesta área, coleciona prêmios como o Unesco Digital Arts, ganho este ano. É um defensor do Creative Commons, nova forma de gestão dos direitos autorais.

Nordeste
Agudo como Mordida, de Julya Santana de Vasconcelos (Recife/PE): é uma antologia de textos curtos, mini-crônicas e poemas reunidos por Julya, sem a preocupação de encaixá-los em gêneros, estilos ou escolas literárias. Parte do material vem sendo escrito ao longo dos anos e ela pretende dar-lhes uma organização conceitual.
Julya Santana de Vasconcelos é a mais jovem premiada da Bolsa Funarte de Estímulo À Criação Literária. Aos 23 anos, forma-se em jornalismo em 2008 pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), mas já tem prêmios acumulados em concursos regionais. É também roteirista de vídeos educativos.

O Relato de Prócula, de Waldemar José Solha (João Pessoa/PB): explora o romance urbano no Nordeste contemporâneo. Leva para as cidades de João Pessoa e de Pombal, no alto sertão paraibano, o clima de Eça de Queiroz em As Cidades e as Serras e de Leon Tolstoi em Ana Karenina. O tema é o julgamento de Cristo, contado por Cláudia Prócula, a mulher de Pilatos.
Waldemar José Solha é funcionário do Banco do Brasil e autor de romances e textos teatrais, em que atua também como ator. Nos anos 80, produziu e dirigiu o primeiro longa-metragem paraibano de ficção. É também publicitário e pretende transpor todas estas experiências para seu romance de estréia.

Centro-oeste
Segredo de Estado, de Jason Tércio (Brasília/DF) conta de forma romanceada o seqüestro e desaparecimento do deputado Rubens Paiva, em 1971, um dos momentos cruciais da ditadura militar dos anos 60/70 no Brasil. Ele ressalta que seu livro irá além da mera reportagem dos fatos, na intenção de expor o conflito entre a sociedade e o Estado naquele momento.
Jason Tércio é jornalista nascido no Rio e vive em Brasília há mais de uma década. Trabalhou como repórter e tradutor em grandes jornais do País e em comunicação corporativa. É autor de quatro livros, inclusive uma biografia do cronista carioca José Carlos Oliveira, de quem já organizou cinco antologias.


68 Motivos de 68, de Luiz Arthur Toríbio (Brasília/DF): Os movimentos revolucionários ocorridos há quatro décadas narrado em 80 poemas. O título do livro é um deles e todos descrevem as ações e sensações do jovem que viveu aqueles momentos, com um distanciamento de 40 anos.
Luis Turiba (nome artístico): é jornalista, letrista de música e poeta, com vários livros publicados. Sua coletânea será quase autobiográfica, pois ele tinha exatamente 18 anos em 1968. De lá para cá, trabalhou em grandes redações (O Globo, TV Senado etc), com passagem pelo Ministério da Cultura, onde foi assessor de imprensa e do qual se afastou há quatro anos.

Sudeste
Fera Bifronte, de Cláudio Alexandre de Barros Teixeira (São Paulo/SP): é um livro de poemas com cinco seções que enfocam o tempo, a memória, as sensações, o estar no mundo e a morte. Inspirado na experiência do autor e nas notícias de jornais, reconta o cotidiano sem "a linearidade de uma concepção naturalista do mundo", como explica o autor.
Cláudio Daniel (nome artístico do autor) é jornalista e tradutor de prosa e poesia, tendo poemas publicados em três antologias. Organiza também eventos literários como o Bloomsday, dedicado a James Joyce, ou voltados para a poesia, como O que é haicai?, em 2005.

O Cronista Imaginário, de Luís Antônio Giron (São Paulo/SP): romance histórico passado numa cidade do interior do Brasil onde o protagonista, Leopoldo, que escreve num jornal de tiragem esporádica, inventa espetáculos para comentar, na falta de verdadeiros sobre os quais deveria escrever.
Luís Antônio Giron é jornalista, editor da revista Época, com larga experiência em veículos impressos, televisão e rádio há quase 30 anos. É também doutorando em Artes Cênicas pela Escola de Comunicação e Artes (ECA) da Universidade de São Paulo (USP). A par do jornalismo, tem intensa atividade acadêmica.
Sul

O Equilíbrio do Dia, de André Henrique Dick (Novo Hamburgo/RS): é um livro de poesias falando do contato com a natureza, do conflito da vida urbana e da rural, de memórias e cenas familiares e reproduzindo verbalmente cenas da infância do autor. Ele prevê escrever 60 poemas, sempre em versos livres, mas com extensões variadas.
André Henrique Dick é doutor em Literatura Comparada pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Autor de outros três livros de poesias e presente em outras antologias, é também ensaísta premiado, inclusive com o Açorianos de 2003, pelo livro de poemas Grafias.

Sinuca embaixo d'Água, de Carolina Bensimom Cabral (Porto Alegre/RS): Drama psicológico. Após a morte de Antônia, num acidente de trânsito, seu irmão, Camilo, e mais dois amigos, Bernardo e Polaco, tentam reconstituir seus últimos momentos para aliviar a culpa que sentem e também para entender a morte da jovem.
Carolina Bensimon Cabral é publicitária, professora de francês e mestranda em Teoria de Literatura, na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul- PUC/RS. A par da atividade acadêmica, escreve contos premiados e incluídos nas antologias gaúchas do gênero. Em 2004, ganhou o Prêmio Habitasul de Revelação Literária, na Feira de Livros de Porto Alegre.

Currículo dos Jurados
Christina Bielinski Ramalho: Mestre em Letras e Semiologia, é professora da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, autora e organizadora de mais de uma dezena de livros de crítica literária. Foi também diretora da editora Elo, do Rio de Janeiro.

Gabriel Arcanjo Santos de Albuquerque: doutor em Letras pela Universidade de São Paulo e professor adjunto do Departamento de Língua e Literatura Portuguesa da Universidade Federal do Amazonas (Ufam). É autor de oito livros de ensaio e crítica literária e um de poemas, Diálogo dos Afetos, ainda inédito.

Fabrício Carpinejar: poeta e mestre em literatura pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFGRS), com 11 livros de poemas publicados. Venceu prêmios como o Érico Veríssimo e tem livros publicados também no exterior.

Frederico Barbosa: Professor de Literatura e crítico literário, é também autor de livros de poemas e dirige a Coleção Alguidar da Landy Editora. É curador da biblioteca Alceu de Amoroso Lima, a primeira especializada em poesia, inaugurada pela prefeitura de São Paulo em 2006.

Sylvia Cyntrão: doutora em Literatura pela Universidade de Brasília (UnB), onde é também professora adjunta. Tem livros de poesia e trabalhos acadêmicos sobre o tema. É também coordenadora do curso de Especialização em Literatura Brasileira

EU E O MUNDO
Karla Sabah

meu corpo não agüenta
canso

um corpo é pouco
amanso

erro
e sigo em frente

berro
ninguém entende

choro
ninguém escuta

luto
não há saída

alma de artista
incompreendida

mundo
filho da puta

quinta-feira, 27 de dezembro de 2007



TALMASSA


Simona
Simonal
Simonatal
Simonotroppo
Simonostéreo
Simona eu topo
Simona é sério

Simona aqui
Simona ali

Simona eu quero
Simona eu amo
Simona é vero
Simona eu chamo

Simona aqui
Simona ali

Simona onde for
Simona é meu amor.

Cgurgel

CONTUMAZ


Minha saudade é uma relíquia
Confesso aos meus erros a felicidade
De uma chácara repleta de ilhas
E de um vasto ocaso: o espelho daquela tarde

Foi o ontem que me deixou mais pensativo
Repousado de brios, ferrugens e do bem do mar
É como o destino que me caçoa, soa fugitivo
De uma torre, de uma serpente, do seu olhar

Me sigo como vila velha de milhas
Trespasso a ampulheta que aluga noites e dias
Águo a vida que me dá filhos e filhas
E repouso como um míssel, sombreado de dentes sombrios

No vasto do rastro que escorrego e me acho
Vago feito um senil, simulacro de fogo e enfeite
Sou de noite a flor do facho, passo à passo
Como uma bússola que encobre todo o seu azeite

E que da ilha que do início me fez senhor
Eu peço a luz que induz e conduz a sua paz
Só quero a cruz, as minhas costas e aquela dor
E do inúmero vento daquela lembrança que me leva e que me trás.

Cgurgel



A L M A


Socorram-me das muralhas que levam consigo
as sombras de uma saudade bem longe da vida
no remanso das horas como se fosse o abismo
estilhaços de um barco da celebração escondida

Empalha-me como um porco, profundo e perdido
no meio da lama, berço do sol da manhã
na nuvem que me molha, embrulho de um abraço esquecido
vazão do meu pecado, como réu da promessa pagã

E do negrume do meu pensar que chove lá fora
pedaços de mares, alcovas, sinagogas e ninhos
são como encomendas e luvas como se fossem esporas
como se a curva da noite suplicassem seus erros e espinhos

Ecos que se dilaceram na lembrança do que se foi
acompanham como passos os soluços das inúmeras pestes
é como um espectro que vagueia e renasce em tudo que se corroi
o silêncio dos morcegos, como se fossem lâmpadas e flashes

E na turba da qual me cerro e onde me encontro
repousam papoulas, hóstias, da minha caminhada para o além
promíscua como quem pensa que o quê se passa pertence ao outro
como se fossem vultos, sorrisos, vislumbres, que estão tão bem.

Cgurgel


assim estarei como um anseio que me flagro. como um urbano camarim, onde resguardo pastas e meias. flores e as mãos cheias. de sonhos. esparadrapos. anotações de telefones como as linhas da minha mão aprisionadas de idas e vindas. sim por aqui, lá estarei. por ai, não te procurarei. assim como um sábado. lambusado de silêncio e entregas. de assaltos e de tantas faces que esfregas. como um anúncio que rasga as línguas e se declara como de todas as intrigas. uma lágrima que sobe ao ar e procura pelo recanto onde nossos pés sobrevivem.
saberei, que o seu rosto, como todos os outros sábados, serão um fardamento, uma manufatura, uma armadura para os meus dedos tão frágeis e tão teus.

Cgurgel

Por aqui uma calmaria desse espírito solar que arrasta corpos para o mar, ávidos por uma corrente de aérea vastidão.
Me nego, pode crer, a transpor com os meus medos, a voluptuosidade do que jamais pensei em acreditar: o olhar de quem me quer, é como uma lente que amplifica meu coração, e durmo.
É certo, que nem tudo que se diz, passa pelo crivo de uma verdade duradora. Já que me acostumei com abismos e derrames de versos. Mesmo que traga nas mãos o percurso, que só aos notívagos pertence.
Sinto a sua falta, como só uma canção eterna entende. Mesmo que o silêncio tão definitivo e contundente, me faça passar momentos de inexplicável mansidão.
Acho, ao meu ver, que o que me resta, é ver sempre as coisas como se fosse os olhos dos outros. Irrequietos e malabarísticos. Empíricos e operísticos.
Eu sei, que mais dia, menos dia, uma lágrima jorrará, pronunciando cem vezes o momento que não vivi.
Queira-me como antes. Sempre.
do seu
Cgurgel

adoro rock
e o folclore das manhãs

entre os dentes, flores
assim
como todas as dores
do espelho que vive na selva

sou somente o que soa
uma enorme gruta
que chora
como uma sombra de narcisos.

Cgurgel

UMA PASSÁRGADA DE ABRAÇOS E SAUDADES


Carlos Gurgel


Estive ausente de Natal por 15 dias, participando de encontros com a poesia.
Primeiro, em Bento Gonçalves , RS, de 1 à 6 de outubro, no XV Congresso Brasileiro de Poesia, onde conheci poetas brasileiros, chilenos, peruanos, mexicanos, alemães, canadenses. Ao todo, 176.
Diariamente tínhamos compromissos com recitais, debates, mostra de vídeos, música latina, programações em auditórios.
Uma das programações mais interessantes, foi quando me integrei aos saraus em escolas públicas. Lá, uma platéia entusiasmada e receptiva, estava sempre atenta aos gestos e palavras dos poetas convidados. Por 3 vezes dela participei.
O organizador do evento, Ademir Bacca, gaúcho, incansável defensor de um espaço que congregue e celebre versos e visões, acolheu a todos, com sua fidelíssima maneira de ser, acompanhando passo à passo, todas as atividades, com ânimo e satisfação pelo que se propôs a realizar.
Assim, revi amigos poetas: Artur Gomes, Wilmar Silva (agora, Joaquim Palmeira), o impagável Dalmo Saraiva, Glaúter Barros, Bilá Bernardes, poetas iluminados pela chama da sedução e pelo labirinto das lanternas verbais.
Conheci a minha incentivadora gaúcha, Cacau Poeta, que me fez acreditar que é possível sonhar com mais platéias e desejos. Mais ainda: Luís Edmundo, de alteRosa poesia, Barone, Lúcia Gonczy, meiga e solidária, Jiddu Saldanha, Luiz Prôa, poeta carioca, agitador cultural, incansável descobridor das alegrias que sedimentam amizades e leitores. E do Ronaldo Werneck, Cataguases, MG, um poeta porreta e paladino de conquistas das moças que bailam por entre seus versos e lentes. Da Marynês Bonacina, de uma doce e inquebrantável beleza. Do ícone Hugo Pontes, poeta visual, experimental, vanguardista. De Walnélia Pederneiras, leve como uma pluma, forte como um poema para sempre ser lembrado. Do Alex, jovem poeta gaúcho, que se faz declamar com seus eus e sangues. E da incomparável menina bela e musicista, a chilena Mariana, com seus dezoitos anos e um violino que apaixona e se perpetua.
E andei pelas ruas de Bento, maravilhado com a beleza das suas mulheres, como um caleidoscópio de infinito hipnotismo e sinfonia.
Convivi com suas noites frias e incessantes. Com suas rodas de poesia, lançamentos de antologias e descobertas de promessas e reencontros. Como uma grande casa que abriga nuvens e céus, e de uma luz que se esconde por trás da esperança. E dos abraços e das saudades. Do chimarrão e da vontade de não calar. De delírios e silêncios. Atmosferas de palcos e risadas inquebrantáveis.
E quando no último dia, onde plantamos uma árvore, e cada poeta, depositou entre suas raízes, o seu chão. O meu, foi um pouco da terra da casa de Cascudo, com o crivo de Ana e Camilo.
Assim foi Bento. Bendita e sortida. Cidade real dos nossos verbos mundanos e borrifados pela atmosfera de uma terra acolhedora e querida.
De lá fui rever o Rio, onde, hóspede do poeta Tanussi Cardoso, sempre atencioso e colecionador de honras e elogios, proclamei por 8 dias, a disposição de participar de saraus, e perceber a intensa cena cultural carioca. Participei, ao lado de Cairo Trindade e Denise, do Tavinho Paes, Luiz Proa, e de uma levada de outros poetas, do "Sarau Doidão", no "Bar do Adão". (Já está no You Tube).
E também do "Barteliê", vizinho do "Antônio’s", em Ipanema, um culto de confissões e amor pela palavra; aconchego de um apartamento recitativo, e trem das letras que embala a noite onde nos tornamos crianças e defensores da liberdade de expressão genuína do espírito de uma cidade que continua linda. Assim como Dora Alvarenga, uma poetisa quântica e insofismavelmente brilhante.
E da minha conversa com Xico Chaves, poeta e ilustrador dos melhores. Ele, principal assessor da presidência da Funarte, onde me falou de um projeto que privilegia obras e toda sorte de engenhos literários.
Ainda do meu acompanhamento pela cena cultural da cidade, fui expectador de dois espetáculos inesquecíveis, inseridos na programação do projeto "riocenacontemporânea".
O primeiro, "My Arm", do diretor e ator inglês Tim Crouch, onde, por uma hora, nos sentimos levados por uma atmosfera de confissões e comoventes imagens de crença na vida e na sua irretocável sensação de espantos e paixões. Ele, o ator, no início do espetáculo, pede a platéia, objetos pessoais, relógio, caneta, isqueiro, gravata, chaveiro, colar, cinto, fotos, onde; aleatoriamente, esses objetos assumem personagens no seu monólogo tórrido e sensivelmente glamourizado por uma interpretação impecável e visceralmente contemporânea. Porque ele, o ator, fala da vida de uma pessoa que permanece com o braço levantado por 30 anos. E o que isso provoca de mudança na sua vida.
Do outro espetáculo que assisti, ele, é como se fosse o testemunho de que tudo que assistira antes, na minha vida, morresse como um mar revolto de penumbras e incompletudes.
Falo do grupo "Vertigem", de SP, com seu espetáculo, o "BR3". Para viabilizar sua execução, foi necessário o esforço conjunto do Corpo de Bombeiros, da Polícia Militar, de comunidades, de estaleiros, do Exército, da Marinha, da Aeronáutica, Secretarias do Estado do Meio Ambiente e Transporte, além do Pólo Náutico da UFRJ.
O espetáculo, todo ele, se passa na parte mais poluída da Baía da Guanabara e dura 3 horas. Durante esse tempo, ele metamorfoseia-se, encalacra-se em baús, tesouros, máscaras. Utiliza-se de andaimes, restos de navios, margens da Baía, pilares da ponte Rio-Niterói, construções antigas e mortas. Um arrebatamento. A platéia é convidada para ocupar o espaço de uma embarcação, que se presta como palco móvel, onde acompanha hipnotizada todo o seu ritmo frenético. O desenrolar de pequenas canoas repletas de atores e atrizes, serve como um contraponto, ao que se oferece como diálogo na embarcação principal, onde seus personagens centrais atuam. São diálogos que acontecem por sobre a água fétida. São cena fellinianas. Grotescas. Impagáveis. A concepção do diretor do espetáculo, o mineiro Antônio Araújo, se revela como dionisiacamente monumental, indescritível. Inesquecível, tonitroante, quixoteante, hipnótica.
A cena final, em um casarão da época de Dom Pedro I, é como uma seita. Toscas falas, azedume de fé e sacanagem.
Assim, essas minhas intensas impressões que agora proclamo. Como grão de um chão de prefácios e prelúdios, elas locupletam-se. Como incêndios e urros. Poesia e magia. Furor, e a imensidão da vida como invadida fosse por evoluções e manhãs incendiárias e acolhedoras.
Como deve ser o caminho de quem procura por pérolas e portas. Uma rubra víndima do meu coração que pulsa.

Cgurgel


BACO EM BENTO

Baco em Bento: íris, retinas
viu o mar
e sssssilva
assim
o poeta joaquim
íris, retinas!
íris, retinas!
que viva joaquín!
joaquim palmeira
de minas

Corre assim o poema que escrevi há cerca de um mês em Bento Gonçalves , na Serra Gaúcha. Escrevi e falei com todas as suas “íris, retinas” no palco da Fundação Casa das Artes, no encerramento do Encontro Internacional de Poesia. Homenagem ao belo poeta mineiro Wilmar Silva, que acabara de trocar seu nome para Joaquim Palmeira. Fatos de família, troços atávicos. Coisas de poeta. E pronto e ponto. “Íris, retinas, olhos meus olham íris, retinas/olhos que cerram íris, retinas, olhos de vênus”, diz Palmeira em seu ótimo “Estilhaços no Lago de Púrpura”, lançado no inverno de 2007 em Belo Horizonte pela Editora Anome Livros. Ainda sob a grife Wilmar Silva. “Nunca me esquecerei desse acontecimento/na vida de minhas retinas tão fatigadas”, pensava eu, junto com Drummond. Nunca me esquecerei das palmeiras reinventadas por mestre Joaquim, que viu o mar assim, com suas íris, retinas: “uma patativa, um sol aceso em noite plena/eu/agora o que faço com íris, retinas, olhos:/ hei de cerrar as pálpebras e inventar íris,/ retinas, olhos que sejam íris, retinas, olhos/você com suas íris, retinas, você com olhos/ que me olhem e descubram íris, retinas”.
Íris, retinas: vários poetamigos a almoçar em torno de mesa imensa. Íris, retinas: Bento Gonçalves, 06 de outubro de 2007 – XV Congresso Brasileiro de Poesia e III Congresso Internacional Proyecto Sur. Modestamente, o poeta este comemorava naquele dia-mo(nu)mento suas duas décadas sem álcool, eu que durante anos movido fora por ele. Claro, com um porre homérico do melhor suco de uva da Serra Gaúcha: Granja Cacequi, Adega Cavalleri – que textura, que quase tontura! Mo(nu)mento solene onde absolutamente todos os poetas presentes largaram suas taças de vinho e nos juntamos num poderoso “tintim sucal”. Coisa de macho, tchê! Evoé, meu caro poeta Ademir Bacca, criador & mestre da mostra. Evoé – que Baco é uva, Bacca. Suco também. Evoé, você – que nos levou na véspera ao Vale dos Vinhedos, em memorável excursão “etílico-suquista”, ao lado dos bravos & performáticos mineiros: Luiz-poeta-e-tanto-Edmundo, Joaquim-íris-Palmeira-retinas e de Bilá Bernardes; e do poetator & videomaker carioca Artur Gomes e da também cariocantora Telma da Costa. Na mesa de agora somam-se o performático poeta Carlos Gurgel, vindo de Natal; o visual Hugo Pontes, a poesia de Poços com suas muitas Caldas; os paulistas Rogério Santos e Val Rocha e meu caríssimo poeta-mímico, videomaker & agitador cultural Jiddu Saldanha.
E mais, muito mais poetas e mais poetas que “invadiram Bento Gonçalves, tomaram a cidade”, dizia a cidade, a própria, num só poema a boca não muito pequena. E que circulam com suas falas Bento afora: dali mesmo surgem os jovens poetas Alex Barros e Ricardo Carvalho; do Rio, Luiz Prôa, a quilha em riste; Rubens Venâncio, poeta-psiquiatra, agora juizforano. E o camaleão Claufe Rodrigues; e o poeta-clown Glauter Barros; o cordelista Edmilson Santini; o peruano de timbre caro Oscar Limache; a surpresa rara, uruguaia, de Rachel Martinez: “Apaga mis voces interiores,/esta sed de milagros, /este predestinado afán/de catarte ingrávido/floreciendo mi cuerpo,/donde nasce la gesta./Contengo el aliento/y almaceno tu vino,/para que sereno fermente/en la cava de roble/de mi fecundo vientre”.
Evoé também para os mexicanos do “El Tambache de Rolas” (Francisco Saucedo, Andrés Quintero e Miguel Pineda) e a turma carioca do “Poesia Simplesmente”, que levou ao Sul um belo espetáculo sobre Manuel Bandeira, dirigido por Mônica Serpa. Evoé para os mais que simplesmente poesia: Ângela Carrocino, Dalmo Saraiva, Delayne Brasil, Jorge Ventura, Laura Esteves, Rosa Born, Silvio Ribeiro de Castro. E para as menimulheres da “Confraria das Borboletas”, de Porto Alegre, trazendo ao palco poemas de várias poetas (inclusive, para minha surpresa, da cataguasense e altaneira e querida amiga Celina Ferreira). Ah, evoé também – e com todas as íris, retinas – para as meninas. As meninas-mais-que-poetas & seus nomes-renome: Cláudia-Cacau Gonçalves, Andréa Motta, Mônica Montone, Marisa Ly, Walnélia Pederneiras, Maria Clara Segóbia, Fátima Borchert, Lu Oliveira, Chris Herrmann, Delasnieve Daspet, Jane Pimentel, Joyce Krischke, Fernanda Frazão, Iara Pacini, Jane Brandão, Ieda Cavalheiro, Isnelda Weise, a chilena Irem Toal e quem mais vier – se mais belos-estranhos nomes houver.
Evoé ainda e sempre, suco de uva à mão, para o meu caro Manolo Tricalloti, antenado artista plástico chileno-equatoriano, e para os fotógrafos mexicanos Ivan Gomes Ortiz e Juvencio Larrañaga Aguilar (“Vamos ao Casino! Si, si, y vamos ao Casino!”). E mui particularmente para a décima-primeira musa-mulher deste poeta sucrilista e never de néveres etílico, a bela brasiliense muito-demais Adriana Vieira de Moraes. Todos esses bravos companheiros mais que assíduos de várias noitadas na Serra. E flanando e flanando e falando e falando poemas e mais poemas peripatéticos pelas ruas de Bento, pelas escolas, bibliotecas e até mesmo no presídio local (onde obtivemos, segundo as más línguas, nosso melhor público, o mais cativo: ninguém sequer ousou sair no meio de nossas apresentações). Evoé, que eu volto. Que voltamos todos no ano que vem, num só (as)salto poético, num só vôo – aves, aves! – sobre as serras e ruas de Bento Gonçalves. E “Salve, salves/Bento G”, como diria o poeta moderno – aqueloutro hodierno e muito douto que não rima nunca, nem numa espelunca: aqui e ali com seus pobremas, seus poemas de mão única. Sim, sim: tintim!

Texto de Ronaldo Werneck, exímio poeta. Cataguases/M.G.



A SETA


o mundo onde voce se esconde
é como o farol onde voce se tece
aqui é o agora que voce se lambe
átrio tátil de estátuas e rumores

e só assim como uma sanha na selva
o teu olor enaltece
o fio tão fértil de uma bravura sem o alicerçe
de um rio de leitos que voce mesmo fornece.

Cgurgel


LILLITH

sorrir sobre o sangue
que escorre entre lentes
loucos lentos
entre tortos olhares retorcidos

como um ricochetear de aplausos e súplicas
de uma dama que volta e meia golpeia

o mar de lamê
do estilhaço de uma raça de um lindo rolê
frenético estrupício surto da selva

de uma meca do gado que ruge
feito qual serpentina que tinge
chumbos e grotões

qual uma rama tão brega
que vai, corrói e nos cega.
Cgurgel

entre tantas lutas que voce curta
as vezes curtas
as vezes brutas
todas elas tantas lutas
mesmo que seja um bode que voce chuta
ou aquele colírio que parece uma gruta
saiba que o amor ainda surta
mesmo para o mais podre filho da puta
e que Deus não é uma marca que multa
aqui, ali, em baixo, por cima da disputa
queira que a mais doce arte, tão culta
abençoe teus beijos, abraços e todas as frutas
e mesmo que chore, repita e durma de forma tão abrupta
uma força maior do que tudo, está acima do que voce pensa que é fajuta

Cgurgel

SERTÃO EU, SERTÃO MEU, SERTÃO SEU


Carlos Gurgel



Tenho pelo sertão uma paixão incontida. O seu sol como luz que não se esgota, ilumina trincheiras e descobertas. Triunfos e comboio. Nessa esteira onde nascem ícones, mitos e personagens, a trilha que se escolhe é feita de suor e tesão. Tensão e romances.
Sim, a terra seca destampa a coragem que guardamos quando precisamos demonstrar o amor que sentimos pela terra onde nascemos.
Assim, ao redor de fogueiras e folias, foles e cachaças, se faz o imaginário de uma região única, rodeada de tulipas e túnicas.
A pele de quem nasce no sertão é protegida por camadas de heroísmos. Com a seca, parece que ficamos mais parecidos com os filhos de uma hospitalidade atávica, semelhante ao prazer que abre porteiras, constrói ilhas e que germina o aparecimento de uma lua que provoca pedaços de pecados.
A poesia nessa terra é como se fosse uma flor. Uma flora também. Uma rosa que nasce por entre rios secos, pontos de líquida paz e muito burburinho.
Isso tudo faz parte do que se poderia dizer da grandeza que existe no livro de Oswaldo Lamartine, “Uns Fesceninos”.
O livro, assim como seu autor, requer estudo e debruçamento. Debulhar o seu conteúdo é como um mistério que não se esgota.
O chulo vem da imaginação, como também a elegância de um escárnio. O que se estabelece como verdade no “Uns Fesceninos”, é justo o que se presta ao burlesco, ao escárnio.
Oswaldo, como garimpador do universo sertanejo, nesse seu livro, cultua o fascínio como verdade, como identidade de um povo que pisa ouro e ferro. Pepitas tão ricas, como rios de risos. Um platô de sacanagens, versos epidérmicos, loas aos seios.
Sim, o deboche do verso livre e rompedor, provocador, viés do limite entre moral e pilhéria, princípio e sismo. Sem arrodeios e labirintos, o universo fescenino no olhar de Oswaldo, proclama aos quatro cantos os encantos de uma poesia viva e verdadeira.
Percebe-se que desde o primeiro instante, o livro é uma fábula, uma tabuleta de preciosidades, que alimenta o riso, o escárnio e suas inúmeras faces. E a comprovação que se tem é como uma descoberta que arregaça o pudico, como o mínimo, uma obrigação que se deve ter para quem procura a leitura que instiga instintos e maledicências.

Prova-se aqui, a importância que o verso burlesco exerce sobre a maturidade de quem lida com a vida como uma expressão renovadora e enriquecedora da alma humana.
Oswaldo com a sua lupa, declara a sua simpatia pelo charme do chiste, pelo humor sem pudor, como mercadoria do pecado, ávida por uma azáfama epidérmica, nesse universo que multiplica e espalha inúmeras versões e inúmeros versos.
Essa poesia que se presta ao que se pensa que não presta, como o promíscuo do verbo que se lambuza com romances e transas verbais. Folhetins de bocas de bares e das marés que inundam leitos e reinos. Como sobejo de um beijo requentado na ponta de uma vela acesa e rodeada de cúmplices.
Destampando riquezas e paraísos, descobertas e jardins; a poesia que Oswaldo escolheu como norte do seu suor, glorifica quem da vida se fez mote, pote de uma promessa que declara a existência de um sertão sacro e profano.
A riqueza das suas falas, nesse sertão que se espalha por entre rochas, bois, caçuás e bigornas, resguarda no seu interior a fornalha de fodas e fadas. Além de uma lista interminável de histórias que curam dores e cotovelos.
Sim, o sexo, assim como o chiste, como peças de um vendaval que descobre com o seu ímpeto, ensaios e partituras, é luz que alimenta incrédulos e tão pálidos. Oswaldo, nesse seu trabalho de ossos e gozos, garimpa brilhos e relíquias. Liberta e revela segredos de uma obscenidade que beira o cais dos nossos mais recônditos desejos.
Nesse universo boêmio e noturno, vadio e pornográfico, parece que quem é pobre de grana é rico de espírito. Como a certeza que se tem, que a desgraça de uma vida sofrida, é a exata dimensão de um vulcão que se abre irradiando bocejos obscenos e a licenciosidade de copos e corpos suados, extenuados por uma estação onde se reconhece a mão que suporta vinhos e vilões. Risos e lágrimas.
Sim, pilhéria e riso, deboche e erotismo andam juntos, justos como uma manivela afiada e venal. Como uma pólvora que contagia a enorme fogueira das nossas pelejas corporais . Essa correspondência tão transparente do bocagiano pileque de uma noite que não tem fim, recorta as rédeas onde nascem cópulas e fórmulas que transpõem monastérios, clausuras e dogmas. Desabrocha nos seus autores a irreverência, abundância de tipos, sarcasmos e escarros. E a espontaneidade da maledicência como profusão de caras e cartas marcadas.
Essa radiografia que agora Oswaldo nos mostra, desse enorme mar que revela o escroto, o esgoto onde guardamos nossas imagens, nossas sacanagens, é a referência de um roteiro onde se consagra a genialidade de um amor proibido recheado de pactos e cactos. Risos e porres.

Geralmente o que se verifica na criação do verso fescenino, é o interimável uso que se faz do próprio cotidiano desses poetas, como matéria prima das suas mais imprevisíveis rimas. Irmã de escândalos e pântanos. Chutes no chulo do achincalhe que não prospera e na obscena cena que todos observam como reino do respeito e admiração. Admiração por se mirarem em penumbras e sombras de si mesmos.
Eles relacionam tudo a uma fermentação epidérmica. Sempre, ou quase sempre, qualquer fato, qualquer boato, é fermento e bússola, algibeira que se utiliza do vocabulário que eleva e derruba eus e egos. Ferramenta que produz, que imagina, a sua própria criação.
Essas manufaturas são feitas na hora. Como encomendas de minutos. Esse senso, rapidez de coletar rimas e misturas finas, transborda-se em relíquias. Verdadeiros achados que sobrevivem como a mais pura e genuína interpretação de uma peleja psicodélica e surreal.
Também os achados, transitam entre o que é substância, alimento da alma, e a realidade, e praticamente se credenciam como principais tesouros de quem acredita na poesia que conspira curvas e curas.
Oswaldo, nesse seu trabalho, como guardião de sermões sertanejos e dionisíacos, certamente lança créditos sobre a importância de se perceber que o universo sertanejo, como uma planície, acolhe anjos e demônios. Secas e abundâncias. Trovões e a cantilena de pássaros e serpentes. Assim, certamente, todos os poetas que redimensionam as suas vidas, utilizam versos e imagens como profecias, faróis das suas enormes aventuras.
Esse universo sertanejo de Oswaldo, está rodeado de atalhos, retalhos, borralhos. Rico, exuberante e de uma luminosidade ímpar. Pois, se caminhar por entre quadras, versos, poemas desse imenso mundo, é como dar de cara com bandeiras e brasões, estandartes e dragões. Uma coletânea que agasalha espantos e o tesouro de lendas, encantos e penitências. Riachos e aguapés. Sabores e amores. Extremamente surreal. Como lugar onde se ressuscitam reinações e a encarnação de uma sombra que protege e afaga a solidão de um candeeiro.
Assistir ao parto de um poema é tão indescritível como a floração de um parto humano. Manifestam-se dores e êxtases. Forno e criação, suor e sexo. Essa multiplicação do que há, do nascimento, do engatinhamento, de asas que voam como procurando chão e casa, personaliza a própria revelação da existência. Pouso e alimento. Como um caminho que se faz por cima do capim da roça. E que depois de seguidas vezes, as marcas das palmas dos pés, fervilham no chão, como o chão aceitando o peso dos nossos corpos.
E no sertão, de nuvem tão densa, de lua tão bela, de feira tão livre, isso tudo passa pela mente como uma hospedaria de cores. Como desfile que estampa a dor de quem perdeu um grande amor. Como brasa que acalma o sofrimento de quem se largou no meio da escuridão da noite que cega e abana o sussurro dos grilos.

Assim é o sertão, como uma cancela que vai e vem, que escala montanhas e olhares, amores e colchões. Desafiando esses caminhos escorregadios e misteriosos. Como fantasias e riquezas de pensamentos. Romarias fugazes e a presença das lembranças como borrifando vontades e calafrios.
Esse sertão, que é o sertão de Oswaldo, sobrevive , porque a fé do seu povo transporta o tempo da terra para a porta do céu. Como a boca do fescenino verso que declara o seu amor pela paixão desassossegada e anacrônica.
Assim, rimar é tão difícil quanto amar. E amar, como procura, é como gostar de um poema. E se casar com alguém é como viver com um poema. Como um poema onde possamos amar, viajar, sonhar e se multiplicar. Na companhia das palavras de um matrimônio tão intenso e tão íntimo. Como o beijo que se dilacera no dorso de uma montanha de ancas e seios sagrados.
Assim profano e sagrado se entreolham. Como instrumentos de um pacto de fenômenos e espantos. Como uma ponte que liga o tempo da ilusão e o tempo dos nossos olhos. Farinha e cuia. Matulão e traição. Imaginação do olhar daquele vislumbre de curvas e calmas.
Idílio de índole e dom. Chocalho que atanaza a cor do couro de quem luta e conquista. Vaqueiro e promiscuidade. Beijus. Sobejo da sobra de pinga como fécula da fé sertaneja. Ronda que roda preces e fuzarcas. Como uma esquina de pé de rua, que se dobra e onde se encontram ciúme e perdão, súplica e pecado.
Sim, precisamos do sertão. Com a sua vastidão de fantasmas. Com os seus amanheceres. Costumes e descobertas. Precisamos que o sertão nos ensine o que Oswaldo nos deixou. Precisamos que Oswaldo nos confesse o que o sertão lhe amou. Como árvore frondosa e soberana. Como semente que nasce e reparte colheitas e procissões. Como a fruta que floresce ao redor da lua das nossas lembranças tão nuas e arruaceiras. De tudo que podemos lembrar. De tudo que podemos ousar. De tudo que podemos amar.
Como uma igreja que guarda socorros e nascimentos. Terços e ninhos de sofrimento. Como uma fagulha de uma fogueira que ilumina cegos e pecadores. Bêbados e couraças.
Somos sumos do sertão. Salmos do sertão. Palmos do sertão. Tão vasto. Tão parto. Tão cúmplice de leitos secos e peitos sem leite. Andorinha que sobrevoa léguas e grotões. Mentiras e os nossos pulmões. Humanidade que habita sonhos e a despedida da melancolia do dia e da noite.
Sejamos fortes, iguais as grutas que circundam bois e boiadas. Como o verde da árvore que recebe chuva e goza. Como nessa interioridade toda, parede e meia de molduras das nossas vidas, bandeiras e âncoras, holofotes e estações.

Como protagonistas de triunfos e quintais. Sombras, frestas, estopins e celebrações.
Cheiro de atalho repleto de sorrisos e raízes. Filme que passa inteirinho, como uma epopéia épica e gloriosa. Vestimenta que une lábios e corpos. Espíritos e vazantes de uma raça cheia da graça de um espírito santo bem-vindo. Sorriso de uma criança. Futuro de um coração que pulsa, aterrissando jardins e luares. Cantigas e pilhérias. História de portas de bares. E o corpo de uma mulher nua. Mãos e bocas. Espinha e pescoço.
Assim, o sertão de Oswaldo e o sertão de todos nós se manifestam. Nesses fesceninos uns. Nús, maltrapilhos. Humanos e pecadores. Pescadores de uma noite de sonhos e iguarias. Como as bifurcações de uma estrada. Onde enchemos de esperança o porto de onde se chega. Partos.
Assim, esse tapete que levita chuvas e canhões, timbres e bordeis, enobrece povoados, alpercatas, guinés e canções. Desnudos fornos saciam seios e aquarelas.
Esse tapete é o sertão de Oswaldo. Com cruz e cajado. Licenciosidades e o poder que a língua tem. Néctar que transforma e transborda milharais.
Sertão eu. Sertão meu. Sertão seu.

VELA DO TEMPO QUE NÃO SE APAGA

Quando voce me pedir um café
Liquidificarei na xícara, manjares e florais
Mel, abacates e pincéis
Imensos arquipélagos dos nossos quintais

Quando voce me pedir um chocolate
Lhe servirei uma porção dos deuses
Ramalhetes de açúcares, de inúmeros anéis
Um sonho cremoso, das milhares de vezes

Quando voce me pedir um picolé
Embrulharei o palito com fitas, fotos e festas
Tudo que sua lembrança trouxer e quiser
Como janelas de leitos e bocas abertas

Quando voce me pedir um talher
Arrumarei a casa como uma mariscada
Escolhendo o melhor do melhor da maré
O requinte do turbilhão da idéia pescada

Quando voce me pedir um vinho rosé
Misturarei todos os meus sabores, licores, favores
Ao redor de taças e vidraças do escondido chalé
De tantas e sortidas e infinitas cores .

Carlos Gurgel

AUSÊNCIA



Me apaixono por voce, só em lembrar da cor dos teus olhos
Com a tua ausência coleciono roupas, cheiros e cartas
E no jardim que de tuas recordações eu me molho
Estou como se fosse em um lugar, onde tudo me mata

É tão enorme o sentir dos teus beijos que me resguardo
Pelas paredes, armários, louças e pastas
A sensação do não começo, é como se fosse a lágrima de um arco
Que dilacera o meu leito, espírito, sombra e o que me basta

E assim vagueio no meio da noite, como se fosse a réstia de uma saudade
À procura de um farol, seta,luz, ou de tudo que me ache
Estou só, como nunca estive, eu sou metade
Sou como se fosse uma serpente, que de tua língua, me enrole, na tua face

Sou agora, aquela sombra, que minha vida me esqueceu
Chuva de lágrimas, perdões, desculpas e recolhimentos
Uma mão que afaga, como se fosse tudo que se perdeu
Ao redor daquela noite, e de todos os seus instrumentos

E por fim, suplico por tudo que me afasta
De ti, de tua vida, de teus lábios, pele e perfumes
Como se fosse uma pérola, licor, estrada tão vasta
Uma montanha, precipício, milhares de ilhas e de todos os teus ciúmes.


Carlos Gurgel


INEXORAVELMENTE PRECIOSO

O lento e inevitável tempo que nos cega
São como beijos que esquecemos de provar
Como uma inigualável nuvem que se aproxima e nos esfrega
Que massageia, bate, fere, rouba, enlouquece e nos faz zuar

É como se fosse um som, estampido que não pára
Aumenta a fúria, a vontade de matar e de se acabar
Uma avalanche de ódio, rancor, hóstia, merda de um pária
De uma chuva de bala, ingratidão, sangra, traição tão cara

E o silêncio é como se fosse a véspera do seu barro
Que entope veia, via, velho, jovem, suicida, boêmio e prostituta
Mela de gala, o seu quarto, sua rua, seu trabalho e todo o seu bairro
Parecido com um monstro, um vulto, o demônio que rouba e voce nem assusta

E agora voce já não sabe mais o que pode fazer
Enfrentando a força, a labareda, o inferno, o espetáculo que arruina
Vide lenha, lixo, tão pobre, podre, um vácuo do fim, como compadrio do prazer
Tão parecido com seu bornal, pura prece, um topete, sítio da sua tequilla assassina

Mas ai chega o demônio e se torna amigo da chuva
Fixa âncora que sorri como aquela face poderosa que me fita
Promete mundos, fundos, fuzarcas, paraísos, beldades e vulvas
E voce, como refém, se torna um escudo, uma lesma tão bendita

Assim tudo é beleza, como proeza, de quem se deixou levar
Pela lábia sábia de um ser que se quer profano e sangrando
De vestes, rituais, quermesses, funções, iansãs, promessas do pomar
De tudo que aproxima e apaixona, e de tudo que se definha e termina acabando.


Cgurgel

Enfim, Chegou O Dia



ENFIM, CHEGOU O DIA

Como vai poeta? Aqui, o imenso torpor que atravessa janelas e manhãs, pêndulo de uma enorme e quixotesca fermentação que vai adormecendo luzes e faróis.
Sim, já não nos lembramos onde nasce o olhar que espelha e acompanha o círculo dos nossos desejos. Somos iguais aos enormes tonéis de vinhos, embalsamando mãos e o límpido olhar de uma garça que soluça e turva nossa generosidade perdida.
O cheiro escondido de pardais e tulipas, são como um desafio destinado ao tropel que resiste ao lado de uma involuntária preguiça. Assim, santos e sonhos, ventos e vinhos, aflitos e acentos, embrulham-se como presentes escolhidos para serem analisados à luz de velhas e esquecidas vozes, tão suplicando um resto de frio, ou a persistente evolução do sol, por não se compreender que o vôo de um enorme faisão, simpática e irretocável evolução aérea, reproduza, com inteira complexidade, o costume dos que pensam que a vida não passa de um carrossel de negras garras e infinitas amplitudes alcançadas.
E mesmo que os tonitroantes cavalos selvagens me alcancem, eu os vencerei. Como uma balança que se veste de ouro e prata. Por sobre um rio de medo. Espantalho e cadafalso. Como um soldado que imprime ao seu canto, uma série de descaminhos. Tortos, liquefeitos, bisonhos, sessentistas.
Sou a urbe que corre dentro de mim. O fato, a delícia, de todos os interstícios de uma garoa. Mundanamente me estabeleço. Como girassóis que remetem a um inequívoco erro. E, pelo menos, como parte de um episódio grotesco, eu me envio. Brancaleone da noite, pesado de tanta desonra. Estrelas já não me descansam. Ao léo dos meus destrambelhados destinos. Um pouco de louco, como todos nós devemos ser, como um espelho da minha alma refratária.
Benigno de orações e penitências. Uma doce e alfandegária aventura. Arco de uma trêmula visão torta. Promissor e cambaleante tropel que a mim acusam, como de resto, todo o meu viver. Uma fonte inesgotável de ourives e chocalhos. Vômitos e beijos. Espátulas bronzeadas de couro e birra. Um fantasma. Gótico. Insano. Viking.
E os meus cabelos já não se fingem. São como escudos, intermitentes canais que se proclamam vencedores de museus e traquéias. Uma turva e inconsciente batalha que eu armo, por mim e pelo meu insistente pensar. Uma atmosfera de jardins e praças despedaçadas. Por sobre a minha canção de tanta e exaustiva sofreguidão.
Não tenho noção do que represento nesse mundo que me chama de ladrão e vilão de maçãs e poeiras. Sou um monte de espelhos. Que dilaceram meus sorrisos e somem. Um quebranto que arrasto por sobre o belo e inesquecível rio. Prantos de sementes e do porvir. Um pouco do fim. Como só os desavisados inconseqüentes se permitem.
E como nada sei, vou pela troça do meu avesso. Pioneiro de gargalhadas e tonéis de cicutas. Um verdadeiro testemunho da maior espécie de latrocínio de missões e carícias. Um poente que nunca disse bom dia. Uma frágil e penetrante audácia. Medo de colibris e do instante que ainda não vivi. Depósito de ilhas, como desaparecido estou. Desaparecido das mãos que sustentam lodo e finesse. Uma antena que capta impropérios e o estremecimento que acompanha os meus passos. Combustível de urros e lástimas. Livre de poços e labirintescas guirlandas. Que me vão inaugurando um novo andor. Como sentinela de profundos cortes no sol, que me faz acreditar em salitres por sobre o tempo que resisto.
Sim, todos nós testemunhamos o vulcão que se abateu por sobre nossas cabeças, como se vestindo de despedidas e grilhões. Acho que até hoje não vi nada igual.
Deu-se que a vez de quem pensou reinar por todo o sempre, não conseguiu avisar aos pássaros doidivanos, o que se passou ao longo dos nossos sonhos e pesadelos, como retrato de um rosto retalhado por soluços e morcegos. Ninguém, absolutamente ninguém, impediu que os olhos do tempo, se pronunciassem a favor da multidão, como cetim que cobre pureza e escândalo.
Eu sei, e todos aqui sabem também, que nossa promessa de recortar o vento como uma bandeirola que conclama o ponto onde necessitamos declarar ao nosso suor, o destino de milhares de desafios, é como uma lufada de cochichos e olhares que chegam a ultrapassar o exílio de todos nós que resistem para entender seus próprios atos.
Corre o boato, que uma espetacular sereia, se abancou no mercado central, causando o maior formigamento de adeptos, bispos, juízes, sacristãos, enfermeiros, balconistas, ferreiros, perna de pau, colombinas, esmoler, sócio fundador, massagista, palhaço, médium, modelo, vigia, carteiro, oftalmologista, cabo, jibóia, menina, baixista, vela de aniversário, guaxinim, propagando a sua fama de recolhedora de graxas e serpentes, onde todos, absolutamente todos, se declaram simpatizantes de uma enorme e intimista sala, cânone de memórias e efeitos.
Os moradores da parte norte da cidade estão todos exaustos, como prova de uma promessa paga em torno do seu estorvo. E esse tipo de revelação, não dimensiona o mal, que porventura almas inteiras, galopes e urros, gravitaram por sobre a imensa e contumaz embocadura dos seus sentimentos.
Vozes são como estampidos, batidas nas portas que rangem e rezam por uma quantidade extrema de terços, vigílias e promessas. Identifico no meio da multidão, o resto de um corpo que baila, reanimando-se pela graça de um copo e pela paciência de uma calma que retorce mãos e abdómem. Como saboreando o odor de um lugar fétido e pobre.
Todos os parceiros, integrantes, companheiros, instrutor de leitos e feriados, estão como respeitando, cada um ao seu modo, o infortúnio que se abateu por todo sempre.
E é justamente aqui, ao pé dessa árvore, que o espelho onde se fitaram, o vagalume de uma força descomunal, e a parceria que foi aceita por todos os simpatizantes de uma ópera de acertos milimétricos, sincrônicos, onde se sente o poder que pulveriza por completo a azia que floresceu ao redor das mangubeiras e cachoeiras do bairro dos sapos e tragicômicos físicos.
Acho, por assim dizer, que ninguém se esqueceu de lembrar, o papel farisíaco que as milhares de donas de casa, ao relento, souberam deflagrar, ao organizar vigílias e matrimônios. Elas mesmo, estopim da desgraça alheia, foram encomendadas como fúrias de uma rua que celebra na última quinta-feira do mês, a encenação de uma polifônica quermesse de volúpias e circenses atos de uma intensa peregrinação alheia.
É de se supor, que todo esse burburinho, como uma prata recheada de feses e promessas, encerra uma parte triste de toda a comunidade assistida por essa já deflagrada insistência em se acreditar nas pedras que sedimentam o cálculo de quem pisou por cima dos seus alfarrábios e cisternas. O que se pode dizer, com relação ao que foi feito, é de uma monstruosidade tremenda.
Veja só: ontem, ao meio dia, o soldado que estava de plantão, carregou até a sala vazia, o cozimento de uma idéia que dilacerou o coração de quem passava pelo lugar. Milhares, centenas de vara paus, dispostos simetricamente por sobre os paralelepípedos falsos, zombavam da quinquilharia de uma lembrança que um papagaio espalhou pela cidade, que custava a se acreditar. Ele, sustentava sobre os culhões, que em uma determinada parte da fundação da cidade, moços saudosos de um banho na lagoa, se danaram sobre o mato e o manto sagrado da religião, para proferirem em frente à sacristia da única igreja da cidade, o boato de que uma determinada senhora, publicamente acusou o padre da cidade de masturbar ela.
Agora, fora do improvável respeito, voces imaginam do que isso causou de resultado, para a formação de uma nova geração sempre concebida por algibeiras e matemáticas alegrias? Isso, ao que parece, fez com que o papagaio lúgubre e interiorano, desaparecesse, por um bom tempo, do convívio de quem sempre lhe quis bem.
Marcondes, o único habitante que se nomenclaturava, se dispôs in vitro, a obedecer os desejos de um vento barroco e arretado.
Eu não sei não, mas depois de um dia que ninguém mais dormiu, o que se observa no caminho que todo mundo passou, é como se fosse o destino que se abria. Uma vasta e inesquecível peça musical apareceu. À frente, a alma de quem sempre viveu só. E pelos lados, o sangue de quem sempre desejou viver acompanhado de almofadas e saguins.
Assim, para terminar, deixo aqui uma profecia de um anônimo e secular anfitrião que testemunhou todas as complexidades do que pode se considerar, ao observar, quando habitamos a serra onde saem e voltam tesouros: " Só o enriquecimento da minha história, some, o que sobrevive são os galhos das árvores, como sombras de um passado que ninguém esquece".